quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

O que pensar sobre Jogos de Azar?



INTRO

Uma questão ética relevante para ser discutida é a questão da pertinência de um cristão se envolver em jogos de azar. É viável para o cristão se envolver com isso? É pecado?
Existe, na cultura cristã, a afirmação taxativa de que é. E a maioria das pessoas que conheço afirmam que aprenderam que é errado. Mas se pergunto quais são as fontes bíblicas de tal ensino, grande parte não sabe responder, enquanto que outros respondem com argumentos muito duvidosos. Nós, como reformados, assumindo a sola scriptura, não podemos nos conformar com o ensino ‘tradicional’. Ou temos um ensino bíblico sobre o tema, ou não o proibamos, nem falemos que Deus não gosta, quando ele não se pronunciou.
Primeiro, para não haver confusão, vamos definir o que queremos dizer por ‘jogos de azar’. Em grande parte, o erro que nos parece haver neles (já antecipando nossa posição) está incluso em sua definição. Para evitar tal equívoco, tomemos uma definição. Nas palavras de Champlin, "jogo é um risco que envolve dinheiro, que se pode ganhar ou perder mediante uma aposta" ..."(R.N. CHAMPLIN, Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, v.3, p.568-9).
Colocarei aqui aqueles argumentos que considerei bons. Li alguns artigos, e em boa parte, vi argumentos bem falaciosos. Não consegui perceber nestes que apresentarei. Também observaremos algumas objeções comuns, bem como traremos à baila suas devidas (ou possíveis) refutações. Percebam que são argumentos cumulativos. Ou seja, o que pode escapar em um é respondido em outro.

ARGUMENTOS E OBJEÇÕES

1)      Argumento do Vício.
O primeiro bom argumento que vi é que o jogo envolve o vício, e este vício em particular, traz grandes mazelas sociais. Pessoas se envolvem com jogos de tal forma que perdem tudo!  Depois disso, as conseqüências são muito amplas para se colocar em um texto como esse. Mas vários tipos de distúrbios sociais poderiam ser mencionados: como a miséria e mendicância; ou o envolvimento com crimes, por conta da situação que alguém foi levado por conta de jogos; ou ainda, como último exemplo, em problemas familiares por conta de gastar recursos com jogos ao invés de empregá-los em necessidades da família.
Qualquer vício é, obviamente, desencorajado e proibido pelas Escrituras. Pertinente, neste momento, é o texto de 1 Coríntios 6:12:
 ‘Todas as coisas me são lícitas, mas nem tudo me convém. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas’.
 Wiersbe, comentando sobre esse texto, observa que esse ‘todas as coisas me são lícitas’ era um ditado dos liberais morais de Corinto. Paulo concorda. Todas as coisas me são possíveis, alcançáveis, mas nem todas me são convenientes, ou seja, próprias, corretas. ‘Posso’ é uma palavra que pode ter, pelo menos, dois sentidos. ‘Posso’ de ‘capacidade’, ‘habilidade’; ou ‘posso’ de ser permitido. Podemos todas as coisas no primeiro sentido, mas não no segundo.
Este mesmo comentarista observa que Paulo estava argüindo sobre a liberdade cristã, e entende que Paulo estava combatendo a idéia de ser livre para entrar em outro vício. É o que fica explícito na proposição ‘não me deixarei dominar por nenhuma delas’.
Portanto, vício é pecado.
Objeção: Alguém pode replicar que joga e não é viciado, ou que jamais se viciará. Bom, primeiro que tais alegações são muito suspeitas. O viciado nem sempre percebe que está viciado. Às vezes demora um bom tempo para admitir. No programa dos 12 passos do AA (Alcoólicos Anônimos), o primeiro passo é admitir o vício. Portanto, alegar que não é viciado nem sempre é sinônimo de que, de fato, não o é.
Mais difícil ainda é garantir que não vai se viciar. Pessoas que ficam viciadas também pensam assim. Ou alguém pensa que todo mundo que está escravizado a algum vício começou pensando e querendo se viciar?
Por fim, ainda que haja uma forma de garantir não se viciar, o jogo, praticado como um ato público é um testemunho e um incentivo para mais fracos (principalmente para quem tem um papel de liderança, no qual poderá ser imitado), propensos ao vício, caírem na cilada. Portanto, tal pratica poderia levar outras pessoas ao pecado.
Aqui, a questão é muito parecida com a bebida, e tem os mesmos argumentos desmotivadores. Primeiro, para se viciar, tem de começar. Uma vez iniciado (na bebida ou nos jogos), abre-se as portas para a possibilidade de se viciar. Mesmo assim, bebida não é pecado em si (ficar bêbado é). Se alguém consegue beber sem vício e sem embriagar-se, ainda assim deve ser cauteloso (se não omisso para com seu prazer), pois seu gesto pode incentivar outros mais fracos a beberem, e caírem no vício.

2)      Argumento da Forma de Angariar Recursos

Um dos fortes (e controvertido) argumento usado é o de como devemos obter nossos bens, recursos, posses, etc. Claramente Moisés declara em Gênesis 3:19 “No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela fostes formado; porque tu és pó e ao pó tornarás”. Ninguém, sensato, pensa que o suor funciona como margarina. A expressão significa que o homem vai conseguir os recursos de subsistência mediante seu trabalho. Essa é uma maldição na qual Deus encerrou toda a humanidade. Portanto, jogar, é tentar granjear recursos sem os esforços que Deus nos incumbiu de ter. É tentar escapar do juízo de Deus, o que só acarretará mais juízo.
E a analogia da fé só tem a confirmar tal postulado. Efésios 4:28 (NVI):
“O que furtava não furte mais; antes trabalhe, fazendo algo de útil com as mãos, para que tenha o que repartir com quem estiver em necessidade”. Alguém pode objetar que o texto refere-se apenas à antítese entre conseguir por trabalho ou por furto. Mas não é só isso que o texto ensina. Ele diz que os recursos que a pessoa terá será oriundo do seu esforço (não necessariamente um serviço braçal). É assim que a Bíblia legitima o ganho.
1 Tessalonicenses 4:11-12 ensina a mesma coisa:
“Esforcem-se para ter uma vida tranqüila, cuidar dos seus próprios negócios e trabalhar com as próprias mãos, como nós os instruímos; a fim de que andem decentemente aos olhos dos que são de fora e não dependam de ninguém.”
Claramente, juntando todos estes textos, percebemos uma ética bíblica em que os recursos devem ser obtidos pelo esforço, pelo trabalho. Em momento algum se recomenda angariar algo por outra forma além do labor.
Cumprindo esse itinerário divino, temos a promessa de que seremos sustentados. Obviamente, Deus não promete sustentar o negligente, o ocioso.  Em 1 Timóteo 6:17, Paulo diz que Deus ‘tudo nos proporciona ricamente para nosso aprazimento’ (RA), e em Filipenses 4:19 o mesmo autor diz “E o meu Deus, segundo a sua riqueza em glória, há de suprir, em Cristo Jesus, cada uma de vossas necessidades”.
Assim, temos o modo de obter sustento e recursos, e temos a promessa de que Deus nos sustentará. Onde é que jogos podem entrar aqui. Ao que me parece, jogar seria não confiar e/ou não estar satisfeito com a providência divina.
Objeção: Alguém poderia dizer: mas, com essa mentalidade de que tudo que temos deve ser adquirido pelo suor de nosso trabalho, então não podemos receber presente. Mas essa é uma má aplicação da regra que acabamos de estipular (percebendo-a na Palavra). Receber um presente, primeiro, não é apostar dinheiro (o que já elimina boa parte do pecado); e, mais em conexão com esse tópico, o presente foi obtido com o suor do trabalho de alguém (naturalmente, se soubermos que provém de fontes ilícitas, não podemos aceitar).
A regra que descobrimos é que os bens devem ser obtidos pelo esforço. Um presente deve ser oriundo da mesma fonte. Ganhar ‘uma bolada’ num jogo de azar não é receber um presente, um ato voluntário em que alguém oferece um recurso que conseguiu mediante esforço. Portanto, é uma falsa analogia.

3)      Argumento da Confiança na Sorte
Um dos grandes problemas que os Reformadores apontaram em relação aos jogos é que, quando neles, o cristão tinha a tendência em acreditar em algo chamado ‘sorte’. Primeiramente, sorte não existe. Isso está bem claro no texto de Provérbios 16:33: “A sorte se lança no regaço, mas do Senhor procede toda decisão”.
Acreditar em ‘sorte’ é negar princípios bíblicos inegociáveis das doutrinas da providência e da soberania de Deus.
Objeção: Uma objeção comum é a de que jogaremos confiando na providência de Deus. Mas isso seria tentá-lo. É fazer algo que ele não ordenou (alguns diriam: ‘proibiu’, mas, por hora, preferimos ser mais cautelosos) e esperar que ele o abençoe. Uma situação hipotética semelhante seria alguém encher a cara, depois dirigir em alta velocidade para chegar rápido em casa, e esperar que Deus o abençoe com uma apressada caminhada segura. Pra começar, Deus não mandou ficar bêbado. Pra começar, Deus não mandou beber. Não se pode ‘esperar em sua providência em ocasiões assim’.

4)      Argumento da Motivação.
Alguns autores bem observam que os jogos alimentam a ganância (ou, se alimentam dela). Nada que estimule o amor e o apego ao dinheiro é aconselhado na Bíblia. Pelo contrário, ela nos ensina não superestimar o dinheiro. Veja o texto de 1 Timóteo 6:10:
“Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores”. Olha que perigo! E, cá entre nós, é meio difícil (para não dizer impossível) alguém se envolver com esses jogos e não ter sua ganância estimulada.
Objeções: Caso alguém diga que não joga por ganância, então perguntaríamos: ‘por que joga, então?’ Se não está tão afim de ganhar dinheiro assim, abandone logo esse jogo!
Se alguém disser que joga para conseguir recursos para fins caridosos, só está usando uma ética jesuíta completamente anti-bíblica, de que os fins justificam os meios. Apontar para um fim bom não valida um meio mal. Para convencer quem contende, basta fazê-lo perceber que se envolver com o tráfico para angariar recursos em prol de atividades filantrópicas é completamente condenável. Se jogos de azar são errados, a situação fica sendo a mesma.
5)      Argumento da Mordomia Cristã
R. C. Sproul, no livro ‘Boa Pergunta’, usa o argumento da mordomia. Jogos são um péssimo emprego dos nossos recursos. As chances de ganho são extremamente mínimas. A grande maioria dos jogadores nunca vão ganhar, e, num montante, terão desperdiçado muito dinheiro. Ainda mais em jogos onde pode-se perder muita coisa.
Objeção: Alguém poderia levantar a questão de que o investimento na bolsa de valores dá na mesma. Na verdade, isso me parece aquela clássica falácia de tentar desmentir um erro com outro. Porém, nem isso esta objeção consegue ser. Pois, o investimento na bolsa não é uma aposta na sorte. É algo em que existe uma parte dependente da competência analítica do investidor. Mas, ainda que esse argumento não seja suficiente, no máximo, teríamos de admitir que investir na bolsa também é errado, e não que tanto ela quanto jogos de azar são certos.

CONCLUSÃO
Muitos textos são usados equivocadamente para acusar este pecado. Isso mesmo, pecado. Concatenando os argumentos, podemos chegar à conclusão de jogos de azar são pecaminosos. Eles envolvem vício; tentam burlar a forma prescrita por Deus de obter recursos; estimulam a confiança na sorte; fomentam a ganância; e são uma péssima mordomia do tempo e recursos.  Esses cinco argumentos, concomitantemente mencionados, inescapavelmente, ao que nos parece, encerra o jogador de jogos de azar em uma situação de pecado.

Outros argumentos menos convincentes ainda poderiam ser citados (como o fato de que os jogos estão, muitas vezes, ligados a financiamento de crimes, ou associados a eles de alguma forma – como a prostituição em cassinos). Entretanto, mencionamos os que mais nos convenceram. E esperamos que os cristãos que lerem não se envolvam mais com isso!