segunda-feira, 28 de abril de 2014

Os Sofistas


INTRODUÇÃO

[veja o contexto histórico dos sofistas aqui]

A filosofia da natureza, a busca do arché, a procura da unidade na diversidade, o interesse em compreender os fenômenos, enfim, todo o projeto filosófico dos pré-socráticos, ‘de repente’, em determinada localização, some. O século do ouro, o século de Péricles, presencia um novo momento da filosofia. Outros interesses filosóficos surgem. Mas, afinal, como é que eles surgem? E, foi tão ‘de repente’ assim?
Podemos perceber, nos filósofos que lemos, três causas, três motivos que teriam levado Atenas a assistir uma mudança de paradigma na pesquisa filosófica. Vamos olhar para cada uma delas e já dissertar sobre como o discurso de sabedoria passou a ser desenhado.
Além dessas causas, fator determinante para o novo quadro teórico do século V a. C. era o auge democrático ateniense, bem como as temáticas desenvolvidas no teatro grego, como observamos no artigo anterior. Portanto, o conhecimento de si mesmo, bem como a incômoda questão do destino, influenciaram os pensadores a pensarem em questões novas, ou pelo menos de dar foco a elas, nessa nova etapa filosófica da humanidade. Vamos dar uma olhada em tudo isso.

O INTERCÂMBIO CULTURAL

Primeiramente, pela terceira vez, vamos citar a sugestão de Durant. Esse historiador e filósofo acredita, junto a Osborne, como notamos no primeiro artigo (nota 1), que a filosofia surge do ceticismo oriundo do intercâmbio cultural que levaria os seres pensantes a questionarem sobre a veracidade do que familiarmente lhe foi conferido. Assim, como vimos no artigo anterior, quando termina as Guerras Médicas, Atenas se envolve avidamente no comércio marítimo o que gera novos contatos com outras formas de pensar. Isso pode ter contribuído muito para o novo itinerário filosófico que veremos a seguir.

O IMPASSE EPISTEMOLÓGICO

Sproul observa algo que ficará muito claro em nossos estudos sobre Platão, Aristóteles e demais filósofos: “Dois gigantes da filosofia da era pré-socrática foram Heráclito e Parmênides. Algumas pessoas dizem que toda a filosofia nada mais é que notas de rodapé ao pensamento de Platão e Aristóteles; também poderíamos dizer que Platão e Aristóteles foram apenas notas de rodapé ao pensamento de Heráclito e Parmênides” (SPROUL, p. 21).
Entretanto, em certo sentido, podemos dizer que Parmênides e Heráclito, ainda baseado na premissa de que o ceticismo é a mãe de novas perspectivas filosóficas, contribuíram para o projeto filosófico que abordaremos nesse artigo.
Sobre qual ceticismo estamos falando? Certamente a disputa entre o eleata e o efésio deve ter causado um nó em muitas cabeças. Afinal, em quem deveríamos acreditar? Na razão ou nos sentidos? Qual está enganado? Porque, pois, os temos?
Talvez os problemas que notamos na exposição de Heráclito e Parmênides tenham sido notados pelos pensadores daqueles tempos. Não sabemos. O fato é que Parmênides e Heráclito geraram muita confusão. Confusão não resolvida, seja por preguiça ou incompetência, outorga à filosofia o ceticismo.
Não podemos nos esquecer da própria filosofia da natureza. Não havia consenso entre esses filósofos. Ninguém finalmente falava se a realidade final era uma ou múltipla; se o arché era corpóreo ou incorpóreo. As especulações pareciam boas. O problema é que talvez fossem igualmente boas. Ou igualmente ruins, alguém poderia sugerir. O fato é que os filósofos da natureza também geraram muita confusão. Como asseveramos acima, confusão é a mãe do ceticismo.

O QUADRO POLÍTICO

Por fim, a própria situação política da época moveu a filosofia para novos rumos. Aqui, já antecipando o que viemos omitindo até então, (a saber, as características do novo paradigma filosófico, bem como quem são seus novos protagonistas), nos trouxe um insight: “A estagnação da indústria grega sob o íncubo da escravidão impediu o pleno desenvolvimento daqueles magníficos princípios e a rápida complicação da vida política em Atenas desviou tanto os sofistas como Sócrates e Platão da pesquisa física e biológica para os caminhos da teoria ética e política” (DURANT, p. 67). Parece-nos que Durant está falando do que acontecia em Atenas no início do século VI a. C. Sólon, um dos legisladores de Atenas, que havia proibido a escravidão hipotecária, o que causou, certamente, uma revolução social. A sociedade censitária grega demandava a escravidão. Precisavam expandir-se, para conquistar e granjear mais escravos. Portanto o espírito novo de criar leis escritas, somado ao problema social dos escravos, teria feito a reflexão rumar para questões ético-políticas.
Não podemos nos esquecer que o século V a. C., testemunhou momentos decisivos e revolucionários no quadro político internacional. Temos duas super guerras (Guerras Médicas, 490-470 a. C.; Guerra do Peloponeso, 431-404 a. C.) e alianças políticas (Confederação – ou Liga – de Delos; Confederação do Peloponeso) para completar o quadro. Era, de fato, um momento único, que demandava, exigia reflexões políticas, forenses, sociais.

Maria Lacerda de Moura, pois, os desenha de modo muito nítido: “Os sofistas aproveitaram-se do descrédito das especulações filosóficas, do ceticismo, em uma época em que a realidade exigia a aplicação prática dos conhecimentos, quando se constituíam os governos democráticos e todos nutriam o desejo de se instruir para se tornar dignos de ocupar os cargos mais altos da democracia” (PLATÃO, p. 61).

QUEM ERAM ESSES TAIS SOFISTAS?

Dessa nova agenda filosófica foram protagonistas os chamados sofistas e Sócrates. Sócrates, no apêndice, feito por Maria Lacerda de Moura, da Apologia de Sócrates, célebre livreto de Platão, é considerado o maior dos sofistas. Se considerarmos que ele reflete sobre os mesmos paradigmas, não poderíamos deixar de concordar. Mas tal alcunha certamente poderia ofender seus seguidores, principalmente pela conotação pejorativa que o termo ‘sofista’ ganhou. Veremos o porquê disso adiante. Antes, temos que conhecer um pouco mais sobre os sofistas. 

Bom, primeiramente os sofistas eram homens de grande envergadura intelectual. Maria Lacerda de Moura, no apêndice da obra de Platão, supracitada, diz que, embora Platão e Xenofonte tenham envidado esforços para destacar Sócrates dos sofistas, tinham de reconhecer as competências intelectuais deles (PLATÃO, p. 61). Will Durant lhes tece, nesse sentido, os maiores elogios: “Eram, todos, homens inteligentes (Górgias e Hípias, por exemplo), e muitos deles eram profundos (Protágoras, Pródico); praticamente não existe problema ou solução em nossa atual filosofia da mente e da conduta que eles não percebessem e não discutissem. Faziam perguntas sobre tudo; ficavam à vontade, sem medo, na presença de tabus religiosos ou políticos; e ousadamente intimavam todos os credos e instituições a comparecerem perante o julgamento da razão” (DURANT, p. 26). Ou seja, para Durant, ética, política e filosofia da mente tem todo seu escopo abordado nesses filósofos antigos! Caracterizavam-se pelo livre pensamento, e assim são descritos, embora não estivessem sem pressupostos (o que seria impossível).
Quanto aos seus nomes, compilando as informações de todos os livros que dispomos, temos: Górgias (483? – 376); Hípias (século V a. C.); Protágoras (485? – 410? a. C.); Pródico; Antífon. Pelo menos esses são os principais. ... considera Zenão, discípulo de Parmênides, um sofista também (PLATÃO, p.59).
Atenas foi o grande palco dos sofistas. Observem os dizeres de Chalita: “Esses filósofos eram originários de diferentes cidades e viajavam pelas póleis governadas da mesma forma democrática, especialmente Atenas, onde discursavam em público e ensinavam sua arte em troca de pagamento” (CHALITA, p. 45). Ou seja, é justamente a sociedade democrática que lhes interessavam. Por que será?
Mas a citação de Chalita nos dá insight para outra observação. Eram viajantes. Viajantes e professores remunerados. A situação política democrática de Atenas fazia-a um atrativo vigoroso aos sofistas. Já observamos que democracia ateniense possibilitava aos cidadãos participarem ativamente na administração do Estado. Para isso, era preciso, nas assembleias, argumentar de modo que todos fossem convencidos. Assim, Gaarder nota que “Entre os atenienses era particularmente importante dominar a arte de bem falar, a retórica. Não demorou para que um grupo de mestres e filósofos itinerantes, vindo das colônias gregas, se concentrasse em Atenas. Eles se autodenominavam sofistas, eram pessoas estudadas, versadas em determinado assunto, e ganhavam a vida em Atenas ensinando os cidadãos” (GAARDER, p.77). Em suma, podemos vê-los como professores profissionais de filosofia.

UMA QUESTÃO EPISTEMOLÓGICA

“Protágoras, provavelmente o sofista mais influente em Atenas, é quase sempre chamado ‘pai do humanismo’ pelos historiadores modernos. Sua famosa máxima, ‘homo mensura’, declara que ‘o homem é a medida de todas as coisas’ [...]. Para Protágoras, o conhecimento começa e termina com o ser humano. Todo conhecimento humano restringe-se às nossas percepções, e as percepções diferem de pessoa para pessoa. [...] Percepção é realidade. Dessa forma, algo pode ser verdadeiro para uma pessoa e falso para outra. Isso é correto, com certeza, com respeito a preferências [...]. Protágoras, porém, vai além do aspecto subjetivo da preferência, passando a reduzir toda a realidade a uma questão de preferência” (SPROUL, p. 31). Portanto, em Protágoras, temos o antônimo da proposta epistemológica agostiniana e, no fundo, a essência de toda proposta não-bíblica. Enquanto Agostinho (e acreditamos que a própria Bíblia) propõe que o fundamento da epistemologia, a pedra angular de todo o entendimento, a condição sine qua non para o conhecimento, em suma: a panaceia epistemológica, é a teorização teo-referente, Protágoras deixa claro que o homem é a medida de todas as coisas.
Entretanto, não se trata aqui na mera pressuposição de que as percepções sensoriais humanas são perfeitamente competentes para reproduzir o mundo, ou que a nossa razão encerra tudo que pode existir ou não. Protágoras está argumentando mais ao sabor pós-modernista*. É quase um construtivista ontológico (quando formos expor o pós-modernismo trabalharemos essa questão). E Protágoras não está só. Górgias, segundo Sproul, está com ele: “Górgias é conhecido por introduzir o ceticismo radical. Ele deu as costas à filosofia e dedicou-se à retórica. Essa disciplina enfocava a arte da persuasão no discurso público. O objetivo da retórica não era proclamar a verdade, mas atingir objetivos por meio da persuasão. Górgias negou que houvesse qualquer verdade. [...] Suas ideias não são muito diferentes das dos relativistas de hoje...” (SPROUL, p.30).
Na verdade, em certo sentido, não deixam de ser racionalistas. São seus raciocínios que, sem um pressuposto adequado e devidamente justificado, os faz concluir que não há verdade alguma. Portanto, no final das contas, estão confiando na razão para dizer que ela não é confiável. Entretanto, o fazem como o cético no empirismo que nota haverem enganos nas percepções e disso questionam-se em qual momento não há engano. Os sofistas parecem perceber que os diversos raciocínios levam a conclusões controvertidas e não sabem como decidir-se entre as muitas alternativas. Parece que a inabilidade teórica, a falta de poder para resolver controvérsias e disputas filosóficas, desemboca no ceticismo*.
Já que não existe essa tal de verdade, ou melhor, já que tudo é relativo, então a filosofia deveria se ocupar mais com o discurso, com a retórica, com a verossimilhança das proposições. Para isso, todo tipo de desonestidades intelectuais são engendradas. O importante era convencer. E os sofistas tornaram-se bons nisso. Chalita nos informa “Os sofistas usavam, de fato, complicados jogos de palavras, trocadilhos, raciocínios sem lógica, todos os recursos do discurso para demonstrar a ‘verdade’ daquilo que se pretendia alcançar” (CHALITA, p. 46) e Moura complementa de modo brilhante: “E tornando-se os mestres dessa falsa cultura variada, brilhante, palavrosa, eloquente, fácil, eficaz, retórica, cultura que pretende vencer pelo número de palavras e pela elegância do gesto, como pelo timbre de voz” (PLATÃO, p. 61).
Assim, ser ‘sofista’ ganha uma conotação de que se quer ganhar na lábia, no engano, sem se importar com a veracidade do tema. Mais tarde Aristóteles iria cunhar de ‘sofisma’ uma premissa falsa num raciocínio silógico*.

O PROJETO FILOSÓFICO

Os sofistas não restringiram-se a descontruir projetos filosóficos. Não eram como os céticos que viriam num futuro relativamente breve. Eles desenvolveram uma nova forma de fazer filosofia, novos temas para dissertar. Mas antes, para isso, colocaram de lado o antigo projeto, como observa, respectivamente, Chalita e Durant: “Os sofistas, entretanto, não foram somente professores, mas também estabeleceram uma corrente de pensamento própria. Sua preocupação filosófica se voltava para o homem e a vida em sociedade; as questões que ocupavam os pré-socráticos, dirigidas para a natureza e a essência do universo, foram colocadas em segundo plano” (CHALITA, p. 46); “Mas os mais característicos e férteis desenvolvimentos da filosofia grega tomaram forma com os sofistas, professores ambulantes de sabedoria, que olhavam para seu próprio pensamento e sua própria natureza, em vez de para o mundo das coisas” (DURANT, p. 26)*.
Ou seja, como as citações antecipam, deixaram de pensar nas questões metafísicas dos seus antecessores. Como já observamos, um dos motivos era a confusão que a filosofia se enredou com toda aquela discussão. Entretanto, a reflexão ética e social, principalmente com tudo que estava acontecendo, era inevitável. Gaarder é extremamente perspícuo ao relatar essa transição filosófica: “Ao mesmo tempo, porém, os sofistas simplesmente rejeitavam tudo o que consideravam especulação filosófica desnecessária. Para eles, ainda que houvesse respostas para muitas questões filosóficas, ninguém jamais seria capaz de encontrar respostas realmente seguras e definitivas para os mistérios da natureza e do universo. [...] Mas ainda que não possamos encontrar uma resposta para todos os mistérios da natureza, sabemos que somos pessoas e que precisamos aprender a conviver umas com as outras. Os sofistas resolveram, então, dedicar-se à questão do homem e de seu lugar na sociedade” (GAARDER, p. 77-78).
Notaremos, adiante, que eles não eram absolutamente relativistas como pretende-se supor (e suspeitamos que ninguém pode ser). Como aperitivo, observemos que eles criam em questões muito pontuadas sobre a conduta e principalmente na veracidade de seu ceticismo.

E QUANTO AOS MITOS E A RELIGIÃO?

“Os sofistas tinham um importante elemento comum com os filósofos naturais: eles também viam com olhos muito críticos a mitologia tradicional” (GAARDER, p. 77). A rejeição peremptória da teologia e da religião (bem como da metafísica) encontra-se em Protágoras: “Quanto aos deuses, não tenho condições de saber se eles existem ou não, nem que forma têm; os fatores que impedem o conhecimento são muitos: a obscuridade do tema e a brevidade da vida humana” (PROTÁGORAS apud SPROUL, p. 32).
No apêndice à Apologia de Sócrates encontramos a informação de que Protágoras, que neva os deuses, foi condenado, seus livros foram queimados publicamente, e morreu em fuga (PLATÃO, p. 59-60). Mas, enquanto Maria Lacerda de Moura o considera, aparentemente, um ateu, Gaarder prefere caracterizá-lo como um agnóstico, ou seja, “chamamos de agnóstico aquele que não é capaz de afirmar categoricamente se existe ou não um Deus” (GAARDER, p. 78).

A DISCUSSÃO METAÉTICA

Observamos anteriormente que os sofistas eram viajantes. E qual seria a consequência disso? Bom, no mínimo, o intercâmbio cultural que levava ao ceticismo, como observamos no começo desse artigo, e outras duas vezes mais. Gaarder deixa isso muito claro: “Via de regra, os sofistas eram homens que tinham feito longas viagens e, por isso mesmo, tinham conhecido diferentes sistemas de governo. Usos, costumes e leis das cidades-Estados podiam variar enormemente. Sob este pano de fundo, os sofistas iniciaram em Atenas uma discussão sobre o que seria natural e o que seria criado pela sociedade” (GAARDER, p. 78).
Osborne, pois, nota que os sofistas, no campo da ética, envidaram discussões metaéticas: “O debate sobre os costumes e a natureza (nomos contra physis) que se desenvolve na obra de Protágoras, de Antífon, o sofista, e em algumas personagens que retrata Platão, Cálicles e Trasímaco, era de ordem metaética: A moral não é tão somente uma convenção humana? Deve-se viver conforme a ela? Deve-se, ao contrário, seguir as leis da natureza?” (PRADEAU, p. 30).
Voltando a Gaarder, ele nos informa que, por exemplo, o pudor parecia a eles um produto sociocultural. Ao viajarem notaram que haviam povos que não se incomodavam em andar nus (GAARDER, p. 78). Quem conhece Nietzsche não pode deixar de notar as semelhanças (veremos isso com mais detalhes quando formos explicar Nietzsche). E Sproul de fato as amplia expondo a personagem Trasímaco, citada anteriormente por Osborne: “Trasímaco, que contrasta com Platão na República, foi um sofista que atacou a busca de justiça. Segundo Trasímaco, longe de ser uma pessoal imoral, o ímpio, ao constatar que o crime compensa, é uma pessoa superior com intelecto superior. Trasímaco antecipou, assim o Übermensch (‘super-homem’) de Friedrich Nietzsche. A justiça, diz Trasímaco, é um conceito para as pessoas de mente debilitada, às quais falta a determinação de se afirmar” (SPROUL, p. 30).
Notamos, particularmente em Protágoras, uma crítica à fé religiosa grega. E a consequência dessa ‘apostasia’ foi a perda, definitiva, de qualquer fundamento objetivo para a moralidade. Protágoras também, como vimos, argumentava em prol do relativismo em torno da percepção humana, e isso traria consequências que ele mesmo admite na ética, conforme expressa-se Sproul: “Protágoras argumenta que a ética é igualmente apenas questão de preferência. As regras morais expressam meros costumes ou convenções, que na verdade nunca são certos nem errados. A distinção entre defeito e virtude está nas preferências de dada sociedade” (SPROUL, p. 31).
Não se segue determinados padrões por medo dos castigos divinos, e sim para não se dar mal perante a lei e seus paladinos estatais, os soldados. Durant nota muito bem tal impasse: “Os sofistas haviam destruído a fé que aqueles moços outrora tiveram nos deuses e deusas do Olimpo e no código moral que extraíra sua sanção, de forma tão acentuada, do medo que os homens tinham daquelas onipresentes e inúmeras divindades; aparentemente, não havia razão para que, agora, o homem não fizesse o que quisesse, desde que permanecesse dentro da lei. Um individualismo desintegrado havia enfraquecido o caráter ateniense e deixado a cidade, finalmente, à mercê dos espartanos severamente educados” (DURANT, p. 29). Em suma, até mesmo os sofistas e demais gregos na época conheciam a máxima que Dostoievsky, séculos adiante, iria proferir: “Se Deus não existe, tudo é permitido” (DOSTOIEVSKY apud SPROUL, p. 128).

A SUBJETIVISAÇÃO MORAL

Mas se não existe, de fato, um certo e errado, o que regerá as ações humanas? Novamente Protágoras tinha a solução para os gregos. Como o homem é a medida de todas as coisas, são suas impressões e desejos que devem determinar o que se deve fazer. Chalita elucida: “...as regras morais, as posições políticas e os relacionamentos sociais deveriam ser guiados conforme e conveniência individual. Para esse fim, qualquer pessoa poderia se valer de um discurso convincente, mesmo que falso ou sem conteúdo” (CHALITA, p. 46). Tal individualismo moral cheira, e muito, a Sartre (faremos exposições de Sartre noutra oportunidade e isso poderá ser percebido).
Entretanto, esses discursos só poderiam ter valor perante a lei, para legitimar determinada ação de modo a não encerrar o agente moral num encarceramento. Afinal, para a consciência do indivíduo, tudo o que importava era a satisfação de seus instintos: “Segundo a sofística, o que importava para o ser humano era obter prazer com a satisfação de seus instintos, de seus desejos individuais. Assim, até mesmo dominar outros cidadãos seria justificado, se isso gerasse alguma vantagem pessoal” (CHALITA, p. 46). Chalita, pois, além de os caracterizar por relativistas morais, ainda os considera hedonistas.
Em suma, pois, cada um decide por si o que é certo e errado, ou melhor, o que lhe satisfaz. Mas em sociedade é preciso que as ações tenham justificativas públicas. Talvez para demonstrar que determinada ação não iria prejudicar a busca por prazer de outras pessoas. Até aqui é impossível não pensar em Bentham, Stuart Mill, Austin e outros filósofos morais bem mais recentes. Durant parecia não estar brincando quando disse que os pré-socráticos exploraram todos os campos e implicações da ética!
Entretanto, suspeitamos de nossa conclusão de que eles tenham levado a subjetivismo moral. O próprio Chalita, que parece ligar o subjetivismo moral à prática da retórica, diz que as atividades filosóficas dos sofistas vieram a “...impedir o estabelecimento de um conjunto de normas de comportamento que garantissem os mesmos direitos para todos os cidadãos da pólis” (CHALITA, p. 46). Ou seja, é como se eles (ou alguns deles) ameaçassem a própria vida em sociedade.

AS DISCUSSÕES POLÍTICAS

Will Durant nos informa sobre duas perspectivas sofistas em relação à política. “Uma, como a de Rousseau, asseverava que a natureza é boa, e a civilização, má; que segundo a natureza todos os homens são iguais, só se tornando desiguais pelas instituições criadas pelas classes; e que a lei é uma invenção de fortes para acorrentar e governar os fracos” (DURANT, p. 26).
A silhueta de Marx não surge, agora, no horizonte sem motivo algum. Pondé observa que Rousseau (e agora poderíamos dizer que parte dos sofistas, na verdade) é o pai da esquerda política e do politicamente correto*. Louvando a Durant por sua observação quanto às competências dos sofistas, notamos aqui a mais uma antecipação da filosofia antiga.
Sproul ainda nota outro traço marxista nos sofistas: “Antecipando Karl Marx, Trasímaco vê a lei como uma simples manifestação dos interesses das classes dominantes” (SPROUL, p. 31).
“Outra escola, como a de Nietzsche, alegavam que a natureza está acima do bem e do mal; que, segundo a natureza, todos os homens são desiguais; que a moralidade é uma invenção dos fracos para limitar e deter os fortes; que o poder é a virtude suprema e o desejo supremo do homem; e que, de todas as formas do governo, a mais sábia e mais natural é a aristocracia” (DURANT, p. 26-27).
Essa segunda perspectiva está mais alinhada à crítica metaética de Protágoras e companhia. E, mais uma vez, vemos os sofistas antecipando a discussão filosófico-moral que viria séculos mais tarde.
A democracia vigente, pois, era criticada. “Um pressuposto para a democracia era o fato de que as pessoas recebiam educação suficiente para poder participar dos processos democráticos” (GAARDER, p. 77). Pressupunha não só que as pessoas eram suficientemente educadas como eram igualmente competentes. Mas a democracia recebia duras críticas, como expressa-se Durant: “E quanto ao Estado, o que poderia ser mais ridículo do que a sua democracia chefiada pela populaça, dominada pela paixão, aquele governo por uma sociedade que estabelecia debates, aquela precipitada seleção, demissão e execução de generais, aquela escolha sem seleção, de simples agricultores e comerciantes, em rotação alfabética, para membros da suprema corte do país?” (DURANT, p. 29). Ou seja, a massa, burra, não era capaz de ouvir à razão. Antes eram facilmente convencidas por discursos demagógicos, o que seria criticado, doravante, por Sócrates perante a Assembléia que iria condená-lo (cf. o Capítulo XXI da Apologia de Sócrates escrita por Platão)*.

Bentham, Rousseau, Marx, Stuart Mill, Nietzsche e Sartre, pelo menos, foram antecipados, pelos sofistas, em muitos pontos no que diz respeito à ética, política e até epistemologia. Temos que concordar com Durant.


OS SOFISTAS E A ACEITAÇÃO PÚBLICA DE SUAS IDEIAS

Os sofistas, como foi visto, eram estimados pelos políticos, e todo cidadão responsável, que não fosse idiota, almejava participar das decisões administrativas do Estado. Assim, no final das contas, os sofistas angariavam prestígio de todos os cidadãos, uns mais e outros menos. Mas os jovens é que lhes devotavam a maior admiração. Os velhos, acostumados a seguirem seus tabus morais e costumes religiosos, podiam oferecer maior resistência às propostas inovadoras dos sofistas. Mas os jovens não. Osborne, terminando seu artigo sobre o nascimento da filosofia, elabora um precioso parágrafo do qual citamos parte: “Parece que na segunda metade do século V, a Filosofia estava bem nascida e que ela exercia então uma influência considerável sobre a vida intelectual, cultural e política das cidades gregas, em particular em Atenas. É fácil compreender como, em tal contexto, os sofistas podiam ganhar sua vida ensinando filosofia aos jovens ávidos de ideias inovadoras, mas também como o povo ateniense podia se inquietar com a maneira pela qual esse livre pensar era suscetível de corromper os costumes e as condutas dos jovens” (PRADEAU, p.30-31).
Com toda a turbulência ética e até político-forense que o novo projeto filosófico trazia à baila, era mais que natural que conflitos físicos, além dos embates e disputas intelectuais, começassem a surgir. Vítimas preciosas surgiriam. Dentre elas, a mais preciosa de todas, sem dúvida, foi Sócrates.
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* O grande filósofo reformado Ronald Nash expõe a epistemologia de Protágoras da seguinte maneira: “Da maneira como Platão expôs a posição de Protágoras em seu Teeteto, Protágoras assume que a experiência sensorial é idêntica ao conhecimento. A razão pela qual todas as coisas seriam relativas é a de que o conhecimento seria idêntica à maneira pela qual percebemos o mundo mediante nossos sentidos. Duas pessoas poderão estar atentas à mesma brisa. Uma delas, sofrendo de uma febre, poderá experimentar o vento como se estivesse frio e sentir um arrepio. A outra pessoa poderá achar que a brisa esteja prazerosa. Ambas estariam certas, segundo o ponto de vista de Protágoras. Não haveria princípio mais elevado a que apelar. Dada pessoa seria a medida ou juízo último de todas as coisas” (NASH, p. 251). Mas, conforme os outros autores fizeram suas exposição, não se trata apenas disso. Aqui Protágoras, segundo Nash, estaria observando apenas questões sensoriais, e, além disso, falhas comunicativas. Seria perfeitamente possível entendermos que aquela pessoa, com febre, tem o corpo quente e, por isso, sente um vento à temperatura x de maneira diferente do que outra que não está com o corpo em temperatura elevada. É muito óbvio. Será que Protágoras cometeu um erro tão infantil assim? Prefiro pensar nele como um relativista verdadeiro, um pós-modernista.
* A crítica a essas perspectivas serão desenvolvidas pelos filósofos posteriores.
* Caso não tenha compreendido essas expressões, não se desespere. Quando formos estudar Aristóteles isso, e muito mais, será explicado.
* Will Durant realmente deve considerar os sofistas o auge da filosofia visto que não é muito afeiçoado à epistemologia (cf. DURANT, p. 10) e, predominantemente, focar-se, no âmbito filosófico, aos problemas ético-sociais em sua História da Filosofia.
* Pondé, sobre Rousseau, diz ser ele “o pai da esquerda e de todo o otimismo filosófico-político posterior a ele e, por decorrência, do politicamente correto” (PONDÉ, p. 137).
* Pretendemos, adiante, escrever um artigo com nossa posição a respeito desse embate político.


REFERÊNCIAS

CHALITA, Gabriel. Vivendo  Filosofia. São Paulo: Atual, 2002, p. 304.

DURANT, Will. A História da Filosofia. Tradução de Luiz Carlos do Nascimento Silva. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record. 4ª ed., 2001, 406p.

GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da filosofia. Tradução de João Azenha Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 560 p.

NASH, Ronald H. Questões Últimas da vida: uma introdução à filosofia. Tradução de Wadislau Martins Gomes. São Paulo: Cultura Cristã, 2008. 448 p.

OSBORNE, Catherine. O nascimento da filosofia _ PRADEAU, François. História da Filosofia. Tradução de James Bastos Arêas e Noéli Correia de Melo Sobrinho. Petrópolis: Vozes; Rio de Janeiro: PUC-Rio. 2ª ed., 2012, 624p.

PLATÃO. Apologia de Sócrates. Tradução e Apêndice de Maria Lacerda de Moura; Introdução de Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011, 88p.

PONDÉ, Luiz Felipe. Guia Politicamente Incorreto da Filosofia: ensaio de ironia. São Paulo: Leya, 2012, 232 p.


SPROUL, R. C. Filosofia para iniciantes. Tradução de Hans Udo Fuchs. São Paulo: Vida Nova, 2002, 208 p.

domingo, 27 de abril de 2014

ATENAS: o berço de uma nova filosofia


Antes de falarmos em sofistas, Sócrates, Platão e Aristóteles temos que falar de Atenas e a história da Grécia*. Essa era a cidade-estado modelo das polis gregas. Ela está no norte da Grécia, na península da Ática, recortada, com possibilidades sugestivas de envolver-se com empreitadas marítimas, o que aconteceu. Atenas desenvolve uma importante atividade comercial via marítima.
A sociedade em Atenas ainda é censitária, ou seja, dividida por condições financeiras. Mas sua estrutura é um pouco mais complicada que a de Esparta. No topo temos os eupátridas, ou seja, os latifundiários, grandes proprietários de terras, donos das melhores terras, nas planícies de Atenas. Em seguida temos os ‘demiurgos’, os comerciantes que não possuíam terras. Depois dos eupátridas e demiurgos temos os Georgóis, que eram pequenos proprietários de terras. Em seguida tínhamos os ‘Thetas’, os sem terras e, por fim, os escravos, oriundos de dívidas ou prisioneiros de guerra.
Os Eupátridas estavam nas planícies de Atenas, as melhores terras. Os Demiurgos estavam nos litorais, trabalhando no comércio. Os Georgóis e Thetas viviam nas montanhas, em regiões menos produtivas e com terras mais baratas.
Essa divisão social-cartográfica também foi refletida no pensamento político. Os Eupátridas, que viviam nas planícies, prezavam por conservar as coisas como estavam, afinal, estavam no poder: portanto, conservadores. Os demiurgos, habitantes do litoral ateniense, são moderados. Eles têm dinheiro, fazem parte deu uma elite ‘burguesa’. Apreciam certas mudanças. Já os Georgóis e os Thetas, residentes nas montanhas, evidentemente os menos favorecidos, pleiteavam mudanças radicais em prol de sua melhora de vida.
Evidentemente os escravos não tinham qualquer direito, não faziam qualquer diferença no cenário político ateniense.
Esses três partidos políticos geram discussões e essas aumentam na medida que a população crescia. Atenas passa por uma transição política, começando como uma monarquia, passando a ser uma oligarquia e, por fim, tornando-se uma democracia. No século VII a. C., na transição entre oligarquia e democracia é que esses partidos começam a debater uma reforma legislativa em Atenas.
É importante destacar que a democracia ateniense não surge por meio de uma revolução, mas por uma reforma gradual que levou, paulatinamente, os cidadãos ao processo político. Segundo Chalita, as cidades-Estados baseada na cidadania foram inspiradas “em cidades de regime monárquico da ilha de Chipre e de estados da Fenícia” (CHALITA, p. 16).
Para resumir essa reforma política temos que observa a série de legisladores que haviam. O primeiro legislador de Atenas foi Drácon, no final do século VII a.C., autor do primeiro código de leis escritas, as leis draconianas. Até então as leis atenienses eram faladas, transmitidas oralmente, o que dava a elas um caráter muito volúvel. Como a cidade ia crescendo, a demanda por leis escritas, para dar objetividade ao direito, fez-se necessária e Drácon cumpre esse papel. Era um registro das leis faladas, leis conservadoras, e que foram impostas. Não houve um debate legislativo. Isso não mudou o quadro político e forense de Atenas, mas foi um avanço pelo fato de as leis estarem registradas.
Em 594, início do século VI a.C., temos Sólon, um legislador reformista. Ele altera algumas características importantes em Atenas. Mexeu na estrutura da escravidão por dívidas. Normalmente o Georgol (pequeno proprietário de terras) pegava dinheiro emprestado dos mais ricos. Quando não conseguia pagar, hipotecava suas terras tornando-se um Theta. Como Theta, e ainda endividado, sem ter como pagar suas dívidas, tornava-se um escravo. Sólon proíbe essa escravidão hipotecária.
Como a demanda de escravos continuava, Atenas viu-se obrigada a expandir-se para conquistar prisioneiros e torna-los escravos.
Os Georgóis ficaram contentes com tal inovação política, mas o Eupátridas não e levantam uma revolta em Atenas, desembocando na Tirania ou Ditadura, de 560 a 530 a.C. Os governantes, nesse período, chegavam ao poder por golpes militares, ao invés de eleição. Temos Psístrato, Hípias, Hiparco e, finalmente, o grande tirano Clístenes que, em 512 a. C. começa uma reforma em Atenas que se conclui em 510 a.C.
Essa reforma criada por Clístenes foi a criação de uma nova lei, conhecida como ‘Lei Democrática’. Na nova lei a Polis foi dividida em Demos, ou seja, grupos de pessoas, que teriam participação igualitária na política. Cada Demos elegeria seus representantes que participariam de uma assembleia chamada Eclesia*.
As Demos governam as cidades numa estrutura de ISONOMIA, i. é., igualdade (‘iso’ significa igual, como acontece no triângulo isósceles; nomia, de nomos, é lei; portanto, lei igual para todos). Ou seja, independente da origem e das condições econômicas, todo cidadão seria igual perante a lei. Isso não quer dizer que todos são cidadãos. Crianças, mulheres, estrangeiros (metecos) e escravos não eram considerados cidadãos. Segundo Gabriel Chalita, era “considerado cidadão o homem que possuísse alguma propriedade (uma casa, pelo menos), que tivesse escravos, e que não fosse estrangeiro” (CHALITA, p. 44). Portanto, de 70 a 80 por cento da população ateniense não participava da política*. Entretanto, por sua vez, havia uma participação direta na política por parte dos cidadãos, sem representatividade. Como haviam poucos cidadãos, eles mesmos é quem elaboravam e votavam nas leis*. “As propostas que os cidadãos atenienses defendiam publicamente eram feitas por meio de discursos proferidos na ágora” (CHALITA, p. 45). A ágora era uma espécie de praça pública, centro da vida política e comercial dos cidadãos gregos, onde, além da discussão política, também se praticava o comércio e celebrações religiosas.
No espírito participativo ateniense vemos o espírito do debate, do consenso e da retórica imperando. Era preciso desenvolver bons argumentos, modos de persuasão, para que as ideias fossem assimiladas e aprovadas de modo a gerar o consenso. Antes do consenso a democracia ateniense demandava um debate sobre qualquer assunto ou proposta que apelava por aprovação.
Não sem motivos que a arte mais apreciada na Grécia antiga era justamente o teatro, onde se praticava a arte retórica. Chalita faz uma importante associação entre o teatro, particularmente a tragédia, e a mentalidade filosófica democrática. Primeiro, afirma que a democracia estava imersa na ideia de que “o homem tem soberania sobre seu destino” (CHALITA, p. 44). E logo afirma que “esse gênero dramático [as tragédias] tematizava acontecimentos terríveis, muitas vezes míticos, e tinha a intenção de mostrar as consequências de atos imorais e passionais dos homens. A tragédia também era uma reflexão sobre o conflito entre a liberdade individual e o destino, tema que incomodava os cidadãos da democracia: afinal de contas, até que ponto eles teriam poder sobre suas vidas?*” (CHALITA, p.45). Essa mentalidade está intimamente ligada com as atividades filosóficas do período, como veremos em artigo posterior.

É nesse contexto democrático ateniense que florescem os sofistas.

O PERÍODO CLÁSSICO DA GRÉCIA

Esse período vai do século VI ao século IV a. C. O professor Rodolfo começa explicando o que o termo ‘clássico’ quer dizer. Em história, tal termo refere-se ao que é modelo, arquétipo. Assim, quando nos referimos à civilização antiga na Grécia, se não mencionarmos outro período, estamos nos referindo ao modelo de civilização desenvolvida no período clássico. Muitos consideram esse momento o apogeu da Grécia, embora, para ser mais preciso, é o apogeu ateniense, o período de ouro da filosofia em Atenas. Assim, Rodolfo acha impertinente dizer que esse período é clássico, arquetípico da civilização grega, visto que houve muitos outros momentos importantes, apogeus, noutros momentos, fora de Atenas. Mas essa é a terminologia padrão.
O período clássico tem início e fim com guerra. Uma no início, que representa o apogeu desse modelo grego ateniense; e um no seu fim, que marca o declínio do império grego, com seus conflitos internos que tornaram vulnerável o reino.

GUERRAS MÉDICAS

Tudo começa com as Guerras Médicas, de cerca de 490 a 470 a. C. Nela temos o conflito (ou uma série de conflitos) da Grécia com o grande império Persa, que tinham uma tradição expansionista desde Ciro I, unificador dos Persas, ou seja, em sua formação.
Os Persas, unificados, vivendo em uma região pobre em recursos hídricos, começa uma expansão rumo ao Rio Tigres e Eufrates. Então Ciro conquista a Mesopotâmia. Em seguida o imperador Cambises conquista o Egito em 525 a. C. Por fim, Dario I parte para a conquista do Mar Egeu, o que inclui a Península Balcânica, e de todo o comércio ali desenvolvido, onde surge o conflito com a Grécia.
Aqui temos de acentuar as diferenças. A Grécia era composta por cidades-estados autônomos e, portanto, não tinha um poder centralizado que pudesse requerer todo o poder militar de toda a nação grega. Já os Persas eram um império organizado, com um exército enorme, centrados na figura do seu Imperador.
No começo do conflito os Persas, certos de seu sucesso, engendram uma estratégia equivocada. Resolvem começar a invasão pelo norte, onde está Atenas, e pela via marítima. Mas como Atenas já tinha uma tradição muito bem estabelecida no comércio marítimo, tiveram vantagem na luta nas águas e conseguiram resistir à invasão. Não eliminaram as forças persas, mas a península Ática, pelo menos, não foi invadida*.
O próximo imperador, Xerxes, resolve marchar com suas tropas mais para o sul, na Península do Peloponeso, onde estavam os Espartanos, que não tinham tradição marítima. Foi aqui que temos a ‘Batalha de Termópilas’, representada no filme 300. Bom, os persas vencem a batalha, apesar da resistência heroica dos espartanos e seus esparciatas, hoplitas guerreiros.
No povo do norte, tal notícia certamente trouxe pavor pois os espartanos, o padrão e o auge do poderio militar, foram derrotados. A frota de tri-remis construída por Temístocles concedeu à Atenas a hegemonia marítima no mediterrâneo oriental. Embora os persas tenham sido derrotados em Salamis, a ameaça de uma outra invasão era sempre corrente. Atenas e as demais cidades-estados do Egeu formaram a Liga de Delos (em 478 a. C, segundo o History Channel). Era um conclave, uma união militar, e não política, entre as cidades gregas, liderada por Atenas, para enfrentar os persas. As cidades livres do norte, portanto, financiavam a formação de um exército (portanto os soldados eram assalariados). A Confederação de Delos alcança êxito, e Atenas sai vitoriosa, derrotando os Persas*.

O SÉCULO DE PÉRICLES

Após a vitória, Atenas não liberta as cidades envolvidas na Confederação de Delos. Cerca de 450 a. C. Atenas era a líder incontestável da Liga de Delos. Ela toma algumas atitudes que podemos considerar, no mínimo, tirânicas. Pra começar, Atenas retira o tesouro que ficava localizado na cidade de Delos e o transfere para si. Depois os impostos de guerra, para financiar o exército, continuam a ser cobrados, mesmo que estivessem em tempos de paz. O exército de Delos passa a ser o exército de Atenas. Detendo todo esse poder, com um imperador chamado Péricles*, temos, de 460 a 430 a. C. o chamado ‘Imperialismo Ateniense’, chamado também de ‘Século de Ouro de Atenas’ ou ‘Século de Péricles’. Nesse período temos a Hegemonia Ateniense, dominando não só a Península Balcânica como todo o Mar Egeu.
Quanto mais expandia seu território, mais prisioneiros conseguia, e mais escravos possuía. A sociedade sofre algumas alterações com tal empreitada. Acontece que, quanto mais escravos haviam, mais tempo livre tinham os cidadãos atenienses, afinal, porque pagariam para um trabalhador se podiam contar com os escravos? Tal tempo livre proporciona aos cidadãos atenienses que se dedicassem com mais atenção à atividade política. Assim, a atividade política tornou-se a principal atividade do cidadão ateniense no período do Imperialismo Ateniense. Um paradoxo interessante é levantado pelo professor Rodolfo: quanto mais Atenas se expandia, conquistando territórios e tirando a liberdade de outros povos, mais liberdade e mais democracia dava a seus cidadãos.
Entretanto, o cidadão que não trabalhava tinha que angariar recursos. Não podia ficar envolvido na atividade política sem qualquer granjear de renda. Então Péricles cria a Mistoforia, ou seja, a remuneração do cidadão para sua atividade política. Assim, todo cidadão ateniense, todo homem livre, nascido em Atenas, maior de dezoito (18) anos, tem condições e exerce uma carreira política.
“Imperialismo e Democracia são duas faces de uma mesma moeda na Atenas do século V a. C.” é uma frase que resume bem o que se deu no ‘Século de Ouro’ de Atenas. Ou seja, o ‘Apogeu’ da Atenas democrática dependia de seu domínio sobre outras cidades.
É interessante notar que nesse período de crescente ócio é que temos o florescer da filosofia clássica de Sócrates e Platão, e Aristóteles no declínio desse período.

A GUERRA DO PELOPONESO

Esse progresso ateniense incomoda as cidades que não compactuam de seu imperialismo e Esparta foi uma dessas*. A cidade se recupera, após as guerras médicas, e também forma uma confederação em 434 a.C., chamada Confederação do Peloponeso. Era um grupo de cidades, uma aliança militar, liderada por Esparta, contrária ao imperialismo ateniense. O conflito entre a Confederação de Delos, liderada por Atenas, e a Confederação do Peloponeso, liderada por Esparta, seguiu-se naturalmente.
Surge a guerra do Peloponeso, de 431 a 404 a. C*. Não era apenas um conflito entre Atenas e Esparta, mas um conflito interno da Grécia entre a Confederação de Delos e a Confederação de Peloponeso. Como conflito interno, a Grécia é a maior prejudicada, ficando enfraquecida.
Em 431 Esparta ataca Atenas e a rodeia por 2 anos. Atenas resiste, mas sucumbe vítima de uma doença, provavelmente oriental, conhecida como ‘A Grande Praga Ateniense’. Péricles, com seus lá para os 60 anos, resistiu à peste, mas estava com a saúde debilitada, bem como a psique, pois, imaginava-se culpado pela queda iminente da cidade. Morre em 429 a. C.
Os Espartanos acabam vencendo o conflito mas a situação apenas foi invertida. Agora é a Confederação do Peloponeso, ou Esparta, que tenta dominar toda a Grécia*. Tebas fica revoltada, faz uma liga tebana e também ataca Esparta. E assim, uma série de conflitos internos na Grécia acaba enfraquecendo-a e tornando-a mais vulnerável à invasão. Não precisamos, para os objetivos que visamos alcançar com essa contextualização, dissertar sobre esses conflitos.
A invasão de fato acontece, começando com o rei Macedônico Felipe II, e termina com seu filho Alexandre, o Grande.
Tal quadro justifica a afirmação de que ‘a Grécia não morreu de um assassinato, mas de suicídio’, pois são os conflitos internos que a destruiu, tornando-a alvo fácil para Felipe II e, posteriormente, Alexandre, o Grande, que inicia o período helenístico.
Paremos por aqui. Já temos o contexto para dissertar sobre os sofistas, Sócrates e Platão.

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* Nossa exposição segue as informações obtidas nas aulas ‘Atenas Clássica’ e ‘Civilização Grega – Período Clássico’ do professor Rodolfo Neves, e no documentário ‘Construindo um Império: Grécia’, do History Channel. No mais, complementamos com as introduções à história da filosofia que temos em mãos.
* “...dos quatrocentos mil habitantes de Atenas 250 mil eram escravos, sem diretos políticos de qualquer espécie, e dos 150 mil homens livres ou cidadãos, só um pequeno número comparecia à Eclésia, ou assembleia geral, onde eram discutidas e determinadas as diretrizes do Estado. No entanto, a democracia que tinham era tão completa como nenhuma outra desde então. A assembleia geral era o poder supremo; e o mais alto órgão oficial, o Dicastério, ou suprema corte, consistia de mais de mil membros (a fim de tornar caro o suborno), selecionados maquinalmente, em ordem alfabética, da lista de todos os cidadãos” (DURANT, p. 27).
* Alguns poderiam replicar que isso, portanto, não seria uma democracia. Mas o professor Rodolfo adverte-nos que a Democracia Grega não significava um governo de todos, mas um governo do cidadão. Assim, não importa quantos cidadãos hajam, apenas que todo cidadão tenha o mesmo direito. Esse conceito de democracia é um pouco diferente do atual conceito, oriundo do final do século XVIII, um conceito iluminista, que chegou à Revolução Francesa e trabalha com a ‘Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão’, que, por sua vez, afirma que todo homem nasce livre e igual, o que não era afirmado na democracia ateniense.
* Evidentemente isso seria impossível numa democracia como a do Brasil, com proporções enormes de pessoas. Representantes se fazem necessários. Eles são eleitos e os votos dos cidadãos são como contratos que fazem com o político para representa-los.
* Gaarder nos fornece um contexto muito bom para essa discussão. Acontece que a crença no destino traçado era típica dos gregos. Particularmente um oráculo, aquele tipo de oficial religioso que podia ver o futuro, era consultado: o Oráculo de Delfos, devoto de Apolo. Apolo “falava através de sua sacerdotisa, Pítia, que ficava sentada num banquinho colocado sobre uma fenda na terra. Dessa fenda subiam vapores inebriantes, que colocavam Pítia numa espécie de transe. E isto era necessário para que ela se tornasse o meio pelo qual Apolo falava” (GAARDER, p. 66-67).
Mesmo que a mitologia tenha sofrido um baque enorme, a religião não fora extinta da Grécia. Muitos ainda criam e consultavam o Oráculo de Delfos. Ela tinha sacerdotes que intermediavam suas profecias e o povo. Ela geralmente falava de modo misterioso, enigmático, e os sacerdotes geralmente interpretavam suas palavras.
No templo havia uma inscrição célebre: ‘conhece-te a ti mesmo’, para que o homem reconhece-se como mortal e que não podia fugir de seu destino. As tragédias, pois, refletiam essa mentalidade oriunda de Delfos, com histórias em que as pessoas, mesmo tentando fugir de seus destinos, acabavam correndo para abraça-los. Tanto Gaarder quanto Chalita nos recomendam Édipo Rei, de Sófocles (497-406 a. C.).
Gaarder nos informa que a naturalização (ou, alguns contemporâneos poderiam sugerir ‘secularização’ como termo mais apropriado) proposta pelos pré-socráticos chegava, também, à negação do papel dos deuses não só na história dos indivíduos mas na história da humanidade. Os gregos “achavam que todo o desenrolar da história do mundo também era determinado pelo destino. Assim, os gregos acreditavam, por exemplo, que o desfecho de uma guerra deveria ser atribuído a uma intervenção divina” (GAARDER, p.67). Mas a mentalidade naturalista fez com que, aos poucos, formasse “uma ciência da história, cujo objetivo também era encontrar causas naturais para o curso da história universal. O fato de um Estado perder uma guerra não mais era atribuído ao desejo de vingança dos deuses” (GAARDER, p. 68).
Novamente, tal crítica, a despeito do que Gaarder propõe, não atinge de modo algum a teologia cristã reformada. Primeiramente, a crítica era ao desenrolar da história segundo caprichos dos deuses. Depois, ignoravam a causalidade dos fenômenos naturais, o que a teologia cristã não faz. Entretanto, Deus está intimamente ligado com as decisões e até com a competência dos guerreiros, comandantes e príncipes de todas as épocas. Noutra oportunidade, discursando sobre a providência, tangeremos o assunto com mais cautela.
* Aqui vale a pena relatarmos a importante história de Temístocles, segundo consta no documentário do History Channel denominado: “construindo um império: Grécia”. O documentário, após a introdução, nos situa em Setembro de 480 a. C., em plena Guerras Médicas, que vão de 490 a. C. a 470 a. C., na ilha de Salamis, uma ilha próxima à Atenas. Seria o palco de uma sangrenta e decisiva batalha contra a Pérsia.
A Pérsia era a superpotência da época. Extremamente rica e autoconfiante. Foi o maior império multicultural e multiétnico já visto.
700 navios com 150 mil guerreiros estavam ao horizonte, prontos para anexarem a Grécia aos domínios do império Persa. Themistocles, um grego, entretanto, os aguardava. Era um almirante e político ateniense, que se preparava para resistir aos persas. Entretanto, a batalha não parecia nada animadora. A ‘desvantagem da marinha grega era de um para dois’. Além disso, tinha um grupo de soldados desorientados, provavelmente temendo os persas pelo grande número de seus exércitos.
As cidades-estados eram tanto um avanço quanto um problema para a Grécia diante dessa batalha. Eram cidades superdesenvolvidas. Eram como países independentes e autossuficientes dentro da própria Grécia, unidos apenas pelas raízes e pela cultura. Mas não havia um poder centralizado que unisse a todos os exércitos dessas cidades-estados. Elas, cada uma por si, se importavam apenas com suas próprias agendas e não tinham relações umas com as outras, a não ser alguns estranhamentos.
Temístocles tinha que organizar esse exército sobre o comando de uma só voz. Ele não veio da aristocracia, e não se envergonhava de que soubessem disso. Não sabia cantar ou afinar uma lira, mas dizia que sabia ter uma cidade grande e livre. Já havia enfrentado os persas em sua primeira invasão, com um exército menor, em 490 a. C., ou seja, 10 anos atrás, na cidade de Maratona. Ele levaria sua experiência para Salamis e concentraria suas forças na fraqueza que identificara nos Persas: a marinha. Temístocles demandou a construção de um projeto marítimo ousado. 200 tri-remis, o navio mais mortal do mundo antigo, seriam construídos imediatamente.
O tri-reme era um barco com 40 metros e que movia-se muito rápido, contendo uma quantidade enorme de remadores (uns 170!).
Temístocles engendrou o seguinte plano. Ele guiou os persas para o Estreito de Salamis para que fossem afunilados e tivessem menos vantagens. Ele sabia que os persas gostavam de vencer batalhas intimidando e por traidores. Então Temístocles envia alguém aos exércitos persas supostamente para trair os gregos, dizendo que estavam desorganizados e que deveriam ‘levantar velas’ de noite para surpreendê-los pela manhã. Os persas morderam a isca. Para a sua surpresa, as frotas gregas não estavam em fuga, mas em formação de batalha. Os 200 tri-remes colocaram-se em linha para impedir a manobra das embarcações persas para nos estreitos. Durante todo o dia os tri-remes cercavam os navios persas e os atacavam com as vigas dianteiras. Foi uma batalha confusa, apavorante, e ao fim do dia os gregos nem mesmo estavam certos se venceram, mas viram milhares de cadáveres inimigos nas praias de Salamis e jugaram que venceram. Algumas fontes dizem que os persas perderam 200 navios, ao passo que os gregos perderam apenas 40. Os persas que não se afogaram eram mortos pelos soldados gregos que esperavam na praia.
Um dos historiadores do documentário observa que, se os gregos não tivessem vencido a batalha de Salamis, a Grécia antiga, e, consequentemente os valores que temos hoje, a nossa estrutura social, não existiriam.
Após a gloriosa vitória em Salamis, Temístocles foi considerado um herói. Entretanto suas ambições pessoais geraram ódio em seus inimigos políticos. Em pouco tempo a cólera da Assembléia, a Eclesia, foi derramada. Os gregos faziam um debate anual sobre a impopularidade, votando no político mais perigoso para o progresso de Atenas, e o exilavam por 10 anos. Chamavam isso de ‘ostracismo’. Assim, em 471 a. C., 9 anos após sua vitória em Salamis, foi vítima do ostracismo. Ironicamente foi pedir abrigo aos persas, e nunca mais viu Atenas. Terminou sua vida falando persa, trabalhando como administrador para o rei persa, ajudando-o a cuidar da Ásia Menor.
Temístocles, ao vencer a batalha da ilha de Salamis não salvou apenas uma cidade, mas salvou a democracia, que nascera a cerca de 25 anos antes da batalha (portanto, c. 505 a. C, segundo o documentário, mas 510 a. C., segundo o professor Rodolfo).
* Durant, aqui, é muito pertinente em suas observações. Ele notará como Atenas, após o término das Guerras Médicas, conseguiu alavancar sua economia, ao passo que Esparta regrediu. Permitam-nos citar todo o parágrafo: “De 490 a 470 a. C., Esparta e Atenas, esquecendo os ciúmes e unindo forças, combateram e derrotaram os esforços dos persas, sob Dario e Xerxes, de transformar a Grécia numa colônia do império asiático. Nessa luta da jovem Europa contra o senil Oriente, Esparta forneceu o exército, e Atenas, a marinha. Terminada a guerra, Esparta desmobilizou suas tropas e sofreu as perturbações econômicas típicas desse processo; enquanto que Atenas transformou sua marinha de guerra numa frota mercante e se tornou uma das maiores cidades comerciais do mundo antigo. Esparta voltou a cair no isolamento agrícola e na estagnação, enquanto Atenas se tornava um movimentado mercado e porto, o local de encontro de muitas raças de homens e de diversos cultos e costumes, cujo contato e cuja rivalidade geraram comparações, análise e reflexão” (DURANT, p. 25-26). Esse intercâmbio cultural, para Durant, como já fora notado no artigo sobre o contexto histórico do surgimento da filosofia (nota 1), favoreceu o florescimento da filosofia em Atenas.
* O documentário do History Channel também tece detalhes interessantes sobre Péricles que achamos por bem aqui registrar: Péricles levaria a promissora Atenas a seus anos de glória. Péricles era um intelectual democrata que apoiava as artes. Veio da aristocracia ateniense, e, portanto, uma carreira política ou militar era esperada. Ele levou Atenas ao auge por meios não muito nobres, como suborno, ameaças e força bruta.
Quando jovem foi eleito a estrategos, um chefe de exército que determinava a política externa. Como um político nato e bom orador, logo se tornou o estadista mais poderoso de Atenas. Em 461 a. C. tornou-se o líder de Atenas (portanto, as Guerras Médicas já havia terminado a poucos anos atrás, c. 470 a. C.).  A liga de Delos detinha muito dinheiro, e Péricles o usou criando obras magníficas para demonstrar o poder que detinha.
O Acrópole é um exemplo. Reza a lenda que Poseidon e Atenas foram ao Acrópole para competir quem seria o patrono da cidade, o que seria decidido pelo voto das pessoas. Poseidon golpeou o chão e saiu água. Atenas fez o mesmo e saiu uma oliveira, que significava não apenas sustento para os gregos, mas possibilidade de um produto para comercialização, e Atenas caiu nas graças do povo. No decorrer dos séculos muitos templos foram construídos para Atenas. Muitos foram destruídos. Mas Péricles deu a Atenas o maior monumento de arquitetura grega do mundo antigo: o Parthenon. Ele resolveu reconstruir o Partenon na Acrópole de Atenas (a parte mais alta da cidade). Custou mais que qualquer outro edifício construído pelos gregos: 30 milhões de dracmas, equivalente a bilhões de dólares. Era um empreendimento estatal. Começou em 447 a. C. A principal função do Partenon era dar abrigo â monumental Estátua de Atena.
Embora toda a glória do Partenon, alguns o desprezavam, achando-o horrível e um monumento à própria glória de Péricles. Platão, e.g., não gostava dos templos. Muitos achavam que as inovações rompiam com o passado.
Os murmúrios em Atenas não se restringiram ao Partenon. Péricles continuava a expandir o império ateniense, e seus rivais e opositores começavam a conspirar contra ele. Em breve começaram a atacar seus aliados, dentre as quais, no topo da lista, estava Aspásia, uma mulher bonita e culta, importante oradora (Inclusive influenciadora de Sócrates!), membra da elite da casta hetera. Heteras eram cortesãs da alta corte, comparadas às gueixas da cultura japonesa. Circulavam na alta sociedade e em ambientes de extrema cultura grega. Numa sociedade em que as mulheres deviam submeter-se ao domínio dos homens, Aspásia era exceção à regra. Péricles a tratava como igual, e até a beijava em público, para o escândalo ateniense. Essas demonstrações públicas de afeto não eram esperadas em Atenas.
O Partenon foi finalizado em 432 a. C., após quase 15 anos de construção. Tal homenagem a Atenas surtiu o efeito que Péricles almejou: divulgar o poder de Atenas para o mundo. Mas, ironicamente, a supremacia simbolizada pelo Partenon estava em declínio, como veremos na história.
* Notem que o século V a. C. foi um período de muitos conflitos na Grécia, a começar pelas Guerras Médicas e seguir com a Guerra do Peloponeso.
* A introdução à história da filosofia de Sproul, não muito rica em detalhes históricos, aponta os impostos cobrados por Péricles como o motivo da insatisfação que gerou a Guerra do Peloponeso: “Os anos dourados de Atenas, no entanto, duraram pouco. O brilho do dourado foi sendo ofuscado pelo peso dos impostos arrecadados por Péricles. E isso causou a guerra do Peloponeso em 431, que terminou em 404 com a derrota de Atenas” (SPROUL, p. 29).
* Aqui acreditamos ser pertinente relatar alguns conflitos políticos que pairavam sobre aquele momento, o que Durant é excelente para elucidar. Primeiro, ele nos informa que haviam sofistas que defendiam ser a aristocracia a forma de governo mais sábia e mais natural. Então afirma “Sem dúvida, esse ataque à democracia refletia a ascensão de uma minoria rica em Atenas, que se intitulava Partido Oligárquico e denunciava a democracia como sendo uma impostura incompetente” (DURANT, p. 27). Durante a Guerra do Peloponeso (que será vista no decorrer do texto), o Partido Oligárquico, do discípulo de Sócrates e tio de Platão, Crítias, aproveitou o momento de tensão para defender o abandono à democracia, com o argumento de que era incompetente para a guerra, ao passo que cortejava a aristocracia espartana. “Muitos líderes oligárquicos foram exilados, mas quando finalmente Atenas se rendeu, uma das condições para a paz imposta por Esparta foi a chamada volta daqueles aristocratas exilados. Mal haviam retornado, eles, com Crítias à frente, declararam uma revolução dos ricos contra o partido ‘democrático’ que havia governado durante a desastrosa guerra. A revolução fracassou, e Críticas morreu no campo de batalha” (DURANT, p. 27). Portanto, a democracia prevaleceu em Atenas.


REFERÊNCIAS

CHALITA, Gabriel. Vivendo  Filosofia. São Paulo: Atual, 2002, p. 304.

DURANT, Will. A História da Filosofia. Tradução de Luiz Carlos do Nascimento Silva. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record. 4ª ed., 2001, 406p.

GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da filosofia. Tradução de João Azenha Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 560 p.
HISTORY CHANNEL. Construindo um Império: Grécia. Acessado em 05/04/2014 em:

NEVES, Rodolfo. Atenas Clássica. Acessado em 05/04/2014 em: https://www.youtube.com/watch?v=b83vPhrIBkI

NEVES, Rodolfo. Civilização Grega – Período Clássico. Acessado em 05/04/2014 em: 


SPROUL, R. C. Filosofia para iniciantes. Tradução de Hans Udo Fuchs. São Paulo: Vida Nova, 2002, 208 p.