quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Um debate com Julio Severo e cia. sobre cessacionismo (Parte 3)

ANÔNIMO 3 (?)
Eu não disse que o que colei apenas rebateria o argumento que foi a Igreja Católica que deu a Bíblia ao mundo! Por algum efeito (que não sei denominar, talvez o de tabela)também rebateu os seus argumentos que o Perfeito é a compilaçao do Canon! Também não sei o nome o argumento que estás a utilizar (talvez voce mesmo saiba) quando agora foca em dizer que nem "todas as igrejas" (já admite que muitas tinham) tinham livros canonicos, para justificar a extinção dos dons! até agora não consegui ligar os pontos!
E só para lembrar os pentecostais! Não precisamos de muitos malabarismos, pra saber que o perfeito que corintios cita é Jesus na sua volta! Aí sim cessará os dons! pq a igreja ja estará com o noivo!

Não esse argumento cessacionista que a cada concilio o que é perfeito muda!

Enfim, em ironia você tbm é muito bom! E a carapuça do que constatei nas suas argumentações serviu todinha!

PENTECOSTAL
Julio, você mexeu no ninho dos calvinistas.
Essa gente constrói seus fundamentos teológicos sobre princípios antibíblicos, e com blasfêmia camufalada ao Espírito Santo ainda tem a audácia de dizer que priorizam o Evangelho da Reforma.
Quem blasfema contra o Espírito Santo tem perdão?
Aquele que atribui a obra do Espírito Santo a demônios tem perdão?
Enganadores que se escondem atrás dos princípios difundidos por João Calvino.
É por esta razão que suas congregações estão à míngua, não avançando, mas pelo contrário, contraindo-se.

LUCIO
Antes de argumentar, alguns desarmes (para variar):
“Enfim, em ironia você tbm é muito bom! E a carapuça do que constatei nas suas argumentações serviu todinha!”
Bom, parece que concordamos que ironia não é algo bom a ser feito, pois incita a raiva, a ira pecaminosa. Agora, se eu faço, isso legitima a sua?
Ademais, onde foi que fui irônico? Poderia apontar? Li meu texto e, talvez, nesta parte: ‘ou não lestes com a melhor das atenções ou habilidades’ é que tenha se ofendido. Desculpe-me. Agora, como é que eu poderia dizer que você não compreendeu o que escrevi? Seja como for, se há vida espiritual e você, pondere como me responde e dose tudo com amor, que buscarei fazer o mesmo (inclusive, como já ensinava John Newton, já orei para você e os demais que comigo contendem).
Vamos aos argumentos.
‘Anônimo’ disse: “Por algum efeito (que não sei denominar, talvez o de tabela)também rebateu os seus argumentos que o Perfeito é a compilação do Canon!”
Meus argumentos? Mas, onde foi que eu advoguei este texto para afirmar minha posição cessacionista? Bater em um argumento que nem elenquei é, novamente, atacar um espantalho.
E, diga-se de passagem, não vi nem como seus argumentos lidaram definitivamente com este texto. Aliás, até entendo que este não me parece um texto muito bom para lidar com o assunto. O fato é que não o usei, e meus argumentos, junto a meu cessacionismo, permanece intacto se eu admitir que o texto se refere à parousia e o reino de glória.
“Também não sei o nome o argumento que estás a utilizar (talvez voce mesmo saiba) quando agora foca em dizer que nem "todas as igrejas" (já admite que muitas tinham) tinham livros canonicos, para justificar a extinção dos dons!”
Bom, vejamos o que eu disse. Possivelmente você se refere a um destes dois trechos:
‘no primeiro século, onde o 'dom profético' foi exercido, várias Igrejas não tinham, ainda, várias porções das Escrituras Neo-Testamentárias’
ou
‘...dizer que todas as igrejas tinham cópias particulares de cada texto neo-testamentário, é extrapolar as evidências’.
Bom, primeiramente, não me pegastes a cometer falácia alguma (não que eu tenha percebido). Para garantir, vou desdobrar o argumento e buscar elucida-lo.
Meu argumento fundamenta-se no fato de que as profecias eram substitutos provisórios para o cânon, que, primeiro, não estava completo até Apocalipse e, depois, mesmo após esse livro estar pronto, ainda não estava, bem como alguns outros, presentes em todas as igrejas.
Se não havia ciência do cânon completo em qualquer número de igrejas da igreja primitiva, meu argumento prevalece.
As evidências mais antigas que citastes não passam de uma lista incompleta do Novo Testamento e uma menção aos quatro Evangelhos. Certamente uma pesquisa mais profunda mostraria que os livros neo-testamentários em geral foram aceitos pelas igrejas, mas tudo leva a crer que, se havia alguma igreja como cânon completo no primeiro século, eram poucas. Tudo que preciso é entender que haviam igrejas que não tinham o cânon completo.
Usando os cânones da lógica, legados por Aristóteles no Órganon, temos as seguintes proposições:
‘Todas as igrejas tinham o cânon’ opõe-se a ‘Nenhuma das igrejas tinham o cânon’.
Os contraditórios, respectivamente:
‘Algumas igrejas não tinham o cânon’ e ‘Algumas igrejas tinham o cânon’.
É óbvio que os dois contraditórios dos opostos podem ser, respectivamente, verdadeiros. Portanto, não qualquer problema lógico em meu argumento.
“Não precisamos de muitos malabarismos, pra saber que o perfeito que corintios cita é Jesus na sua volta! Aí sim cessará os dons! pq a igreja ja estará com o noivo!”
Bom, embora a questão de 1 Coríntios 13 já tenha sido esclarecida alhures, preciso tecer alguns comentários breves (por conta do espaço) que esse seu texto me sugere.
Primeiro, o que acredito ter sido apenas um desvio comunicativo, quando dissestes: ‘não precisamos de muitos’, tende a sugerir que precisam somente de alguns. Claro, ‘malabarismos’ seria algo a se discutir. Pareceu-me que usou num tom pejorativo. O certo é que o único recurso usado para sua afirmação seria a analogia da fé, visto que a referência à parousia não é explícita. Ótimo.
Mas, não crer mais na realidade dos dons miraculoso (e é bom esclarecer que os cessacionistas acreditam na contemporaneidade dos dons não-miraculoso – cito Hoekema como exemplo) pode ser por mais motivos além da segunda e gloriosa vinda. Primeiro, não vejo, salvo um controvertido texto a Coríntio (quiçá Romanos) uma ordem para que tenhamos, como item imprescindível, os dons miraculosos para uma vida cristã saudável e legítima. Oração, leitura bíblica e prática do bem são essenciais para uma vida espiritual íntegra. A comunhão dos santos poderia ser acrescida. Mais que isso, parece-me obscuro.
Termino questionando-o: o que você já leu sobre cessacionismo, além deste texto do blog?

Pentecostal , está lendo o que eu escrevo?
Está animado a debater suas afirmações?
Intentou mencionar-me, ou foi só um texto de apoio ao Julio e a ele direcionado?
É porque acredito que suas afirmações estão equivocadas, e tenho argumentado em prol de minhas teses.
Dê uma lida, se ainda não deu.
Gostaria de libertá-lo dessa hostilidade sectarista aos cessacionistas.

JULIO
O que há para debater, senhor “teólogo” Lúcio? Você é rico em teses, porém pobre em verdadeiro conhecimento e experiência com Deus. O Apóstolo Paulo, que declarou que falava em línguas mais do que qualquer cristão de sua época, veria suas teses teológicas contrárias ao que Deus dá de dons sobrenaturais por meio do Espírito Santo como heresias. E pode ter certeza de que se ele estivesse vivo hoje, você receberia uma boa repreensão. No seu ministério terreno, Jesus frequentemente repreendia os fariseus, “doutores da lei”, que era os teólogos, cheios de teses, cheios de letra, cheios de diplomas, cheios de teologia, mas não conseguiam enxergar Deus na frente deles. Prova disso é que Jesus era Deus e estava na frente deles e eles nada viam e enxergavam. Nada mudou. Os homens cheios de teses e teologia continuam não enxergando nada de Deus mesmo quando Deus está na frente deles. Os “doutores da lei” continuam a mesma coisa ontem, hoje e, pelo visto, para sempre, para azar deles e dos que seguem as suas teses. Mas graças a Deus, para nossa bênção, o Jesus Cristo de Paulo e outros apóstolos é o mesmo ontem, hoje e para sempre.

LUCIO
Bom, Julio, acho que o debate contigo chegou ao fim. Acredito ter respondido a estas suas acusações alhures. Deixemos que os leitores decidam por si mesmos e oremos para que o Espírito guie todos os cristãos à verdade.
Estamos, ambos, comprometidos com nossas posições. Que o nosso compromisso com a verdade e com Deus e sua Palavra seja mais forte.

Deus o abençoe, meu irmão. :)

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Um debate com Julio Severo e cia. sobre cessacionismo (Parte 2)

JULIO SEVERO
Lucio, quanta “lucidez” na teologia humana, falível e carnal e quanto falta de lucidez do alto. Driscoll não é um teólogo sistemático. Eu não sou tal teólogo. Jesus não era. Seus apóstolos não eram. Quem era? Os fariseus. E dizer que os apóstolos não tinham as Escrituras é um erro grosseiro. Como judeus, eles tinham o Antigo Testamento, que eram as Escrituras. Nunca deixaram de ser Escrituras. Não preciso ser teólogo para dar essas respostas básicas e, se a teologia fosse fundamental, os apóstolos teriam perdido a vez e Jesus teria escolhido apenas os fariseus para serem seus apóstolos. Os fariseus eram os grandes teólogos da época da Igreja Primitiva.

LUCIO
Julio Severo, meu irmão, sua resposta não foi satisfatória. Permita-me demonstrar o porquê.
Primeiro, a consequência de suas afirmações parecem-me levar à convicção de que os teólogos eram maus, e que a sistematização da teologia algo a ser evitado. É isso que concluis?

Depois, meu amigo, você compreendeu mal (ou me expressei mal) o que eu quis dizer. Não disse que os apóstolos não tinham as Escrituras, visto que, como observa Geisler e Nix no 'Introdução Bíblica', eram 'cânons vivos'. Eu disse que as Igrejas primevas não tinham o cânon, as Escrituras, ou melhor, não tinham a revelação final completa (cf. Judas 3).
Ademais, Jesus era sim um grande filósofo, um grande teólogo, bem como Paulo (pelo menos ele é preciso admitir o rigor teológico), Apolo, Nicodemus...etc.
Dizer que a teologia não é fundamental é dar um tiro no pé, pois, para tal, é preciso arquitetar um argumento teológico (sugiro o 'Crer é também pensar'). Para toda empreitada espiritual, mesmo para a oração, é preciso fazer teologia (se gosta do Cheung, leia o primeiro capítulo da Teologia Sistemática dele). Enfim, irmão, atacar meu argumento tentando inutilizar a teologia é algo insensato.
No mais, meu irmão, todo o resto do seu discuso pareceu-me um ad lapidem. Denegrir meu argumento como 'teologia humana, falível, isenta de lucidez e luz celeste' não passa de insultos a ele. :)

Não respondera a todos os pontos que levantei também, brother... :)

Aguardo respostas. :)

ANÔNIMO 3 (?)
Já que o Teólogo-Filósofo Lúcio gosta de falar tanto em silogismo e falácias - na minha pouca experiência no assunto, mas usando de observação percebo que todo o seu discurso é baseado na "pressuposição teológica" que a passagem bíblica: "mas quando vier o que é perfeito" 1 Co 13: 10)Representa o Canon pronto!

Aí fica a pergunta quando o Canon ficou pronto? Depois da Reforma?

Só a título de informação! e se servir de resposta ao Lúcio! Colo trechos do Site CACP (cessacionalista) quando rebate o argumento que foi a igreja católica que deu a bíblia ao mundo:

Abaixo nós catalogamos uma lista de livros que foram mencionados pelos escritores cristãos primitivos.

• 326. Atanásio, bispo de Alexandria, menciona todos os livros do Novo Testamento.

• 315-386. Cirilo, bispo de Jerusalém, dá uma lista de todos os livros do NT exceto Apocalipse.

• 270. Eusébio, bispo de Cesaréia, chamado de Pai da história eclesiástica, narra sobre a perseguição que o imperador Diocleciano lançou sobre a igreja cujo decreto requeria que todas as igrejas fossem destruídas e as Sagrada Escrituras queimadas. Ele lista todos os livros do Novo Testamento. Ele foi comissionado por Constantino para preparar cinqüenta cópias da Bíblia para uso das igrejas de Constantinopla.

• 185-254. Origenes, escritor de Alexandria, especifica todos os livros de ambos os Testamentos.

• 165-220. Clemente, de Alexandria, especifica todos os livros do Novo Testamento exceto Filemon, Tiago, 2 Pedro e 3 João. Mas Eusébio, que possuía os escritos de Clemente, disse que ele deu explicações e citações de todos os livros canônicos.

• 160-240. Tertuliano, contemporâneo de Orígenes e Clemente, menciona todos livros do NT exceto 2 Pedro, Tiago e 2 João.

• 135-200. Irineu, citou todos os livros do NT exceto o Filemon , Judas, Tiago e 3 João.

• 100-147. Justino, o Mártir, menciona os Evangelhos como sendo quatro em número e cita eles e algum das epístolas de Paulo e Apocalipse.

Assim, todos os livros do NT estiveram em circulação na era apostólica. Realmente, os apóstolos eles mesmos colocaram seus escritos em circulação no começo do cristianismo (Col. 4:16 – 1 Tess. 5:27). As Escrituras Sagradas foram escritas para todos (1 Cor. 1:2; Ef. 1:1) e toda vontade será julgada por eles no último dia (Rev. 20:12; João 12:48). Jesus disse que Sua Palavra permanecerá parA Igreja Católica não é a única a possuir a Bíblia nesses séculos de cristianismo
Portanto, Lúcio, você agora com a palavra: Fale sobre o que você acha o que é perfeição citada em Co 13 e diga se ainda continua com o mesmo pensamento que a igreja primitiva não tinha os livros do Novo Testamento?

LUCIO
Bom, desculpem-me a demora. Estive ocupado com questões particulares que não carecem de ser explicitadas aqui.
Bom, ao que parece, houve apenas uma objeção, feita anonimamente, contra meus argumentos.

Antes, permita-me tirar-lhe as pedras das mãos. Quando disse: "Já que o Teólogo-Filósofo Lúcio gosta de falar tanto em silogismo e falácias". Senti um tom de ironia nessas palavras. Uma provocação, em meio a um assunto delicado, não me parece surtir efeitos positivos. Então, que tal abandonarmos isso?

Bom, minha primeira observação é que 1 Coríntios 13 não é o único texto que fundamenta o cessacionismo. João 1:1, 14, 18 + Hebreus 1:1-3, 2:1-4 e Judas 3 também. Posso expandir o assunto, se quiserem.

No mais, percebam que ataca um (novo) espantalho. Suas palavras: "rebate o argumento que foi a igreja católica que deu a bíblia ao mundo".
Se minhas palavras foram entendidas dessa forma, então ou não me expressei bem, ou não lestes com a melhor das atenções ou habilidades.
Bom, nosso argumento está no fato de que, no primeiro século, onde o 'dom profético' foi exercido, várias Igrejas não tinham, ainda, várias porções das Escrituras Neo-Testamentárias. Simples assim.

"Assim, todos os livros do NT estiveram em circulação na era apostólica." Non sequitur, meu amigo. A indução não é taxativa. Permite-nos dizer, no máximo, que havia grande circulação dos livros. Quer que eu expanda este ponto?

Ressalto: claro que percebo que não foi a ICAR (particularmente Nicéia) quem deu a Bíblia ao mundo. Como F. F. Bruce observa, Nicéia apenas reconheceu o que já havia sido reconhecido.
Agora, daí dizer que todas as igrejas tinham cópias particulares de cada texto neo-testamentário, é extrapolar as evidências. Acho que isso é auto-evidente, mas, se quiserem, posso demonstrar.


No mais, seu argumento, anônimo, atingiu a pretensão romanista, e nada mais.

sábado, 16 de novembro de 2013

Um debate com Julio Severo e cia. sobre Cessacionismo (Parte 1)

Recentemente tenho participado de um debate em torno da questão cessacionista (para esclarecimento sobre o assunto, veja alguns destes artigos AQUI). O debate encontra-se no blog do Julio Severo, nos comentários (AQUI).

Achei por bem compilá-lo e aqui expô-lo.
Envolvi-me no debate quando um amigo pediu-me esclarecimentos sobre a questão, e indicou-me este texto.
O debate começou com uma simples crítica ao texto de Julio Severo (que, aliás, admiro, coadunando com este em suas posições éticas e até mesmo em seus ataques apologéticos à Igreja Católica). Posteriormente, tomou alguma proporção pouco maior, e outros foram envolvidos. Poupei-lhes os nomes, salvo o Julio Severo.
Meu intuito é que o debate promova esclarecimento e elimine o espírito sectarista e faccioso que perpassa a questão. E que os meus irmãos cessacionistas sintam-se reconfortados com suas posições.
Bom, ao debate.

LUCIO
Julio Severo, eu admiro muito seu trabalho, meu caro, e sei que esse artigo também está enraizado em suas convicções mais profundas de modo que refutá-lo poderá trazer grande incômodo. Mas, mesmo assim, me sinto no dever de corrigi-lo com breves observações.

Primeiro, irmão, cessacionistas acreditam e oram para que Deus faça milagres ou direcione sua providência de maneira especial (como conduzir fenômenos climáticos). É, de fato, uma grande confusão crer que os cessacionistas, por não crerem que Deus conceda 'dons miraculoso' mais, visto que eles tinham função específica de autenticação naquele período, não creem, também, que Deus faça milagres. Deus não fazia milagres somente mediante dons. Com essa distinção, acredito que todo o seu argumento cai, meu irmão.

Outro erro tão grave como esse se encontra em sua sátira no final do artigo. "Se Deus quiser, Ele pode me conceder sem que eu peça." Que cessacionista que pensa assim? Eu mesmo desconheço, irmão. Isso é confundir, de fato, cessacionistas com quietistas e, até mesmo, como você o faz, com deístas.
Até mesmo Cheung, que podemos considerar um continuista, e que também é um determinista, entende que os decretos não alteram nosso dever de orar, nem o significado da oração.
O cessacionista não crê que não é preciso orar para que Deus haja. Muito pelo contrário, crê tanto quanto qualquer outro cristão que a oração é um meio estabelecido por Deus para se alcançar muitas bençãos. Crê e ora! Sugiro a Teologia Sistemática de Charles Hodge para que você confira o que estou dizendo.

Um exemplo disto é quem vos fala. Sou cessacionista e canto o refrão do Ramones sem qualquer problema: I believe in miracles; I believe in a better world for me and you.
Hehe
Espero que corrija sua posição, meu irmão.
Lutar contra o cessacionismo é lutar contra irmãos. Concentre suas forças na luta contra o mal.

ANÔNIMO 1
Lutar contra o cessacionismo é lutar contra uma heresia, Lúcio. Possa Deus lhe dar lucidez.

ANÔNIMO 2
Mr. Lucio: considerando as palavras de Jesus “Pedi e dar-se-vos-á” e considerando que a igreja neotestamentária tinha o dom de profecia (com visões sobrenaturais) e que 1 Coríntios 14:1 nos instrui a buscar intensamente o dom de profecia que eles tinham, pergunta: Você ora intensamente pedindo o dom de profecia, com visões sobrenaturais? Você ora também para ter e ministrar no poder do Espírito Santo, com sinais, prodígios e milagres? O texto do Júlio parece significar exatamente isto. Porém se você for um cessacionista como os outros, você irá trazer sua teologia para desculpar sua descrença.
[Aqui pulamos uma série de textos que não julgamos relevantes à discussão]

CESSACIONISTA 1
Julio, infelizmente você conhece muito pouco do cessacionismo. Eu sou cessacionista, tal qual o Dr Augustus e oro todos os dias: por minha esposa, por meu trabalho, que seja luz para meus alunos. Oro agradecendo pela comida que como e agradeço a Deus pelo perdão dos pecados que Ele me concede todos os dias. A propósito, na semana passada o Dr Augustus escreveu sobre oração e a relação que ele tem com ela.

Oro quando fico doente, clamando pela ação sobrenatural de Deus e oro agradecendo a Deus a inteligência e capacidade que Ele dá para os médicos e cientistas, que desenvolvem remédios contra as doenças. Oro por meus irmãos quando eles ficam doentes e me pedem por interceder por eles.

Oro a Deus quando tenho que tomar decisões importantes na minha vida e peço Seu direcionamento. Aí tenho sempre a Palavra de Deus, rotineira e sistematicamente, lida e dentro do meu coração para Deus falar comigo.

Os teólogos reformados, todos oravam e ensinavam a orar. E o mais importante, oro porque a Bíblia me manda orar.

JULIO SEVERO
O importante, Marcos, é que o Rev. Mark Driscoll, como reformado, CONHECE MUITO BEM O 
CESSACIONISMO. E ele disse que é deísmo e mundanismo. Vincent Cheung diz que é falso ensino. Quem somos nós para discordar? Além disso, veja os links que coloquei depois artigo: Todos mostram a incredulidade do cessacionismo. Graças a Deus, como bem reconhece você, “conheço muito pouco do cessacionismo.” Conheço muito pouco também do deísmo e incredulidade. É importante conhecê-los? Claro que não! Quem conhece a Palavra de Deus sem a contaminação cessacionista (deísta, incrédula), já sabe o que é mais importante. O importante é conhecer a Cristo e sua voz. Jesus diz em João 10:3 que suas ovelhas OUVEM A SUA VOZ. Entre ser um bode cheio de incredulidade disfarçada de belos conceitos teológicos (exatamente como eram os fariseus, que diziam que oravam e liam a Bíblia) e uma ovelha que ouve a voz do Mestre, é tão difícil assim fazer uma escolha?

LUCIO
Olá, meus irmãos (espero que ainda assim mo considerem, depois de eu ter declarado-me cessacionista).
Vou respondê-los um por um.
Primeiro, temos que acalmar nossos ânimos, e discutir com mansidão, para, se estivermos errados, sabermos reconhecer e tergiversar. Antes de continuarmos, questionemos-nos: estaríamos dispostos a mudar?
Caso a resposta seja negativa, por favor, é melhor não continuarmos o debate, não é verdade?
Bom, vamos lá.
Primeiro, respondendo ao Anônimo 1.
"Lutar contra o cessacionismo é lutar contra uma heresia, Lúcio. Possa Deus lhe dar lucidez."
Primeiro, agradeço à oração para que Deus me dê lucidez. Se foi um desejo sincero, apresentado a Deus, estou agradecido.
Mas, como o Franklin Ferreira e Alan Myatt (na Teologia Sistemática) ponderam, heresia e erro teológico são diferentes. Heresia são erros que ferem algum princípio soteriológico, de modo que iniba e embargue a salvação. Acredito que o continuísmo de qualquer espécie seja um erro (e alguns da estirpe montanista chegam a ser heresia), mas não uma heresia, de modo que posso chamar muitos pentecostais de irmãos. Agora, se entende que o cessacionismo é uma heresia, então terá de mostrar como tal embota o conhecimento salvífico. :)

Depois o 'Anônimo disse': "considerando as palavras de Jesus “Pedi e dar-se-vos-á” e considerando que a igreja neotestamentária tinha o dom de profecia (com visões sobrenaturais) e que 1 Coríntios 14:1 nos instrui a buscar intensamente o dom de profecia que eles tinham, pergunta: Você ora intensamente pedindo o dom de profecia, com visões sobrenaturais?"
Bom, peço-lhe, e aos demais que acompanham o diálogo, que considerem a seguinte perspectiva: a Igreja primitiva não tinha as Escrituras em mãos, de modo que o conhecimento revelacional (especial) pleno não lhes era alcançável. O que teve de ser feito, então, era conceder estas instruções enquanto a Igreja não dispunha das Escrituras completas. Essa me parece ser uma explicação muito razoável.
Corrobora com ela o fato de não haver mais instrução nesse sentido em qualquer lugar das Escrituras, e de que a Igreja pós-apostólica, até onde sei, também não praticou tais coisas. Somente no século IV, se não me falha a memória, é que Montano e sua estirpe tentaram abordar tais assuntos.

Atitude mais piedosa para mim é buscar estudar com dedicação as Escrituras e por elas ser orientado.

Ademais, os pontos de esclarecimento e distinção que observei nem mesmo foram considerados... =/

Bom, é isso aí. Aguardo as respostas e, se preciso, amplio os pontos. :)
E Julio, meu irmão, também não achei justa a sua resposta ao Cessacionista 1. Permita-me intrometer-me na conversa entre vocês.
Primeiro, o Driskoll não é um grande teólogo sistemático. Não é autoridade sobre o assunto.
Depois, o Cheung, ao mesmo tempo que condena o cessacionismo, condena o arminianismo como heresia mortal, e tudo mais que não está de acordo com seus pontos doutrinais. Portanto, levantar a posição de Cheung aqui não ajuda muito.
Ademais, acredito que você cometeu uma gafe, irmão, a saber, que para que critiquemos uma posição com propriedade é preciso que a conheçamos melhor.
Depois, ao enquadrá-la na categoria de deísmo e incredulidade, faz-se injusto, como postei no meu primeiro comentário, para com o cessacionismo e para com os cessacionistas. Todos os cessacionistas que conheço (pessoalmente ou por livros) oram e acreditam que Deus pode realizar muitos milagres.
Por fim, você diz, o que concordo, que "O importante é conhecer a Cristo e sua voz. Jesus diz em João 10:3 que suas ovelhas OUVEM A SUA VOZ". Mas isso é já admitir, desde o início, que sua posição é a bíblica, ou seja, pareceu-me uma petição de princípio. Todo aquele que estiver convicto de sua posição como bíblica dirá o mesmo, e, tal como eu, apreciará sua convicção. Ainda assim o debate está aberto.

Vou elaborar um silogismo para que observem que estão a fazer uma falácia chamada afirmação do consequente:

1) Se é deísta não acredita na intervenção de Deus na história.
2) Deus intervir por meio de dons miraculosos é uma forma de intervenção de Deus na história.
3) Alguém não acredita que Deus intervenha por meio de dons.
4) Portanto, esse alguém é deísta.


Viu só? Afirmação do consequente. :)

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A Crise Existencial e a Resolução no Primeiro Mandamento (Parte 1)

Certa feita, Craig nos despertou à leitura sobre reflexões existenciais. Mencionaremos, nesta artigo, algumas partes do capítulo 2 do livro 'A veracidade da fé cristã', onde o filósofo supra-mencionado nos remete à questão. Mas gostaríamos de sugerir, para quem quiser se aprofundar nestas reflexões, o seguinte vídeo (vejam a série toda):

http://www.youtube.com/watch?v=P8Ak8VVxaGw

Com esta homilia de agora, pretendemos expor sobre a crise existencial, observando sua importância; formas de postergação; incitando-a e, finalmente, buscando uma solução na prática do primeiro mandamento do decálogo, que corresponde a amar a Deus com todas as nossas faculdades e não atribuir nada que pertença exclusivamente a ele, a outro ser.

CRISE EXISTENCIAL

Todos nós já ouvimos falar sobre ‘crise existencial’. ‘Crise’ é uma palavra conhecida. Se configura, segundo o Aurélio, na sua quinta definição, em “Estado de dúvidas e incertezas”; e,na sexta definição: “Fase difícil, grave, na evolução das coisas, dos fatos, das idéias”; a sétima definição traz: “momento perigoso ou decisivo”; a nona: “Tensão; conflito”. Essas são definições pertinentes com nosso assunto. A crise é um momento drástico, decisivo, e, por vezes, perigoso. Agora o adjunto adnominal ‘existencial’ pode causar-nos embaraço, embora saibamos o que ‘crise existencial’ quer dizer. Existência. Ser. Ontos. Uma crise existencial, usando as definições para crise que vimos acima, seria um estado de dúvidas e incertezas relacionados à existência; uma fase difícil em relação à existência; um momento perigoso e decisivo em relação à nossa existência; uma tensão ou conflito em relação à existência.
McGrath pode elucidar a questão. 'Existência'vem do verbo latino, existere, que parece ter o significado básico de 'sobressair-se'. Existir, no sentido pleno da palavra, significa destacar-se do seu meio ambiente [...] todos os tipos de forças desumanizadoras existentes no mundo ameaçam nos rebaixar ao nível do impessoal. Corremos o risco de nos vermos reduzidos a estatísticas e de ver negada nossa individualidade. Corremos o perigo de 'cair no mundo' (Heidegger), imergindo no cenário ao nosso redor e perdendo com isso nossa posição de destaque (MCGRATH, p. 92-93).
Todas essas definições são pertinentes, e, por um certo prisma, expressam uma faceta do que queremos dizer por crise existencial. Crise existencial seria uma inquietação, que chega a algumas pessoas a graus elevados, quanto ao porquê de estarmos aqui. É um momento decisivo, drástico. Precisamos de resposta para prosseguir.
A crise existencial é um fenômeno psicológico que normalmente vem à tona na adolescência. A propósito, é vista como uma característica típica desta fase. Mas, por uma série de questões que não teríamos condições de analisar neste texto, tornou-se um assunto, inclusive, de gestão empresarial (quem quiser uma evidência, leia o, não tão bom, livro de Mario Sergio Cortella chamado ‘Qual é a Tua Obra’, p. 13-16).
Crise existencial é, aliás, representada em outro termo hodierno: espiritualidade. Vejamos as palavras de Cortella:
O desejo por espiritualidade é um sinal de descontentamento muito grande com o rumo que muitas situações estão tomando e, por isso, é uma grande queixa. E a espiritualidade vem à tona quando você precisa refletir sobre si mesmo; aliás, a espiritualidade é precedida pela angústia. De maneira geral, a angústia é um sentimento sem objetivo. Quando você fica triste, é por alguma coisa. Quando você está alegre, é por algum motivo. A angústia se sente e não identifica objeto. Você se levanta e ‘não sei o que está acontecendo, estou com uma coisa, um aperto aqui no peito’. É uma sensação de ‘vazio interior’. (Cortella, p.14).

A pergunta que, primeiro, nos vem à tona é: como superá-la? Isso nos leva a uma questão ainda mais intrigante: alguém já a superou? Talvez digamos, com ar de maturidade e sapiência, que já passamos dessa fase. ‘Crise existencial é coisa para adolescente’, expressaríamos com tons de superioridade. Bom, certamente não.
Antes de mostrar porque não, e como é que os homens adultos a ‘superam’, vejamos algumas descrições mais detalhadas da crise existencial nas palavras dos filósofos cristãos William Lane Craig e Blaise Pascal:
Ao olhar ao seu redor, o ser humano vê apenas trevas e obscuridade. Além disso, até onde seu conhecimento científico está correto, o ser humano percebe que ele é uma partícula infinitesimal perdida na imensidão do tempo e espaço. Sua vida curta é confrontada dos dois lados pela eternidade, seu lugar no universo está perdido no infinito imensurável do espaço, e ele se encontra como que suspenso entre o micro-cosmo infinito interior e o macro-cosmo infinito exterior. Inseguro e desgarrado, o ser humano se debate em seus esforços por levar uma vida feliz e com significado. Sua condição se caracteriza por inconstância, tédio e ansiedade” (CRAIG, 2004, p. 52)
“Não sei quem me enviou ao mundo, nem o que mundo é, nem quem eu mesmo sou. Sou terrivelmente ignorante de tudo. Não sei o que meu corpo é, nem meus sentidos, nem minha alma e essa parte de mim que pensa o que eu digo, que reflete sobre si mesma assim como sobre todas as coisas externas, e não tem mais conhecimento de si mesmo do que delas.
Vejo a imensidão aterrorizante do universo que me cerca, e me vejo restrito a um canto dessa vastidão, sem saber por que fui colocado aqui e não em outro lugar, nem por que o breve período da minha vida me foi atribuído neste momento e não em outro em toda a eternidade que passou antes de mim e virá depois de mim. Em todos os lados só vejo infinito, no qual sou um mero átomo, uma mera sombra que passa e não volta mais. Tudo o que sei é que em breve terei de morrer, mas o que menos entendo de tudo isso é a própria morte da qual não posso escapar.
Assim como não sei de onde venho, também não sei aonde vou. Somente sei que, ao deixar este mundo, caio para sempre no nada ou nas mãos de um Deus irado, sem saber qual desses dois estados será meu destino eterno. Essa é minha condição, cheia de fraqueza e incerteza. (PASCAL apud CRAIG, 2004, p.53).
Alguém estaria disposto a dizer que todo homem adulto já resolveu tamanho impasse? É claro que não. Mas todos, com maior ou menor complexidade de raciocínio, já se perguntou quem é; o que é; de onde veio; para onde vai; o que fazer; como ser feliz. A questão é que, via de regra, não respondemos à estas questões. Então, o que fazem os homens com elas? Como conseguem calar o grito da alma, a angústia, que clamava por respostas? Simples. Ocupação. Primeiro, satirizando [ao nosso entender] a situação humana, Pascal conclui:
De tudo isso concluo que deve passar todos os dias da minha vida sem procurar conhecer o meu destino. Talvez eu consiga encontrar uma solução para as minhas dúvidas; mas não posso me incomodar com isso, não darei nem um passo na direção dessa descoberta(PASCAL apud CRAIG, 2004, p.53).

Craig ainda complementa:
Apesar de seus predicamento, porém, a maioria das pessoas , por incrível que pareça, recusa-se a buscar uma resposta ou até mesmo a pensar sobre o seu dilema (Craig, p. 52)
...as pessoas ocupam seu tempo e seus pensamentos com trivialidades e distrações, para evitar o desespero, o tédio e a ansiedade que inevitavelmente surgiriam se essas distrações fossem retiradas (Craig, p.53).

Ou seja, o homem elegeu a ocupação como um substituto para as reflexões existenciais. Fazer alguma coisa. ‘Este tipo de reflexão é coisa de vagabundo’, esbravejariam alguns. É interessante observarmos que tal solução é, de fato, sugerida, inclusive, por escritores influentes como Goethe e Voltaire:
_ As grandezas – disse Pangloss – são muito perigosas, segundo o relato de todos os filósofos [...]. O senhor sabe....
_ Sei também – disse Cândido – que é preciso cultivar nossa horta.
_ Tem razão – disse Pangloss –, pois, quando o homem foi posto no jardim do Éden, foi posto no jardim do Éden, foi posto ali ut operaretu eum, para que trabalhasse; o que prova que o homem não nasceu para o repouso.
_Trabalhemos sem refletir demais – disse Martinho –; é o único meio de tornar a vida suportável.
[...]
E Pangloss dizia às vezes a Cândido:
_ Todos os acontecimentos estão encadeados no melhor dos mundos possíveis; pois, enfim, se o senhor não tivesse sido expulso de um belo castelo a grandes pontapés no traseiro pelo amor da senhorita Cunegundes, se não tivesse sido apanhado pela Inquisição, se não tivesse corrido a América a pé, se não tivesse dado um bom golpe de espada no barão, se não tivesse perdido todos os seus carneiros do bom país de Eldorado, não estaria aqui comendo cidras em conversas e pistaches.
_ Muito bem dito – respondeu Cândido -, mas temos de cultivar nossa horta (Voltaire em Cândido, p. 134-135).

Aqui, após uma série de desventuras (resumidas nas últimas palavras), os personagens, num último discurso, cansados das reflexões metafísicas de Pangloss, sugerem duas vezes que o que deveriam fazer era trabalhar, como que dizendo que o importante seria trabalhar, e, com ele, deixar de pensar nestas coisas. Percebam o desprezo às reflexões metafísicas e existenciais de Pangloss. Goethe, constantemente, sugere a mesma coisa. Primeiro faz as seguintes reflexões existencialistas pessimistas: “Acontece com o futuro o mesmo que com as coisas que estão longe. Um imenso, obscuro horizonte se estende diante de nossa alma; perdem-se nele nossos sentimentos, bem como nossos olhares, e ardemos, sim!, do desejo de dar tudo o que somos para saborear plenamente as delícias de um sentimento único, enorme, sublime... E quando chegamos lá, quando o distante se tornou aqui,, tudo é o mesmo que antes – continuamos na miséria, em nossa esfera restrita, e nossa alma suspira pela ventura que lhe escapou” (GOETHE, p.39).
Mas logo termina oscilando por uma constatação otimista:
“Considero-me imensamente feliz apenas por poder sentir a simples e inocente alegria do homem que põe em sua mesa um legume que ele próprio cultivou e que apenas o saboreia, mas igualmente, e em um só momento, sorve todos esses dias felizes, a linda manhã em que o plantou, as encantadoras tardes em que o regou e teve o prazer de vê-lo crescer, dia após dia!” (GOETHE, p. 30-40). Ou seja, em outras palavras, o conselho de Voltaire é aqui apreciado. Tudo isso, como salientaram Craig e Pascal, para firmarmos um motivo de existir. Existimos para trabalhar, comer e morrer. Pensar em algo além disso é coisa que não devemos ter tempo para fazer. Temos que trabalhar.
E assim, o homem oblitera suas reflexões existenciais com as ocupações do dia-a-dia. Ele precisa trabalhar, se sustentar; tem prazos, responsabilidades; logo terá família para criar; tem futebol para ver; tem novela para assistir; tem um romance para tomar conta de seus pensamentos... etc. As questões existenciais ficam no porão da alma. Mas acontece que, se não somos instigados a pensar sobre elas, como nesta ocasião, uma outra crise qualquer é suficiente para trazê-la à baila. Uma decepção amorosa; uma frustração trabalhista; uma situação de luto... a crise vêm à tona. E, com as questões não resolvidas, nem mesmo a ocupação poderá nos livrar.
De fato, assim que o homem percebe que não conseguiu dar razões objetivas para sua vida, a depressiva constatação o leva ao desespero. Estão todos os homens que não lidaram com esta questão, os postergadores, sujeitos a tal destino. E, a bem da verdade, Doistoiévski capta muito bem, no 'Recordação da Casa dos Mortos', a idéia de que, se não conseguimos captar um sentido para nossas ações, perdemos a motivação em fazê-las. Antes de expor o trecho, precisamos contextualizar o leitor. O livro relata recordações anotadas de um detento, em uma prisão na Sibéria, chamado Alexandr Petrovich Gorjantchikov. A porção destacada diz respeito a suas reflexões a respeito do trabalho dos detentos:
Certa vez estive a pensar: para se aniquilar um ser humano livre, castigá-lo sem nexo, ou, em vez de um homem livre, se se quisesse fazer um facínora virar um covarde com a só idéia de trabalho, bastaria que àquele e a este se dessem trabalho do caráter mais absurdo e inútil possível. .Os trabalhos forçados das organizações penitenciárias ou de degredo, por menos interesses imediato e individual que apresentem para o detento, pelo menos significam um trabalho que há de beneficiar outrem, digamos assim, e cuja realização tem uma lógica utilitária. O forçado durante o trabalho se considera operário provisório, é pedreiro, abre alicerce, mistura cal, cimento, terra, levanta parede, serra, corta; nisso se aplica, tem um plano a cumprir e ultimar. Não raro se interesse, capricha, colabora. Mas se em tuas horas de tarefa lhe ordenassem levar água dum depósito para outro até enchê-lo, depois esvaziá-lo, indo encher o que antes esvaziou; ou fosse desfiar areia num crivo, ou transportar terra de um canto para outro, depois transferi-la de novo para o local anterior, estou em mim que isso, aquilo ou aquiloutro, ao cabo de uma semana, se tanto, o irritaria a tal ponto que preferiria se enforcar ou então cometeria desatinos de possesso, não aturando tal vilania nem tormento. Essa espécie de castigo seria insensatez hedionda, tortura macabra e inutilidade perversa afetando não só a vítima como os mandantes. (DOSTOIEVSKI, p.21).

BIBLIOGRAFIA

CORTELLA, Mario Sergio. Qual é a Tua Obra? Petrópolis: Editora Vozes, 10. ed., 2010, 144p.
CRAIG, William Lane Craig. A veracidade da fé cristã: uma apologética contemporânea. Tradução de Hans Udo Fuchs. São Paulo:Vida Nova, 2004. 309 p.
DOSTOIEVSKI, F. Recordação da Casa dos Mortos. Tradução de José Geraldo Vieira. Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 3 ed., 1988, 267p.
GOETHE, Johann Wolfgang. Os sofrimentos do Jovem Werther. Tradução de Leonardo César Lack. São Paulo: Abril, 2010, 176p.
MCGRATH, Alister E. Apologética Cristã no Século XXI: ciência e arte com integridade. Tradução de Emirson Justino e Antivan Guimarães. São Paulo: Editora Vida, 2008, 368p.
VOLTAIRE. Cândido. Tradução de Marcos Araújo Bagno. São Paulo: Nova Alexandria, 1995, 136p.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Aprenda a Ler a Bíblia: Qual a relevância dos grandes homens do passado?




Permitam-nos citar Machado de Assis. No livro 'Esaú e Jacó', os gêmeos Pedro e Paulo adotam posições políticas conflitantes, desde moços, e arma-se um 'pé de guerra'. Certa feita, cada um compra um quadro com um representante de suas posições políticas (Pedro de Luis XVI, e Paulo de Robespierre) e pregam na cabeceira de suas respectivas camas. Crianças que eram, acabaram por destruir o quadro um do outro. A mãe, intentando uni-los (aqui e em todo o livro), vale-se do seguinte argumento (que, finalmente, é pertinente a este artigo): "Não quero ouvir rusgas nem queixas. Afinal, que têm vocês com um sujeito mau que morreu há tantos anos?" (p.104).
Tal se dá o pensamento de muitas pessoas em relação aos grandes nomes do passado. Muitos questionam-se, alguns com pedantismo e petulância, sobre o valor de se saber o que, por exemplo, Calvino, Lutero, Agostinho e tantos outros fizeram. Entendem, estes, que tudo isto não passa de conhecimento fútil. Por isso, colhi algumas falas de sábios, santos e competentes pensadores mais próximos a nós, para demonstrar quão maligna é esta constatação. Olhemos seus discursos. Nosso interesse, em particular, foca-se na compreensão das Escrituras. Na nota número dois deste artigo: http://panaceiateoreferente.blogspot.com.br/2013/06/aprenda-ler-biblia-parte-3.html, falamos sobre a busca por assistência na compreensão de algum texto. É isto que justificaremos com este artigo.

Primeiro, vejamos Robert Letham, doutor em Teologia Histórica, falando, em seu livro 'A obra de Cristo', sobre a importância de se observar o que outras pessoas, no decorrer da história, disseram sobre a Obra de Cristo (e as recomendações, claro, valem para todo assunto). Letham, pois, nos chama a atenção para dois fatores. "Em primeiro lugar, estaremos enganados se pensarmos que podemos ler a Bíblia somente por nós mesmos. Toda interpretação das Escrituras é construída sobre o que aconteceu antes de nós. No século 19, um pequeno grupo dos Estados Unidos decidiu abandonar o ensino histórico das Escrituras e estudar as Escrituras por si mesma, partindo do básico. Esse grupo publicou uma revista com o resultado dos seus estudos, chamada Studies in the Scrptures. E assim nasceu a seita conhecida como as Testemunhas de Jeová.*¹ [...] Como podemos ver, as Testemunhas de Jeová não fizeram nada verdadeiramente novo; elas apenas reproduziram as heresias do Arianismo do século 4º*². Em segundo lugar, se depreciarmos as dificuldades passadas da igreja, não estaríamos nós cheios de orgulho? Não seria talvez o caso de estarmos tão envolvidos com o que o Espírito Santo esteja nos mostrando agora que nós prestamos pouca atenção ao que ele mostrou a outros? Parte da razão pela qual a tecnologia tem avançado tanto hoje é porque ela possui uma base de um longo período para se apoiar. Ela não tem tentado reinventar a roda!" (p.18).
Roy B. Zuck também nos ajuda a entender a questão: "Quando você está dirigindo um carro, precisa ficar atento a toda a sinalização rodoviária. Algumas placas servem para advertir [...]. Outras mostram a direção [...]. Já outras placas são meramente informativas [...]. De forma semelhante, o entendimento de como pessoas e grupos interpretavam a Bíblia antigamente pode funcionar para nós como uma espécie de sinalização, advertindo, conduzindo e informando. Como placa de advertência, o estudo da história da interpretação bíblica pode ajudar-nos a enxergar os erros que outros cometeram no passado e suas consequências [...]" (p. 31).
Paul Washer também tem algumas palavras a dizer sobre o assunto. Na pregação 'O Evangelho Segundo Jesus Cristo', ele faz sobejos elogios à teologia histórica (o que o doutor em Teologia Histórica que ao seu lado estava, dr. Héber Carlos de Campos Júnior, deve ter aplaudido e regozijado dentro de seu coração). Suas palavras foram que uma das grandes necessidades da Igreja hodierna, e uma imprescindibilidade dos aspirantes ao ministério, é que seja conhecida a história da Igreja. "Como cristão, você não pode se separar de dois mil anos de história da Igreja Cristã. A sabedoria não nasceu com você e não vai morrer com você [...]. Há inúmeros santos que viveram antes de você, e Deus usou muitos deles para mudar o mundo [...]. Você deve estudar a Escritura, e a Escritura tem que estar acima de todas as coisas. Mas quero que você aprenda a estudar a Escritura no contexto da cristandade, no contexto de dois mil anos de história em que homens e mulheres estudaram as Escrituras". Então ele dá um exemplo sobre o estudo do texto que estava pregando (1 Coríntios 15). Ele fala de um preparo relacionado à análise do texto, inclusive, se formos capazes, nas línguas originais e tudo o mais. E, então, após concluída nossa interpretação do texto, surge a questão: "como posso saber que realmente entendi este texto? [...] Uma vez que eu interpretei o texto, volto para a história da Igreja, e me pergunto: será que mais alguém interpretou este texto como eu, ou será que minha interpretação é nova comigo? Se ninguém repetiu a interpretação que faço do texto, então provavelmente estou errado. Se todos os santos através das eras estão em acordo e todos discordam de mim, eu provavelmente estou errado".
Por fim, é bom considerarmos as sugestões de Louis Berkhof sobre o assunto. Ele está a versar sobro o uso correto dos comentários. Colhamos algumas palavras: "Ao procurar explicar uma passagem, o intérprete não deve recorrer imediatamente ao uso dos comentários, uma vez que isso pode impedir toda a originalidade no início, envolver uma grande quantidade de trabalho desnecessário, e ainda resultar numa confusão inútil. [...] Seu trabalho será bastante facilitado se ele abordar os Comentários, tanto quanto possível, com questões definidas na mente. [...]... quando ele [o intérprete] consulta os comentários com uma certa linha de pensamento em mente, estará mais bem preparado para escolher entre as opiniões conflitantes que pode encontrar. Caso tenha sucesso em dar uma explicação aparentemente satisfatória sem a ajuda de comentários, é aconselhável que compare sua interpretação com a de outros. E, se descobrir que sua interpretação é contrária à opinião geral em algum ponto particular, deve ter a sabedoria de cobrir cuidadosamente aquele campo mais uma vez para ver se considerou todos os dados e se suas inferências estão corretas em cada aspecto. Ele pode detectar algum erro que irá compeli-lo a rever sua opinião. Mas se achar que acada passo que deu está bem fundamentado, então deve sustentar sua interpretação a despeito de tudo o que os comentaristas possam dizer" (p.84-85).
Isto não é negar o 'sola scriptura', como observa o reverendo Augustus Nicodemus no vídeo 'A Inerrância da Bíblia'. É observado que Sola Scriptura não quer dizer que não aproveitamos a teologia produzida pela igreja, e sim que a Bíblia é a autoridade final sobre o assunto. Os reformadores afirmavam, por este slogan, que a Bíblia seria a base para a reflexão teológica.

Portanto, a interpretação saudável e o mais exata possível de um texto pede uma consideração à produção histórica, ao que já fora feito por nossos irmãos que nos antecederam no decorrer da história.*³ Vale notar a máxima que justifica o estudo da história: o estudo da história serve para que aprendamos com o passado, repetindo seus acertos, evitando seus erros, e, finalmente, para que entendamos a situação atual. Tais questões se aplicam ao estudo da história do pensamento cristão, e, particularmente, à ampliação de nossas competências para compreender a Bíblia.

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*¹ Empreitada semelhante fez surgir os Adventistas do Sétimo Dia.
*² O teólogo Franklin Ferreira, em aula, neste ano de 2013, no Seminário Martin Bucer, observou que o estudo da Teologia Histórica é importante pelo fato de que, após dois mil anos de história do pensamento cristão, não há muito mais coisas para se descobrir.
*³ Se julgarmos preciso que ampliemos o assunto, elucidando, iluminando e ilustrando a questão, o faremos em outro texto.
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BIBLIOGRAFIA
ASSIS, Machado de. Esaú e Jacó. Fixação de texto, notas e posfácio de Pedro Gonzaga; coordenação editorial, biografia do autor, cronologia e panoramo do Rio de Janeiro por Luís Augusto Fischer. Porto Alegre: L&PM, 2012, 272p.

BERKHOF, Louis. Princípios de Interpretação Bíblica. Tradução de Denise Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2 ed., 2004, 144p.

LETHAM, Robert. A Obra de Cristo. Tradução de Valéria da Silva Santos. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, 272p.

LOPES, Augustus Nicodemus. A Inerrância da Bíblia. http://www.youtube.com/watch?v=91QHD5EdCzM, acessado em 06 de Setembro de 2013.

WASHER, Paul. O Evangelho Segundo Jesus Cristo. http://www.youtube.com/watch?v=CNEfQdVjFqw, acessado em 06 de Setembro de 2013.

ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica. Tradução de Cesar de F. A. Bueno Vieira. São Paulo: Vida Nova, 1994, 360p.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Maldito Clichê

Uma das misérias, das patologias linguísticas, que mais me causa repulsa é o tal do clichê. O clichê extraí da palavra seu significado, deixando apenas um vestígio do que esta palavra, de fato, evocava outrora. Quando uma palavra ou expressão se torna clichê, podemos decretá-la, praticamente, morta. É o uso leviano da palavra. Aliás, acredito que o uso leviano, a popularização de expressões sem que se conheça, de fato, seu significado, é a gênese dos clichês.
A alternativa é procurarmos sinônimos, para resgatarmos o valor das vítimas desta mazela linguística. Mais um problema que a ignorância nos trás...
Eu odeio clichês!

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Aprender a Ler a Bíblia (Parte 6)


Olharemos, nesta lição, formas equivocadas de se interpretar a Bíblia. Esperamos que, ao final de nossa reflexão, aqueles que se valem das técnicas erradas por nós, aqui, destacadas, as abandonem, para o bem de suas próprias almas.
Ao interpretarmos a Bíblia, deveremos adotar o método de interpretação literal. Com esta afirmação, queremos fechar as portas para o método alegórico. O que tudo isso quer dizer? Primeiro, não quer dizer 'literalizar' tudo, ignorando o fato de haver figuras de linguagem. A Bíblia está repleta de figuras de linguagem, e a interpretação literal admite isto*¹. Interpretação literal significa entender literalmente o que as palavras denotam, ao invés de buscar conotações. 
Podemos esclarecer. Quando olhamos para a seguinte frase: "Como eu não tinha o que fazer ali na oficina e devia voltar para o presídio, me despedi de Akimitch e vim acompanhado por um soldado" (DOSTOIEVSKI, p.31), recebemos algumas informações. Lembrando-nos que o livro fala sobre um presidiário na Sibéria*², podemos, facilmente, deduzir que o protagonista referia-se a uma oficina (literal) que os presos trabalhavam; e que voltou para um presídio literal; com um soldado literal. Ou seja, entendemos exatamente o que foi descrito.
Já os que advogam a interpretação alegórica, poderiam querer entender as palavras todas como metáforas (e afins), ou seja, entenderiam que as palavras não correspondem ao que elas normalmente querem dizer. Oficina é um símbolo para, digamos, lugar onde se produz algo. Presídio é o local de enclausuramento. Soldado é alguém que ajuda na manutenção de impedir a liberdade (estamos tentando alegorizar). Logo, alguém desta estirpe poderia dizer que Alexandr Petrovitch (o protagonista do enredo) estava, na verdade, fazendo uma auto-descrição psicológica, onde a oficina seriam os pensamentos; o presídio seriam as emoções; e o soldado seria, talvez, o pudor, ou as normas sociais. Outra possível alegorização seria dizer que Petrovitch estava fazendo uma reflexão antropológico-filosófica platônica, onde oficina seria o mundo das idéias; o presídio seria o corpo humano; o soldado seriam as leis que regem o universo e o conduz de volta ao mundo físico.
E, assim por diante, a interpretação alegórica permite-nos, por meio de manipulações subjetivas no significado do texto, fazer qualquer tipo de interpretação. Ou seja, "a alegorização passa a ser arbitrária. É um processo que carece de objetividade e que não refreia a imaginação" (ZUCK, p.53). Perde-se a objetividade na própria comunicação. Imagine como seria se alegorizássemos tudo o que ouvíssemos. Entenderíamos, então, tudo conforme gostaríamos de entender, e instauraríamos o caos comunicativo.
Há, ainda, outros métodos não literais de interpretação. Os cabalistas do século 12 podem ser tomados como arquétipos para ilustração. Entendiam que o sentido 'não-literal', 'misterioso', 'oculto', era a verdadeira revelação da parte de Deus. Berkhof nos informa: "Na sua tentativa de desvendar os mistérios divinos, valiam-se dos seguintes métodos: a. Gematria, de acordo com a qual podiam substituir uma dada palavra bíblica por outra que tivesse o mesmo valor numérico*³; Notarikon, que consistia em formar palavras pela combinação das letras iniciais e finais ou considerando cada letra de uma palavra como a letra inicial de outras palavras; e c. Temoorah, que denotava um método de criar novos significados pela permuta de letras" (BERKHOF, p.15-16).
Por que não adotamos nenhum destes métodos? Ora, ao observarmos que a Bíblia foi escrita por homens (embora inspirados por Deus; assunto de outras reflexões), em linguagem, portanto, humana; dirigida a outros homens; não há um porquê para não buscarmos o sentido literal. "Isto indica que a Bíblia não foi escrita num código misterioso para ser decifrado por meio de alguma fórmula mágica. Como foi escrita nas línguas do povo (hebraico, aramaico e grego), não precisava ser decodificada, decifrada nem traduzida. Quem a lia não precisava procurar nas entrelinhas um significado 'mais profundo' ou fora do normal" (ZUCK, p.72).
Primeiro, não existe evidência alguma de que os autores intentaram camuflar suas verdadeiras mensagens por meio dos textos bíblicos. Quando Paulo escreveu: "É necessário, portanto, que o bispo seja irrepreensível, esposo de uma só mulher...etc." (1 Timóteo 3:2), não há motivos razoáveis para pensarmos que ele não estava, de fato, dando as qualidades que um bispo deveria ter.
Além disso, se os autores tiveram esta intenção, o que produziram para ocultar sua verdadeira mensagem foi, de fato, sublime. As verdades que comunicaram literalmente são excelsas! Não podem ser ignoradas. E o pior, a idéia de que produziram uma mensagem nesse formato oculto fica, praticamente, impossível de se engolir uma vez que temos autores diferentes falando de verdades semelhantes, e até mesmo citando uns aos outros buscando e alegando um único significado, objetivo, para os textos referidos (o que a interpretação alegórica torna inviável, pois não é possível, nela, justificar o uso exclusivo de uma conotação, isto é, da atribuição simbólica de significado).
Concluímos, pois, que as interpretações não-literais, além de serem, em si mesmas, irracionais e sem justificativa, produzem, como efeito, uma subjetivização do texto, de modo que a Bíblia passa a dizer tudo aquilo que o intérprete quer, e não o que Deus quis dizer. Fujamos desta hermenêutica manca, que só tende a nos guiar por nossa própria (pseudo)sabedoria.

Em suma, podemos dizer que a alegoria entende que a linguagem literal não transmite a idéia a ser comunicada, mas que o texto apresenta outras informações, escondidas nas palavras que estão patentes. Cabe mais uma citação esclarecer:
"Se você dissesse para um auditório 'Atravessei o oceano desde os Estados Unidos até a Europa', não ia querer que eles interpretassem sua afirmação como se você tivesse atravessado os mares revoltos da vida e chegado ao porto de uma nova experiência. Da mesma forma, nenhum jornalista que escrevesse sobre a fome predominante num país como a Índia gostaria que a notícia fosse interpretada como se os indianos estivessem experimentando uma enorme fome intelectual" (HENRICHSEN apud ZUCK, p. 73).
E é exatamente o não desejado apontado pelo texto que a alegoria faz. O significado literal é descartado, e um significado oculto é colocado como se fosse o verdadeiro e único significado.
Tomaremos o sermão do reverendo Natanael Moraes, na Igreja Central de Patrocínio, no dia 03 de Agosto, como exemplo do que é fazer uma aplicação sem alegorizar. Seu sermão foi baseado em 1 Reis 19. Em suma, podemos resumir o que se passa neste capítulo da seguinte forma: Elias havia matado os profetas de Baal no famoso evento no Monte Carmelo. Depois disto, Jezabel, muito irada, jurou que mataria a Elias. Este ficou com medo, fugiu, deixando seu moço em Berseba, e indo ao deserto refugiar-se. Lá, pediu a morte a Deus, aparentemente exausto de seu labor. Um anjo aparece, o acorda, e o ordena que comesse. Elias vê que havia algo preparado para ele, come, e volta a dormir. O anjo tornou a aparecer, e o processo repetiu-se, mas, desta vez o anjo o ordenou a se levantar, pois ele tinha um longo caminho a percorrer. Elias comeu e bebeu, e caminhou, com a força daquela comida, por quarenta dias e quarenta noites, até o monte Horebe. Lá ele passou a noite. Veio-lhe, então, a palavra do Senhor questionando sua estada ali. Elias responde que fora zeloso, e queixa-se de Israel pela apostasia, e teme por sua exterminação, como aconteceu aos outros fiéis a Deus. Deus lhe manda que ele saísse, e, após uma ventania; um terremoto; e fogo, veio um 'cicio tranquilo e suave', o qual, o vendo, sai Elias da caverna. Deus novamente lhe pergunta sobre o que ele fazia ali, e ele torna a dar a mesma resposta, enfatizando seu zelo pra com o Senhor (v.14, notar o 'extremo' antes de zeloso). Deus então lhe dá algumas recomendações, mostrando a Elias que ele não conhecia os planos de Deus, nem que Deus havia preservado sete mil crentes que não haviam apostatado; e que Deus estava preparando sucessores para o trabalho de Elias. Este é o texto, do verso 1 ao 18, em forma resumida.
O reverendo Natanael destacou que Elias, fugindo de seu problema, entrou em uma caverna, e lá refugiou-se, aparentemente depressivo e, não havendo indicação alguma do contrário, ainda desejando a morte (cf. v.4). De forma ANÁLOGA, e não ALEGÓRICA, o reverendo observou, metaforicamente, que por vezes nos encontramos em cavernas, ou seja, nos encontramos em situações de desespero e angústia, e buscamos nos esconder, e nos refugiar, desesperados e desesperançosos. É importante notar que o texto, se fosse alegórico, diria que, na verdade, Elias não foi para uma caverna, nem que este evento aconteceu, mas que, na verdade, o texto significa alguma outra coisa. Na aplicação, nos valemos da interpretação adequada e literal, entendendo que, de fato, Deus tirou Elias da depressão e de sua fuga, e observando que tal se dá, muitas vezes, conosco. Embora não entremos em cavernas, literalmente, nos refugiamos e ficamos depressivos. Esta é uma analogia válida.
Por outro lado, percebam esta alegoria que MacArthur destaca:
"Um famosos pregador carismático, com quem tenho conversado com frequência, pregou uma série de sermões sobre o livro de Neemias. À medida que ele ensinava, todos os pontos do livro representavam algo diferente ou significavam alguma coisa simbólica. Eis algumas [sic.] de seus ensinos: As muralhas de Jerusalém estavam arruinadas, e isso dá a entender as muralhas destruídas da personalidade humana. Neemias representa o Espírito Santo, que vem para reedificar as muralhas da personalidade humana. Quando se refere ao açude do rei (Ne 2.14), esse pastor afirma que o açude simboliza o batismo do Espírito Santo e, a partir disso, continua ensinando sobre importância de falar em línguas" (p.115).
O problema é que, como nota MacArthur, o "livro de Neemias não tem nenhuma ligação com as muralhas da personalidade humana, com o batismo do Espírito ou com o falar em línguas" (p.115). Isto é alegoria. Os pontos de analogia foram forçados. Não existiam numa interpretação natural. Mas surgem, do nada, na interpretação alegórica.

Portanto, reafirmamos o nosso ponto. A alegoria é uma forma perigosíssima de interpretação. Ela foge do texto, e impõe a ele coisas que ele não diz, nem explícita nem implicitamente. Fujamos desse equívoco. Que isto sirva de lição sobre como fazer aplicações corretas.

BIBLIOGRAFIA


BERKHOF, Louis. Princípios de Interpretação Bíblica. . Tradução de Denise Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2 ed., 2004, 144p.
DOSTOIEVSKI, F. Recordação da Casa dos Mortos. Tradução de José Geraldo Vieira. Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 3 ed., 1988, 267p.
LADD, George. Apocalipse: introdução e comentário. Tradução de Hans Udo Fuchs. São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 2 ed., 1982, 224p.
MACARTHUR JR, John. F. O Caos Carismático. Tradução de Rogerio Portella. São José dos Campos: Editora Fiel. 395p.
ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica. Tradução de Cesar de F. A. Bueno Vieira. São Paulo: Vida Nova, 1994, 360p.

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*¹ Estudaremos, se Deus permitir, sobre figuras de linguagem numa reflexão posterior.
*² Aqui, inevitavelmente, já tocamos em outros pontos da hermenêutica, que, também, noutro momento, pretendemos estudar. A saber, estamos nos referindo da interpretação à luz de seu contexto.
*³ Já houveram tentativas de interpretar Apocalipse 13:18 (o número da besta) desta forma. George Ladd descredibiliza tais tentativas em seu comentário ao livro de Apocalipse, p. 138-139.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Uma pequena evidência de quão estúpido é Richard Dawkins








Muito já se tem dito a respeito da ignorância de Dawkins a respeito de assuntos filosóficos e teológicos*¹. Muitos blogs existem para demonstrar a falta de honestidade intelectual que este senhor lida com questões tão importantes como a existência de Deus. Permitam-me apenas um pequeno acréscimo a todo o mar de evidências, num apontamento que a tempos já havia percebido.

Dawkins está a analisar a quarta via para a existência de Deus de Tomás de Aquino. Esta via diz:
“Encontra-se nas coisas algo mais ou menos bom, mais ou menos verdadeiro, mais ou menos nobre etc. Ora, mais e menos se dizem de coisas diversas conforme elas se aproximam diferentemente daquilo
que é em si o máximo [...] Existe em grau supremo algo verdadeiro, bom, nobre e, conseqüentemente o ente em grau supremo, pois, como se mostra no livro II da Metafísica, o que é em sumo grau verdadeiro, é ente em sumo grau [...] Por outro lado, o que se encontra no mais algo grau em determinado gênero é causa de tudo o que é desse gênero (...) Existe então algo que é, para todos os outros entes, causa de ser, de bondade e de toda a perfeição: nós o chamamos Deus”*²


Richard Dawkins diz que este argumento é ruim, pois, faz com que todo adjetivo, mesmo os pejorativos, tenham que encontrar um superlativo em Deus. Suas palavras são: "as pessoas variam quanto ao fedor, mas só podemos fazer comparação pela referência de um máximo perfeito de fedor concebível. Tem de haver, portanto, um fedorento inigualável, e a ele chamamos Deus" ('Deus, um delírio', p. 90, no e-book).


A isto Sproul já nos havia advertido: "Pode ser contra-argumentado que, se isso é verdade, Deus também teria de ser máxima ou perfeitamente mau - para explicar os graus relativos de maldade no mundo. Por isso foi fundamental que Tomás, seguindo Agostinho, tenha definido o mal em termos de privação e negação. O padrão fundamental pelo qual temos de julgar o mal não é o mal máximo, mas a perfeição máxima" ('Filosofia para iniciantes', p. 75).

As, Dawkis vacila por não perceber que os graus de fedores existem como negações dos graus de bons aromas. Um vacilo digno de alguém nada versado em filosofia... e o pior, um vexame para alguém que publica um livro sem conhecer sobre o assunto.

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*¹ Dentre eles temos A. Flew e Alvin Plantinga.
*² Tirei as citações deste artigo: http://filosofante.org/filosofante/not_arquivos/pdf/Cinco_Vias.pdf

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Aprender a Ler a Bíblia (Parte 5)


Até aqui temos bagagem suficiente para já termos começado a ler a Bíblia. O que tratamos no primeiro, terceiro e quarto artigo sobre aprender a ler a Bíblia foram as noções básicas da hermenêutica. Noções estas que todo crente deveria e é capaz de reter. É imprescindível que a Igreja aproprie-se destas lições e comece, o quanto antes, a ler a Bíblia.
Seguiremos agora com regras mais técnicas, que aperfeiçoarão as habilidades dos leitores como intérpretes das Escrituras. Nesta lição, aprenderemos sobre o que Agostinho cunhou de 'Analogia da Fé'.

Na verdade, este item deveria ser tratado após traçarmos considerações sobre o método gramático-histórico*¹. Todavia, pode muito bem ser trazido à baila sem prejuízo à formação hermenêutica dos leitores. Antes, só tem a nos esclarecer, iluminar.
Este princípio, o da analogia da fé, deriva-se do fato de termos alguns pressupostos quanto as Escrituras. Entendemos que, embora sejam produção humana, são, também (e precipuamente), obra de Deus. Foram doadas pelo Espírito, que iluminou e inspirou a mente de seus autores, conferindo-lhes informações e garantindo precisão e fidelidade*². Sendo assim, toda a Bíblia é, ulteriormente, obra de um só autor, o Espírito de Deus. Como ele é infalível e inerrante, tal é sua produção. Um corolário, pois, é que há uma unidade intrínseca na Palavra de Deus. Todas as partes concordam umas com as outras, e o entendimento de um particular, de uma seção, deve se harmonizar com o todo das Escrituras.
Alguns pensadores cristãos ampliam o conceito para que compreendamos. Comecemos por Zuck: "A Bíblia não se contradiz. [...] As passagens que aparentemente contêm discrepâncias precisam ser interpretadas à luz da harmonia das Escrituras. [...] Como a Bíblia é  coerente, suas passagens obscuras e secundárias devem ser interpretadas com base em trechos claros e principais. [...] outra consequência da unidade das Escrituras é que muitas vezes, a Bíblia interpreta a si mesma" (Zuck, p.83-84). Ferreira e Myatt, bem como Zuck, reportam a Calvino e Lutero os méritos por enfatizar tal aspeco da interpretação bíblica, e, semelhantemente, afirmam: "A Escritura é sua própria intérprete, por isso os textos menos claros da Escritura devem ser interpretados à luz dos textos mais claros, sempre conferindo textos paralelos que tratam do mesmo assunto" (FERREIRA; MYATT, p.43).
Geisler e Howe, no elucidante 'Manual Popular de Dúvidas, Enigmas e 'Contradições' da Bíblia', no começo do livro, expõem alguns erros clássicos que encerram equívocos mortais em relação à perspectiva sobre as Escrituras. A nós cabe observar os erros 5 e 6, que são pertinentes à nossa presente reflexão.
O erro 5 é: "deixar de interpretar passagens difíceis à luz das que são claras", e o autor da exemplos de como harmonizar textos*³. O erro número 6 é: "basear um ensino numa passagem obscura". O autor menciona o fato de que há passagens difíceis de se entender por conta de palavras-chave do texto não aparecerem em outro lugar; ou por causa da distância cronológica e cultural que estamos do texto, de modo que não sabemos ao que o autor está se referindo. Portanto, quanto estivermos lendo um texto, e não compreendermos uma passagem em particular, ou ser ela de difícil entendimento, devemos nos precaver para não tirar conclusões precipitadas. Devemos olhar para o resto das Escrituras e, assim, formular doutrinas e ensinamentos.
Na medida em que formos lendo mais da Bíblia, devemos ir revisando nossas convicções doutrinárias. Certamente, é impossível ler as Escrituras sem algumas convicções básicas já formuladas. Porém, devemos ser fiéis à Bíblia, e, assim, temos de estar prontos a reformular nossos pensamentos à luz do que vamos descobrindo na medida que estudamos a Palavra. Tal consideração, também, nos torna mais humildes em relação ao que sabemos. Na medida em que conhecermos mais da Palavra teremos condições de afirmar com mais convicção as doutrinas que percebemos.
Meditem e apreendam esta lição, pois usaremos dela para esclarecer outras. No mais, a ilustração de Packer é excelente para finalizar este artigo:
"“A Bíblia assemelha-se a uma orquestra sinfônica, e o Espírito Santo é o maestro. Cada músico foi levado voluntária, espontânea e criativamente a tocar as notas como o grande maestro desejava, apesar de nenhum deles ser capaz de ouvir a música de forma integral... O valor de cada parte torna-se completamente evidente quando visto em relação a todo o restante” (PACKER apud MACARTHUR, p.120).

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*¹ "Muitos escritores de Hermenêutica acham que as interpretações gramatical e histórica preenchem todos os requerimentos para a interpretação adequada da Bíblia. Eles não consideram o caráter teológico especial dessa disciplina. Há outros, no entanto, que são conscientes da necessidade de se reconhecer um terceiro elemento na interpretação da Escritura" (BERKHOF, p.101).
*² Os seguintes textos são importantes e suficientes: 2 Timóteo 3:16 diz que 'Toda Escritura é inspirada por Deus'; 2 Pedro 1:20-21 diz que "nenhuma profecia da Escritura provém de particular elucidação", e que não vieram de vontade humana, mas os homens falaram movidos pelo Espírito Santo; Judas 3 diz que a fé (e aqui fé se refere ao escopo, o conteúdo doutrinário) foi entregue, (ou seja, dada, doada), aos santos.
*³ Um exemplo digno de nota é a possível contradição entre Tiago e Paulo. "Tiago parece estar dizendo que a salvação é pelas obras (Tg 2:14-26), ao passo que Paulo ensinou com toda a clareza que é pela graça (Rm 4:5; Tt 3:5-7; Ef 2:8-9). Neste caso, Tiago não deve ser interpretado de maneira a contradizer Paulo. O apóstolo Paulo está falando da justificação perante Deus (o que é pela fé somente), ao passo que Tiago está se referindo à justificação perante os homens (que não têm como ver a nossa fé, mas somente as nossas obras" (GEISLER; HOWE, p.21).
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BIBLIOGRAFIA
BERKHOF, Louis. Princípios de Interpretação Bíblica. Tradução de Denise Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2 ed., 2004, 144p.
FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007, 1220p.
GEISLER; Norman; HOWE, Thomas. Manual Popular de Dúvidas, Enigmas e “Contradições” da Bíblia. Tradução de Milton Azevedo Andrade. São Paulo: Mundo Cristão, 1999, 582p.
MACARTHUR JR, John. F. O Caos Carismático. Tradução de Rogerio Portella. São José dos Campos: Editora Fiel. 395p.
ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica. Tradução de Cesar de F. A. Bueno Vieira. São Paulo: Vida Nova, 1994, 360p.

[PS: Agradecimento especial às correções ortográficas de Ronaldo Vasconcelos]

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Aprenda a Ler a Bíblia (Parte 4)



Já estamos em vias de ser diretamente instruídos por Deus, por meio de sua Palavra. Os primeiros passos para a compreensão da Bíblia, o ato de ler, já foram iluminados na lição anterior. Já sabemos o que temos que fazer para uma leitura eficaz. Mas há mais a ser dito sobre isto.
Insistimos que reflitamos sobre os textos lidos. Não podemos, simplesmente, passar os olhos sobre eles e considerar que fomos alimentados pela Palavra de Deus. Isto é irresponsável, se não for blasfemo (querer enganar a Deus com atitudes externas, como as orações dos fariseus - Mateus 6:1-8). É preciso explorar o texto. Para fazer isto, traremos algumas dicas de investigação.
Após lido o texto, é interessante fazer algumas perguntas, trazer algumas questões para ele*¹. Para a interpretação, primeiro, temos que definir que tipo de texto é. Para uma epístola, ou um texto não-narrativo, temos perguntas específicas como: Quem está escrevendo? Pra quem se destina o escrito? Em que situação se encontram os destinatários? E o remetente? Qual o propósito do remetente ao escrever-lhes?*²
Para textos narrativos, histórias, temos outras questões: Quem está falando? Para quem se está falando? O que a(s) pessoa(s) a quem se fala está(ão) passando? Onde é que o evento está acontecendo? Quando o evento acontece?
Além destas questões, algumas outras questões para todo tipo de texto, que ajudam na aplicação do que foi lido são: Há algum exemplo a ser seguido ou evitado? Ensina-se alguma doutrina? Combate-se alguma doutrina? Há alguma promessa? Há algum mandamento? Há alguma exortação?
Nas primeiras devocionais, ao aplicar tais questões ao texto, podemos achar cansativa tal tarefa (ou até desnecessária). Com o tempo, nos acostumaremos a questionar o texto, de modo que teremos esta metodologia interrogativa automaticamente engatilhada em nossas mentes. Assim, vale a pena começar a explorar o texto com essas questões ao lado para, depois, com treino, fazê-las ao batermos os olhos no texto.
Alguém pode notar que tal questionário trará coisas demais para o momento devocional, e concluir que, evidentemente, a(s) questão(ões) que nos chamar(em) mais a atenção é(são) a(s) que devemos nos deter numa devocional. Não podemos, num momento devocional, lidar com todos os mandamentos; lições; exortações; exemplos; promessas e doutrinas que um texto apresentar. O problema com esta metodologia é justamente o de furtar-se, por exemplo, de lidar com um problema que acomete nossas vidas e que o texto apresenta. Talvez a solução seja explorar, com todas as questões, o menor número de versículos possíveis para que não encontremos coisas demais para uma reflexão.
Notem, com isto, que o desenvolvimento da leitura bíblica retarda um pouco, porém, torna-se muito mais profundo. Nós entendemos que vale a pena estudar a Bíblia desta forma. Demorar-se-á muito mais tempo para terminar de ler a Bíblia. Mas, após lê-la desta maneira, teremos aprendido muito mais do que aqueles que somente correram seus olhos por todo o texto e não colheram todo o tesouro.
Uma última dica nesta lição é para que se escrevam as devocionais. Compre um caderninho, ou faça no computador. Selecione o texto e escreva as resposta às questões. Produza, após o questionário, um pequeno texto de um ou dois parágrafos (quem sabe mais!). Faça tópicos sobre o texto para ajudar a relacioná-lo com outros que falam do mesmo assunto (que trazem exortações semelhantes; com mandamentos parecidos; com promessas do mesmo teor; que tocam na mesma doutrina... etc.).
Notar-se-á que a tarefa da leitura bíblica torna-se muito mais séria e envolvente. É mais do que parar cinco minutos e dar uma olhada, uma espiada nas Escrituras. Mas, afinal de contas, é a suprema e bendita revelação de Deus ao homem! Negaremos-lhe a dignidade de nos determos com temor e responsabilidade?
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*¹ Estas questões, com algumas alterações, foram aprendidas nas aulas de Homilética do Ibel com o Reverendo Gilson Altino da Fonseca.
*² A relevância e a forma de descobrir estas coisas serão tratadas numa próxima lição.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Aprenda a Ler a Bíblia (Parte 3)



Uma vez que eliminamos as barreiras psicológicas para o momento devocional (inclusive, pela escolha do texto de maneira responsável, o obstáculo da busca por somente aquilo que nos interessa), temos que aprender a nos voltar para o texto escriturístico. Esta reflexão trará mais algumas dicas úteis para que qualquer leitor interessado consiga fazer leituras bíblicas efetivas, e produza suas próprias devocionais. Nos deteremos na seleção do texto a ser meditado.
Pois bem, uma vez escolhido o livro que faremos nossas devocionais, devemos ir para o seu início. É preciso selecionar uma porção a ser lida por dia. Esta porção é escolhida de acordo com o tempo que cada um tem disponível para meditar. É preciso ter bom senso aqui. O texto deve ser lido; analisado; deve-se meditar nele (talvez até mais do que na hora); e, por fim, devemos orar, falar com Deus a respeito do que lemos. Portanto, separe somente uma parte do tempo para a leitura, e não ele todo.
Vamos supor que dispomos-nos de quinze minutos para as devocionais. Sugerimos, então, a leitura de, no máximo, três versículos como proposta. Porém, é bom ressaltar que estas considerações são apenas métodos para se organizar. Não são regras inflexíveis, como pretendemos mostrar.
Com a proposta de três versículos, devemos nos voltar para o texto. É nele que veremos, de fato, quantos versículos iremos ler. O importante é apanhar uma idéia completa. Se dois versículos forem suficiente para transmitir uma idéia, e os versículos posteriores mudarem o assunto, então devemos parar naqueles dois versículos. Porém, se a idéia completa estiver contida em sete versículos, leremos os sete sem problema algum. Mas devemos ter atenção aqui. Não queremos apanhar um número excessivo de informações, de modo que a meditação fique confusa num turbilhão de idéias. Para exemplificar, permitam-nos apresentar nossa própria experiência.
Estamos meditando, diariamente, como dissemos alhures, no texto de 1 Timóteo. No capítulo 6, versículos 6 a 10, Paulo trata de um tema geral único: a relação do crente com os bens materiais. Porém, ao invés de olharmos para todo esse texto, que trás uma miríade de conceitos, resolvemos nos deter com mais cuidado nos versos de 6 a 8. Ali ele fala sobre contentamento, e no verso 9 e 10 já começa a falar sobre amor ao dinheiro. Preferimos deixar os versos 9 e 10 para a próxima devocional. Os versos 6, 7 e 8 já bastam para meditarmos num dia.
Falaremos um pouco mais de nossa experiência, a título de ilustração. Quando meditamos em 1 Timóteo 3, se não nos falha a memória, olhamos os versos 1 a 7! Embora estejamos meditando em porções menores, este texto exigiu que pegássemos uma porção maior. Não há problema algum nisto.
Há, ainda, outra questão que não podemos deixar de mencionar. Lembremo-nos, como dito em reflexão anterior, que Pedro mesmo admitiu haver passagens difíceis de serem compreendidas (2 Pedro 3:15-16, especialmente verso 16). Às vezes nos depararemos com textos difíceis. Devemos, em oração, buscar fazer o máximo para compreendê-los. Esta empreitada é válida. Pode ser que fiquemos em dúvida sobre seu significado, ou sobre sua relação com outras questões que conhecemos*¹. Quando o texto não nos é decifrado de maneira alguma, nem conseguimos extrair qualquer reflexão sobre ele, devemos, sem receio, postergá-lo, pulá-lo por hora. Certamente não estamos aptos para entendê-lo ainda. Na medida que formos lendo mais a Bíblia e estudando mais doutrinas (nas Escolas Dominicais temos uma oportunidade singular para tal empreitada) teremos mais condições de interpretar e entender textos difíceis*². O autor deste texto mesmo já experimentou tal fenômeno. João 1:1-18 nos era obscuro por demais. Hoje, com um certo amadurecimento, já nos é um texto de deleite.
Mas, atenção, insistimos para que haja esforço para entender o texto justamente para evitar que pulemos textos que digam coisas que não gostamos e que, talvez, sejam justamente o que precisamos ouvir.
O grande lance é destacar alguma idéia, alguma informação bíblica que possa fazer parte de nossas reflexões e meditações. É isto que Deus tem pra nos dizer. E é a isso que devemos nos apegar e 'mastigar bem', para 'digerir' e crescer espiritualmente. Que Deus nos ajude na compreensão de sua Palavra!

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*¹ Em reflexão posterior, trabalharemos esta questão num tópico chamado 'interpretação teológica'.
*² Perguntar para alguém não faz mal. Em uma próxima reflexão, ensinaremos a busca por ajuda em comentários bíblicos. É interessante ficar atento às pregações dominicais para, quem sabe, ser iluminado quanto ao texto numa delas...

terça-feira, 18 de junho de 2013

Aprenda a Ler a Bíblia (parte 2)

Embora iremos ensinar regras de interpretação um pouco mais profundas do que, provavelmente, as que a maioria dos leitores estejam familiarizados, temos de antecipar nossas lições observando que a Bíblia é, em matéria de assuntos relacionados à salvação e aos princípios éticos gerais (via de regra), fácil de ser lida.
Ela mesma reivindica isto para ela. Porém, ela também reivindica ter suas dificuldades. Refletiremos sobre esta tensão neste estudo.
Bom, para começar, vamos observar, com Charles Hodge, sobre a perspicuidade (clareza) das Escrituras: "Paulo se alegrou que Timóteo fosse, desde a juventude, conhecedor das Santas Escrituras, as quais tiveram o poder de fazê-lo sábio para a salvação [2 Timóteo 3:14-15]. Disse ele aos Gálatas (1.8, 9): 'Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos termos [sic.] pregado, seja anátema'. Isso implica duas coisas - primeiro, que os cristão gálatas, o povo, tinham o direito de sentar-se no tribunal para avaliar o ensino de um Apóstolo ou de um anjo celestial; e, segundo, que tinham uma regra infalível pela qual esse juízo devia ser determinado, isto é, uma revelação de Deus previamente autenticada" (p.138-139). Portanto, é possível uma educação progressiva, desde a meninice, para que alguém torne-se sábio para a salvação; e a Igreja foi considerada por Paulo como apta para avaliar o ensino que lhe fosse trazido.
E, de fato, não é nada difícil compreendermos certas porções das Escrituras. Não há grandes dificuldades em olharmos, por exemplo, para as porções éticas no final das epístolas de Paulo. Qualquer um pode, por exemplo, pegar o capítulo 12 de Romanos e entender uma série de recomendações sobre como devemos viver. Também não é preciso ser um exegeta ou filósofo analítico para olharmos para João 14:6 ou Atos 4:12 para percebermos que não se pode encontrar reconciliação com Deus exceto por Cristo. Portanto, Berkhof observa com maestria que "as Escrituras não se dirigem exclusivamente, nem primariamente, aos oficiais da Igreja, mas ao povo que constitui a Igreja de Deus" (p.51). Fica, pois, estabelecido que cada indivíduo é responsável por si diante de Deus. "Examinais as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna, e são elas que de mim testificam" (João 5:39).
Porém, seríamos por demais levianos se parássemos nossa reflexão por aqui. Olhemos para o que Pedro diz: "E tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor; como também o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada;falando disto, como em todas as suas epístolas, entre as quais há pontos difíceis de entender, que os indoutos e inconstantes torcem, e igualmente as outras Escrituras, para sua própria perdição" (2 Pedro 3:15-16). Pedro admite que existem coisas difíceis de entender nas próprias Escrituras (e, é interessante observar que eles já tinham em conta os escritos neo-testamentários como sendo Escrituras também).
Roy B. Zuck, no começo de sua obra sobre hermenêutica, trás-nos luz sobre este assunto. Ele observa que o texto de Atos 8, versos 27 a 30 (sobre Filipe e o Etíope) demonstram que, às vezes, é preciso que alguém ensine, explique, esclareça uma porção das Escrituras (p.9-10). Outro exemplo pode ser visto nestas palavras: "Vários meses depois que Neemias concluiu a reconstrução dos muros de Jerusalém e os israelitas haviam-se instalado em suas cidades, o escriba Esdras leu para a congregação no 'livro da lei de Moisés' (os cinco primeiros livros da Bíblia). O povo havia-se reunido em frente à Porta das Águas (Ne 8.1). Esdras leu na lei desde o amanhecer até ao meio-dia (v.3). Os levitas também leran na lei em voz alta, 'claramente, dando explicações, de maneira que entendessem o que se lia' (vv. 7,8). Em consequência, todos do povo se alegraram-se, 'porque tinham entendido as palavras que lhes foram explicadas' (v.12)" (ZUCK, p.10).
Assim, é óbvio que existem, também, dificuldades para interpretar a Bíblia. É por isto que a Igreja foi agraciada com mestres. O Espírito outorgou o dom de ensinar, e isto está claro nas Escrituras (Romanos 12:7; 1 Coríntios 12:28; Efésios 4:11).
Não obstante, não são dificuldades insolúveis ou imperceptíveis para o 'leigo'. Com as demais reflexões, buscaremos desvendar-lhes os segredos da interpretação bíblica, e, em partes, sanar este problema da semi-obscuridade bíblica, mas não antes de lhes ensinar sobre como fazer uma devocional. Fiquem atentos, portanto, às próximas reflexões.
Lucio A. de Oliveira
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BIBLIOGRAFIA

BERKHOF, Louis. Princípios de Interpretação Bíblica. . Tradução de Denise Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2 ed., 2004, 144p.
HODGE, Charles. Teologia Sistemática. Tradução de Valter Graciano Martins. São Paulo:Editora Hagnos, 2001. 1777p.

ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica. Tradução de Cesar de F. A. Bueno Vieira. São Paulo: Vida Nova, 1994, 360p.