segunda-feira, 8 de junho de 2015

Afinal, quem REALMENTE são "os evangélicos"?



Alguns estimados amigos e irmãos apreciaram um texto com a graça "Afinal, quem são 'os evangélicos'?", do jornalista Ricardo Alexandre. O título é interessante e, para todo bom cristão, há um desejo muito grande de verem-se apartados, inclusive no 'imaginário popular', de vários charlatões e reconhecidos malfeitores que se valem da religião para promoverem seus interesses e a tornam deplorável para o olhar do mais vil secularizado hedonista. Assustou-nos o fato de o texto estar na Carta Capital, nada afeiçoada à confissão cristã. A junção desses elementos despertou-nos à leitura. Escrita agradável e bem desenvolvida ['muito distante das que se veem nos textos deste humilde escritor que vos fala', destacariam alguns que inclusive vieram nos falar pessoalmente a respeito da
nossa dificuldade de expressão segundo seus respectivos pontos de vista], trouxe lá sua contribuição. Ele pareceu-nos querer atacar, principalmente, a 'generalização' [leia o artigo aqui].
Ok, de fato, a generalização apressada é algo reconhecidamente imprudente. Entretanto, é preciso tomar cuidado para não abrir a definição a ponto dela deixar de ser isso mesmo que pretendia ser: uma definição*¹.O tio Ari poderá nos ajudar (e falamos do bom Ari, ou seja, aquele macedônio, estagirita, da Grécia Antiga, filósofo reconhecido; e não um velho nada douto e sapiente que arroga autoridade de teólogo nos nossos dias ou de um tal boca suja que também intitula-se 'pastor'...)*².
Quando queremos definir algo temos que, primeiro, identificar um gênero (no sentido de 'classe', 'grupo maior') a qual determinado objeto de investigação se encaixa e depois distingui-lo das demais espécies. Façamos o exercício.
'Evangélico', para começo de conversa, é uma religião, e, como tal, acredita em alguma força maior e nalguma relação do home para com tal ser superior. Não é, pois, ateísmo, agnosticismo ou deísmo. Também não é uma ideia política, embora possa implicar em política; não é o nome de uma família ou de uma empresa, embora algumas igrejas têm famílias que parecem comandá-las como se lhes pertencessem, e outras parecem, de fato, empresas... Esse é o primeiro gênero que devemos salientar: é uma religião. Óbvio de ser dito, mas, a título de completude, necessário.
Em seguida, temos que nos lembrar de que há uma pretensão pelos ditos evangélicos de serem seguidores de Cristo, i. é., cristãos. Portanto, supõe-se algum vínculo com a figura histórica de Jesus. Portanto, não é de tradição oriental, embora algumas práticas cheirem a práticas orientais, como, por exemplo, a confissão positiva. Não é de linha muçulmana. Não é budismo. Não é de linha ocultista, mística, tal como as religiões de origem africana, embora algumas que se dizem 'evangélicas' tenham mais elementos dessas religiões do que elementos tradicionalmente cristãos. É, em maior ou menor medida, uma religião vinculada à pessoa de Jesus.
Mas não é qualquer Jesus. Os muçulmanos falam de Jesus como um profeta e nada mais do que isso. Há quem o veja como um grande mestre moral, e tão somente isso. Há ainda aqueles que o encararão como um espírito perfeito, que, meio que por emulação, nos levará à prática do bem. Concepções cada vez mais distantes. Remontando uma tradição 'moderna' (no sentido estrito do termo, i. é., algo pouco depois do Renascimento, ou ali 'encostada'), intitulada de Reforma Protestante - que por sua vez reivindica associação à um movimento mais antigo ainda, i. é., a fé da Igreja Primitiva - a qual reclamava fidelidade última às Escrituras Sagradas, 'evangélicos' seriam aqueles que pautam sua fé sobre Cristo tão somente naquilo que diz a Bíblia sobre ele. Esse é, ao menos em teoria, o discurso. Na prática, sabemos que não é bem assim e, bom, eis um critério para vermos se de fato estamos diante de um evangélico: é sua fé sobre Cristo tal como ensinada na Bíblia? Caso não seja, esse subgênero já teria de excluí-lo daqueles que reivindicam ser evangélicos.
Uma religião cristã fundamentada tão somente nas Escrituras. Se não quisermos nos delongar até às
controvérsias fundamentalistas do início do século XX, e entender quando é, exatamente, que o termo 'evangélico' surge, essa definição que inicia o parágrafo é mais do que suficiente para que façamos a peneira. Se perdermos esse parâmetro para dizer que 'evangélico É tudo', teremos a correta conclusão de que o termo é, o mesmo tempo, 'nada'. E, de fato, quando usamos de 'universais', estamos a alegar que tal expressão nos traga à mente algum conceito. Se o conceito diz respeito a tudo e a nada, não é um conceito, e a palavra torna-se menos significativa do que um arroto ou a emissão de uma flatulência, que ainda comunicam a existência de alguma vida (ou, a depender do odor, algo próximo à morte...) dentro do indivíduo.
É interessante, da parte do autor do artigo, demonstrar que o termo já não evoca mais nenhum conceito. Nesse sentido, ele está corretíssimo. Quando se perde o universal como um gênero que inclui todas as caraterística supracitadas, ele passa a não significar nada, e a incluir no seu conjunto cada vez mais elementos distintos, até que não se possa mais classificar qualquer coisa com aquele termo. É por isso, aliás, que muitos preferem se intitular de forma alternativa, como 'reformados', e.g., ao invés de 'evangélicos', para não serem confundidos com algo que está muito longe de ter algum parentesco com o que acreditam.
Mas não podemos, por conta da confusão gerada pelo termo, abrir mão de qualquer definição precisa que o termo costumava denotar. E nisso o autor peca. É um texto na 'Carta Capital', como já observamos, e, claro, era de se esperar que viesse eivado de vaidade politicamente correta. Sem uma definição, e salientando os vários tipos de pensamentos divergentes no seio da igreja cristã, deu a entender que se pode nomear cristão de forma legítima com as mais variadas crenças e práticas, pois haverá 'uma igreja para você'. Se há alguma intenção boa aí, há também um péssimo conselho. E, para isso, é interessante versarmos também sobre a questão das diferenças de pensamento.
Bons teólogos, sensatos, piedosos e notáveis acadêmicos distintamente cristãos protestantes notaram que há um 'mínimo divisor comum' entre os movimentos verdadeiramente cristãos. Embora haja uma disputa grande a respeito de quais são todos os elementos inegociáveis, há pontos pacíficos, tais como a criação da parte de Deus, i. é., que Deus é o criador do mundo e de tudo que nele há; a perfeição ontológica de Deus (como bom, santo, sábio, justo, todo poderoso, todo conhecedor, presente em todos os lugares e assim por diante). Trindade (incluindo a divindade de Cristo e pessoalidade do Espírito Santo); os méritos da nossa salvação como pertencentes a Cristo por pagar, na Cruz, a pena que cabia ao homem; a ressurreição literal de Cristo e sua segunda vinda visível. Isso é ser cristão bíblico. Há diferenças em várias questões periféricas, mas nenhuma dessas crenças podem ser omitidas ou serem contraditas por alguma outra crença nova. Feito isso, temos que considerar que tal 'particular' está fora do conjunto que poderíamos chamar de 'evangélicos', conforme definimos acima. Em poucas palavras, entre as igrejas e denominações que a partir da própria Bíblia poderíamos considerar cristãs há mais pontos de convergência do que pontos de divergência. E é nesse espírito que se unem para adorar a Deus juntos. Até aí temos 'ecumenismo'. Fora dessas paredes estaremos falando de sincretismo.
Se não fizermos essa distinção, corremos o risco de sermos precipitados, descuidados e tolos. Poderíamos tomar como 'evangélico' aquilo que não é, tal como chamar de pintura tudo e qualquer coisa que alguém fizer diante de uma tela. Se não estabelecermos parâmetros, perderemos as condições para dizer o que é uma produção artística, e o que é apenas uma bagunça diante de um tale em branco, embora para o leigo - há de se confessar - pareça tudo a mesma coisa.
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*¹ Para uma melhor compreensão do texto, sugerimos a leitura a partir do subtema 'Os Cânones da
Lógica', que se encontra no seguinte artigo: Introdução à Lógica Aristotélica
*² Para quem realmente não pegou a piada, estamos falando de Aristóteles.

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