segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Biografia de Agostinho de Hipona


INTRODUÇÃO

Sproul, que é um tomista, faz a seguinte e impressionante declaração sobre Agostinho: "Ele foi o maior filósofo-teólogo cristão do primeiro milênio e talvez de toda a era cristã" (SPROUL, p. 58)! Num período controverso em relação às doutrinas cristãs, Agostinho foi fundamental. "Ele defendeu a ortodoxia cristã em embates teológicos terríveis com hereges, nas controvérsias donatista e pelagiana” (SPROUL, p. 59). Mas é Ronald Nash, um agostiniano ferrenho, fã declarado de Agostinho, quem elabora o melhor parágrafo para nossa introdução a Agostinho: “Sua obra é a ponte entre a filosofia antiga e o cristianismo primitivo aos padrões de pensamento da Idade Média. Sua obra é anda hoje um modelo para os pensadores cristãos que queiram usar o platonismo* como estrutura para suas visões de mundo e da vida. Muitas das ideias que receberam ênfase na obra dos reformadores protestantes foram antecipadas por Agostinho. Mas suas visões sobre a igreja e seus sacramentos desempenharam um papel importanto no desenvolvimento de doutrinas mais distintamente católico-romanas. Entre as áreas do pensamento cristão em que as ideias de Agostinho são ainda mais estudadas estão a relação entre fé e razão, o problema do mal, da graça divina e da predestinação, a doutrina da trindade e a filosofia da história” (NASH, p. 151-152). Portanto, tanto protestantes (particularmente os reformados) quanto católicos amam o santo bispo de Hipona. E agora nós veremos o porquê. Confessamos que ele é, para nós, o grande filósofo e expor seus pensamentos é fonte de grande alegria. Particularmente na soteriologia (Sproul nos lembra que ele ganhou a alcunha de 'doutor da graça' - SPROUL, p. 58) e epistemologia ele é apreciado distintamente pelos reformados.
Seu pensamento filosófico, entretanto, como o nota Joel Gracioso, é apreciado por ter influenciado a cultura ocidental de forma inalienável. Ele levantou questões que ninguém mais havia visto (e muitos ainda não vêem) e, direta ou indiretamente, influenciou uma vasta gama de pensadores. A Idade Média, em maior ou menor grau, pensou em Agostinho, mas podemos destacar Anselmo, por exemplo. Adiante, é inegável sua influência em Pascal, Kant, Kierkegaard e até Bergson, segundo Gracioso! Portanto, estudar Agostinho é obrigação para todo estudante sério de filosofia.

BIOGRAFIA

Aurélio Agostinho, ou 'Santo Agostinho', como é mais conhecido, nasceu em 354 d. C., “em Tagaste, numa província romana na África, hoje pertencente à Argélia" (CHALITA, p. 119). Sproul conta-nos que Tagasta ficava no território que era conhecido com Numídia (SPROUL, p. 58) e Nash completa dizendo que ficava no noroeste do que hoje chamamos de Argélia. Chalita também nos informa que Agostinho "muito jovem revelou uma inteligência notável, e por isso sue pai decidiu enviá-lo para estudar em Cartago (também no norte da África), onde teria uma melhor educação e a oportunidade de, posteriormente, seguir carreira na administração do Império Romano" (CHALITA, p. 119). Gaarder nos conta que tal ida à Cartago se deu aos dezesseis anos (GAARDER, p. 193).

Não seria demais notar que ele nasceu em pleno decadência do Império Romano*. A propósito, Nash faz uma breve mas pertinente elucidação histórico-cultural: "Séculos antes, a terra natal de Agostinho tinha sido parte do grande império cartaginês que quase conquistou Roma. Depois que Roma derrotou o exército cartaginês e seu general, Anível, Cartago foi romanizada cultural e linguisticamente, ainda que a linguagem do povo comum no dia-a-dia continuasse sendo o idioma púnico" (NASH, p. 152).

Sobre seus pais, ficamos sabendo que "o pai de Agostinho, Patrício, não era cristão durante a mocidade do filho e exerceu relativamente pouca influência sobre ele. Mas sua mãe, Mônica, era cristã devota e desempenhou papel importante na vida do filho, até mesmo durante os anos em que ele rejeitou o cristianismo materno" (NASH, p. 152). Chalita nos lembra que Mônica vivia a tentar levar seu filho para a Igreja: "[Mônica] por muitos anos tentou convencer o filho a abraçar a mesma fé" (CHALITA, p. 119).

Em Cartago, "Agostinho estudou literatura, filosofia e retórica. Sua paixão pelo pensamento filosófico foi então despertada pela leitura do livro Hortensius, de Cícero (106-43 a. C.) [...], um tratado que recomenda o estudo da filosofia como o caminho para se alcançar a verdade. Influenciado pelo pensador romano, Agostinho afirmava, nesse período de sua vida, que o ideal mais nobre a seguir era a vida contemplativa [...] deixar em segundo plano o trabalho manual e as preocupações práticas, para dedicar-se exclusivamente à pesquisa filosófica, à busca da verdade profunda de todas as coisas*” (CHALITA, p. 119).  Sproul se expressa, em termos muito semelhantes, da seguinte maneira: "Agostinho quando jovem manifestou um anseio extraordinário por conhecimento. Depois de ter lido Cícero com a idade de dezenove anos, Agostinho consagrou sua vida à busca da verdade. Passou por diferentes períodos de crescimento e revolta" (SPROUL, p. 58). Ou seja, os autores atestam sua aptidão e interesse pelo saber, com um autêntico filósofo (nos termos de Sócrates).
A propósito, para biografar Agostinho, é mister que relatemos sua trajetória intelectual. Gaarder nos lembra que "ele não foi cristão durante toda a sua vida. Antes de se converter, santo Agostinho pesquisou várias tendências filosóficas e religiosas" (GAARDER, p. 193). Gaarder também nos conta que ele era movido pelo incômodo da questão do mal no mundo: "O jovem Agostinho ocupou-se intensamente daquilo que costumamos chamar de ‘o problema do mal’. Referimo-nos com isto à questão de saber a origem do mal" (GAARDER, p. 193), ou seja, Agostinho se deu à pesquisa filosófica motivado por um incômodo existencial, de viés metafísico.

Mas há mais a dizer. Foi nesse período, por exemplo, como nos informa Nash, que ele se envolveu com uma vida desregrada: "Desde a sua primeira visita a Cartago, quando tinha cerca de 16 anos, Agostinho exibia persistente inclinação em termos de pecado sexual. Tomou uma concubina quanto tinha 17 ou 18 anos e se tornou pai ilegítimo antes dos 20" (NASH, p. 152).

A primeira cosmovisão que em que ele aterrisou foi o maniqueísmo. Gaarder nos remete, também, a um período estóico, mas, em geral, ele foi um maniqueu no início. "Os maniqueus formavam uma seita típica do final da Antiguidade. Eles professavam uma doutrina da salvação meio religião, meio filosófica. Dividiam o mundo em bem e mal, luzes e trevas, espírito e matéria. Graças a seu espírito, o homem podia transcender a matéria e criar com isto as bases para a redenção de sua alma. Mas a divisão estanque entre bem e mal não deixava Agostinho sossegado.  Durante algum tempo ele foi influenciado pela filosofia estóica, e os estóicos contestavam uma divisão rígida entre bem e mal" (GAARDER, p. 193). Ou seja, como expressa Sproul, o maniqueísmo é um sistema metafisicamente dualista (SPROUL, p. 59). Nash define o maniqueísmo assim: "Tal sistema postulava a existência de dois eternos e igualmente poderosos deles, um dels bom (Luz) e  o outro mau (Trevas)" (NASH, p. 152). Finalmente, Chalita expressa o seguinte sobre o maniqueísmo: "uma seita que reivindicava ser sua doutrina o verdadeiro cristianismo. Fundada por Mani (215-276?) essa corrente religiosa afirmava basicamente que a criação do mundo tinha sido o resultado do conflito entre duas grandes forças, a luz e a escuridão, o bem e o mal. Agostinho professou a fé maniqueísta por alguns anos, recebendo o grau de ouvinte, um dos níveis mais baixos da hierarquia da seita" (CHALITA, p. 121). Ou seja, duas forças coeternas e equipotentes coexistem e fundamentam a realidade. A matéria é criação dessa força má, ao passo que o espírito é fruto da força boa. Impossível não notar o viés platonista aqui. E precisamos ressaltar também que, após o cristianismo, a nova moda era elaborar uma doutrina religiosa e soteriológica.
Nash, o nosso especialista em Agostinho, afirma que "o maniqueísmo era atraente para Agostinho porque parecia lhe oferecer uma resposta para o problema do mal, superior àquela encontrada no cristianismo de sua mãe. Agostinho foi levado ao maniqueísmo porque este fazia menos exigências morais sobre sua vida do que o cristianismo" (NASH, p. 152). Portanto, além de parecer mais satisfatório às suas inquietações, o maniqueísmo lhe abria espaço para viver a vida desregrada que, como já notamos, ele tinha.

Alguns anos depois, Nash relata, ele já estava nutrindo tantas dúvidas sobre o maniqueísmo que aos poucos ia abandonando sua fé: Durante a última parte dos 20 anos, Agostinho não pôde mais ignorar as sérias dúvidas que tinha quanto ao maniqueísmo. Finalmente, ele abandonou o maniqueísmo, ainda que protelasse a rejeição pública dessa associação para não perder os poderosos amigos maniqueístas cuja influência o ajudaria em sua carreira" (NASH, p. 152).
A propósito, sua carreira. Ele se forma em Cartago e passa a ser professor de retórica. Ali mesmo ele passa a dar aulas. Mas os alunos não eram bons e logo ele sai dali, conforme relata Nash: "Uma vez completada a sua educação em Cartago, Agostinho ganhou a vida ensinado retórica nessa mesma cidade. Ele experimentou crescente incômodo por causa da pobre qualidade dos alunos e da sua desordem em classe. Planejando mudar o local de ensino para Roma, Agostinho cruzou o Mediterrâneo, em 383, com sua concubina e seu filho. Entretanto, porque seus alunos em Roma eram geralmente relapsos quanto ao pagamento dos honorários, ele deixou Roma e foi para Milão, em 384. Milão era a residência de verão do imperador e de sua corte e oferecia a Agostinho muitas oportunidades para progredir em funções governamentais. Bem recomendado por amigos maniqueístas que ocupavam altas posições, Agostinho recebeu a posição de orador público, um possível degrau para posições mais altas" (NASH, p. 152-153). Ou seja, nosso filósofo africano estava galgando os passos da notoriedade. De Cartago para Milão ele desenvolvera-se como orador e estava em franca proeminência.
Embora ele houvesse abandonado o maniqueísmo, não apreciava, ainda, o Cristianismo. Experimentou o estoicismo, depois finalmente tornara-se cético e, por último, neoplatonista (SPROUL, p. 59). Gaarder ressalta que o neo-platonismo foi a filosofia mais importante para Agostinho e sua filosofia: "Mas foi sobretudo a segunda importante corrente filosófica do final da Antiguidade – o neoplatonismo – que mais influenciou santo Agostinho. Aqui ele tomou contato com a ideia de que toda a existência humana é de natureza divina” (GAARDER, p. 193).
Agostinho tinha objeções bem pontuadas quanto à fé cristã, até que se encontrou com Ambrósio, como relata magistralmente Nash: "Enquanto estava em Milão, Agostinho se tornou amigo de Ambrósio, o bispo de Milão, o qual era reputado como o maior orador do Império. Ambrósio ajudou Agostinho a considerar que muitas de suas objeções ao cristianismo eram em razão da má compreensão da fé. Por exemplo, Agostinho objetou a Ambrósio, certa vez, que o Deus da Bíblia teria um corpo. [...] Por essa época, Agostinho já havia trocado sua cosmovisão maniqueísta por uma estranha variedade de ceticismo que havia tomado conta da Academia de Platão. Seus experimentos com o ceticismo terminaram com a descoberta dos escritos de certos platônicos, o que parece englobar Plotino e alguns dos seus seguidores. Ironicamente, o estudo de Agostinho sobre o neoplatonismo ajudou-o a remover muitos obstáculos intelectuais remanescente que o impediam de se tornar cristão" (NASH, p. 153). Doravante notaremos como o neoplatonismo o ajudou. Seja como for, em breve Agostinho notou que rejeitava um espantalho, e não a doutrina cristã em si e fora Ambrósio quem o mostrara isso. Chalita complementa: "Santo Ambrósio era um orador notável e conhecia bem a filosofia grega. Em suas pregações, refletia sobre o cristianismo e o pensamento antigo, mostrando como a fé era necessária para se atingir a verdade e enunciando a doutrina segundo a qual a Igreja é a única representante legítima de Deus entre os homens. Isso levou Agostinho a rever suas posições com relação ao cristianismo, iniciando um período conflituoso em que ele ao mesmo tempo relutava em aceitar a fé e não via com prosseguir em sua busca pela verdade por meio da vida contemplativa” (CHALITA, p. 119-120).
Finalmente Agostinho tinha seus obstáculos intelectuais minorados e já podia olhar para o cristianismo com bons olhos, com interesse*. Mas havia outros obstáculos: "Os obstáculos restantes diziam respeito à relutância em renunciar suas falhas morais. Em 386, em uma casa nos arredores de Roma, ele passou por uma das mais dramáticas conversões na história da igreja cristã. Depois de ouvir uma voz que dizia: ‘Toma e lê’, Agostinho relata como ele abriu a Bíblia ao acaso e seu dedo pousou nas palavras de Paulo em Romanos 13.13, 14” (NASH, p. 152-153). Finalmente Agostinho se convertera!

Vamos tentar fazer um quadro da situação que Agostinho se encontrava. Quanto à sua concunbina, mãe de seu filho, Nash informa:“Nessa época, Agostinho já tinha se separado de sua concubina, a qual havia retornado para o norte da África, deixando seu filho, Adeodato, com o pai" (NASH, p. 154). Agostinho, cristão, logo submeteu-se ao batismo: "Depois de batizado, em 387, Agostinho estava determinado a voltar para o norte da África juntamente com seu filho e sua mãe, que havia se juntado a ele na Itália" (NASH, p. 154). Chalita não se esquece de informar que foi o próprio Ambrósio quem batizou Agostinho: “Depois desse episódio [da conversão], Agostinho decidiu receber o batismo, o que acontecue em 387 pelas mãos de Santo Ambrósio" (CHALITA, p. 121). Mônica, certamente, estava satisfeitíssima! E agora estava junto a seu filho, crente, e seu neto. Entretanto, pouco tempo depois ela veio a falecer, aos 56 anos de idade (NASH, p. 154). Agostinho ficara mui abalado. E suas dores pioraram pois "Agostinho e Adeodato continuaram sua jornada para o norte da África, onde Adeodato morreu" (NASH, p. 154)! Isso, no entanto, não foi suficiente para dissuadir o bravo filósofo. Ele permaneceu firme em sua fé. Continuou a estudar filosofia, teologia e as Escrituras Sagradas.
Ao que tudo indica, voltou para sua terra natal e lá passou a exercer algum tipo de atividade eclesiástica ou algo do gênero. "Seu crescente compromisso com a vocação religiosa o levou à ordenação, em 391" (NASH, p. 154). Chalitia nos conta que ele "foi escolhido pela população de Hipona, uma localidade próxima, para ser o novo bispo da cidade." (CHALITA, p. 121). Cartago, nos ensina, ficava "a trinta ou quarenta quilômetros a oeste de Cartago" ( , ). Nash nota que essa ordenação acontecera quatro anos após seu batizado. (NASH, p. 154). Em Hipona ele ficou o resto de sua vida.

Mas infelizmente Agostinho tinha de partir. "Após muitos anos escrevendo e servido à sua igreja, Agostinho morreu, em Hipona, no ano 430, durante o cerco movido contra a cidade por tribos germânicas” (NASH, p. 154).

AGOSTINHO E PLATÃO

Já observamos, algumas vezes, alhures, que Agostinho fora mui influenciado por Aristócles, vulgo Platão, o aristocrata de Atenas e grande discípulo de Sócrates. Isso precisa ser destacado com um pouco mais de atenção. Na exposição do pensamento desse grande filósofo iremos notar e apontar essas semelhanças. Mas temos de observar que nossas fontes destacam de forma enfática esse tema. Vejamos, por exemplo, como o famoso e popular Jostein Gaarder expõe o assunto: “ele se converteu ao cristianismo, mas o cristianismo de santo Agostinho é em grande parte influenciado pelo pensamento de Platão [...] no momento em que entramos na Idade Média cristã vemos que não se tratou de uma ruptura assim tão dramática com a filosofia grega. Muito da filosofia grega foi levado para a nova era pelas mãos de padres da Igreja, como santo Agostinho. [...] ele próprio se considerava cem por cento cristão. Mas ele não via muitas contradições entre o cristianismo e a filosofia de Platão. Para ele, os paralelos entre a filosofia de Platão e a doutrina cristã era tão evidentes que ele se perguntava se Platão não teria conhecido pelo menos uma parte do Antigo Testamento. É claro que isto é muito pouco provável. Seria mais acertado dizer que, de certa forma, santo Agostinho ‘cristianizou’ Platão” (GAARDER, p. 193-194). Detenhamos-nos nessas radicais observações. Agostinho se considerava cristão, ordotoxo, mas, ao mesmo tempo, se considerava um platonista autêntico! Tal como Plotino, chega a considerar Platão o ápice da sabedoria humana à parte da revelação. Salvatore Lillal nota que "Agostinho explica que a glória soberana de Platão eclipsou todos os outros filósofos” (PRADEAU, p. 127). Isso, claro, se é que ele não teve contato com o Antigo Testamento. Gaarder considera a possibilidade um absurdo. Mas será que é mesmo? Temos de nos lembrar que Platão passou um relevante tempo de sua vida, após a morte de Sócrates, viajando pelo oriente onde pode ter se encontrado com algum judeu, ou mesmo vivido entre um grupo... quiçá passado por Israel! Por que não? Claro, temos que reconhecer que é mera conjectura.
R. C. Sproul parece não concordar com a proposição que declara Agostinho ter cristianizado Platão, como Gaarder e tantos outros falam: "“Diz-se que Agostinho conseguiu fazer uma síntese filosófica entre platonismo e cristianismo, porém sua obra não evidencia um sistema como tal" (SPROUL, p. 59). Mas o que mostraremos é justamente o fato de seu sistema demonstrar exatamente isso: que ele sintetizou o cristianismo e o platonismo. Aliás, é tão evidente suas influências que Lillal observa que "Agostinho reconheceu muito claramente e sem reservas o papel que a filosofia desempenhou em sua formação intelectual" (PRADEAU, p. 123). Tal como aconteceu com muitos outros pais da Igreja, Agostinho declarava "a propósito dos filósofos gregos em seu conjunto: ‘Poucas mudanças bastam para transformá-los em cristãos’" (PRADEAU, p. 123).
Já observamos que tudo começa com seu despertar por parte de Cícero. Mais adiante ele chega à leitura do platonismo derradeiro, do neoplatonismo: “A formação filosófica de Santo Agostinho foi largamente influencidado pela literatura de Hortensius de Cícero, que suscitou nele o desejo ardente de se distanciar do mundo para se aproximar de Deus e da sabedoria. Mais tarde, as relações que ele estabeleceu, por volta de 384 em Milão, com o meio neoplatônico – do qual Simplicianus e Santo Ambrósio faziam parte –, assim como a leitura de diversos libri platonicorum – tratava-se de tratados neoplatônicos traduzidos em latim por Marius Victorinus –, desempenharam um papel determinate na orientação de seu pensamento” (PRADEAU, p. 127). Lillal, entretanto, observa que Agostinho não era um leitor ávido do próprio Platão: “Agostinho transborda de elogios em relação a Platão, ainda que ele só tenha lido parte do Timeu traduzido por Cícero (106-43 a. C.) e somente tenha conhecido sua obra através de indicações fornecidas por autores latinos, tais como Cícero, Varrão (116-27 a. C.) Cipriano (século III) e Ambrósio (340-397)" (PRADEAU, p. 126-127). Portanto, podemos dizer que Agostinho foi mais neoplatônico do que platonista. Seja como for, não há neoplatonismo sem Platão, e neste está os fundamentos do pensamento de Agostinho.

Terminar esse assunto aqui seria uma grande irresponsabilidade! Por isso, Nash salva o bispo de Hipona de ser considerado pagão: “A fidelidade de Agostinho à Escritura cristã e seu próprio gênio produziram alterações básicas na doutrina de Plotino, mas a influência deste neoplatônico não pode ser ignorada. De fato, muitos elementos do pensamento de Agostinho somente serão entendidos adequadamente quando considerados à luz da tradição platônica na filosofia. [...] Muitos dos elementos da filosofia de Agostinho forma formulados sob influência de Plotino, mas, com o amadurecimento de seu entendimento sobre as crenças cristãs, Agostinho reconheceu os erros do sistema de PLOTINO. Sobre qualquer questão em que os pensamentos de Plotino e o das Escrituras fossem irreconciliáveis, Agostinho divergia de Plotino e ficava com a Bíblia. Isso é visto, por exemplo, na rejeição de Agostinho à preexistência da alma” (NASH, p. 155). Ou seja, ele reconhece a graça de Deus na concessão de tão sublimes pensamentos a pagãos, mas quando vê a sabedoria humana confrontada com a Escritura, opta por esta ao invés daquela*!

Agostinho escreveu muitos livros. Enquanto pastoreava participou de muitas controvérsias e conclaves de importância máxima para a história do pensamento e da teologia cristã. Entretanto, ele não escreveu de forma sistemática e temos que colher em toda sua obra o que ele pensa sobre determinado assunto, como ensina Nash: “Agostinho não foi um escritor sistemático. Para organizar seus pensamentos sobre os principais elementos de sua cosmovisão cristã é preciso, portanto, coletá-los de muitas obras escritas ao longo de um período de quarenta anos” (NASH, p. 155).

Vamos, pois, estudar esse brilhante pensador e seguir nossas fontes para tentar expor seu pensamento tão valioso.

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*Não só neste, como nos artigos posteriores, iremos ver o que Nash quis dizer com isso.
*Se ainda não leu, leia aqui sobre esse tema: http://panaceiateoreferente.blogspot.com.br/2014/06/o-imperio-romano.html
*Não podemos deixar de notar que Aristóteles tinha um pensamento semelhante, e que, na verdade, é provável que representasse o zeitgeist da cultura grego-romana. Uma discussão pormenorizada sobre o assunto será tratada em outro artigo.
*Escrevemos, noutro lugar, do papel da apologética na evangelização, e esse evento com Agostinho é muito relevante para ilustrar o que dissemos aqui: http://mcapologetico.blogspot.com.br/2011/01/postura-da-igreja-frente-aos-desafios.html
*Estamos elaborando, também, um artigo que fala sobre a relação entre filosofia e teologia. Protelemos, por hora.


BIBLIOGRAFIA

CHALITA, Gabriel. Vivendo  Filosofia. São Paulo: Atual, 2002, p. 304.

GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da filosofia. Tradução de João Azenha Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 560 p.

GRACIOSO, Joel. Introdução ao Pensamento de Santo Agostinho. Acessado no dia 29 de Agosto em: https://www.youtube.com/watch?v=yDJlRw-VtDY

LILLAL, Salvatore. A Filosofia na Igreja Primitiva _ PRADEAU, François. História da Filosofia. Tradução de James Bastos Arêas e Noéli Correia de Melo Sobrinho. Petrópolis: Vozes; Rio de Janeiro: PUC-Rio. 2ª ed., 2012, 624p.

NASH, Ronald H. Questões Últimas da vida: uma introdução à filosofia. Tradução de Wadislau Martins Gomes. São Paulo: Cultura Cristã, 2008. 448 p.

SPROUL, R. C. Filosofia para iniciantes. Tradução de Hans Udo Fuchs. São Paulo: Vida Nova, 2002, 208 p.


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