RESSALVAS E INTRODUÇÃO
Claro, sabemos que o termo 'cultura' é, por demais, delicado. Talvez não
haja palavra mais ampla, ambígua e controversa, na língua portuguesa, do que
'cultura'. Ao declarar nosso propósito de esboçar um panorama
histórico-cultural do Brasil já fomos logo sendo advertidos por um amigo a nos
deter, afinal seus professores gastavam anos em empreitas afins e etc. Mas
estávamos falando de coisas diferentes. Enquanto ele queria usava a palavra com
a conotação de todo tipo de produção técnica e estética, dentre outras coisas,
nos referíamos à produção filosófico-literária. Particularmente nos deteremos
na literatura.
O professor Fabiano nota que literatura não é um fenômeno estético
avulso, etéreo, engendrado na mente dos gênios em suas torres de marfim,
distantes da realidade. Antes, a literatura é um fenômeno cultura, histórico e
social. Fabiano nota como a literatura é reflexo do momento histórico*.
Pretendemos tornar isso evidente no que se segue.
O SÉCULO XVI E A LITERATURA NO BRASIL: o quinhentismo
A literatura produzida no século XVI, ou seja, dos anos 1500 em diante,
é comumente chamada de 'quinhentismo'. Mas o professor Fabiano não está
satisfeito com essa denominação, visto que há outros 'quinhentismos' afora que
não guardam essas características que aqui havemos de ver. Antes de prosseguir,
uma pequena digressão.
Já sabemos o básico do que se passou no Brasil no século XVI. Vimos que
nos trinta primeiros anos não temos uma colonização efetiva. Tudo que temos é
uma interação inicial entre brancos e índios e, posteriormente, o 'contrato'
dos índios para a extração do pau-brasil. Isso durou os 30 primeiros anos.
Fabiano nota que, como a extração não era uma atividade agrícola, e como não
havia povoamento, não há, pois, o desenvolvimento de uma cultura e, consequentemente,
não há um desenvolvimento de uma literatura propriamente dita. A única coisa
produzida é uma literatura que fala sobre o Brasil, sobre a terra descoberta.
Essa é, a propósito, basicamente a literatura produzida aqui. Mesmo após
a colonização, a situação cultural não mudou muito. Chamamos a este tipo de
literatura de 'Literatura de Informação'. Fabiano nota que ela tem mais valor
historiográfico do que literário, mas como é a primeira literatura produzida
por aqui, temos de nos deter sobre ela.
A característica marcante da Literatura de informação é sua natureza
descritiva, precipuamente a respeito da natureza. O professor Fabiano
caracteriza este item como Nativismo Descritivo. Havia uma perspectiva toda
esperançosa para com o Brasil e as possibilidades exploratórias. Isso nos leva
a destacar mais uma característica. Essa literatura guardava uma visão
paradisíaca do Brasil. Tinham nossas terras como um paraíso perdido, uma visão
edênica do país. A professora Cunha não se furta em notar que havia, evidente,
um deslumbramento para com as riquezas naturais.
O primeiro texto desta estirpe é, óbvio, a carta* sobre o descobrimento,
de Pero Vaz de Caminha, informando ao rei D. Manoel, sobre a 'descoberta' do
Novo Mundo. Mas muitos outros viajantes prestaram seus relatos. Segundo Del
Priori e Venancio, "a mais clara informação sobre a natureza e sobre os
moradore da terra de Santa Cruz nasceu da pena de um sensível senhor de engenho
baiano, Gabriel Soares de Souza" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 98-99), que
lançou uma obra documental em 1587. É certo que não teremos condições de
mencionar e trabalhar os vários nomes que compõe esse tipo de literatura. Basta
sabermos que houve textos variados nesse encalço.
É bom observarmos que na literatura de informação tínhamos tanto
descrições ufanistas sobre os recursos naturais e sobre a Natureza de um modo
geral; como, relatos históricos, deixando a corte lusitana a par do que se
passava por aqui.
Mas logo haveria produção cultural dos próprios brasileiros. E, para
provar a tese do professor Fabiano de que a literatura segue e é reflexo da
realidade (bem como interage com ela de forma influente, de modo a podermos
sugerir uma simbiose), onde mais se plantou a cana de açúcar é onde teremos as
maiores proliferações culturais: nordeste brasileiro. Deixemos isso para o
século XVII. Por enquanto, além da supra-referida literatura de informação,
havia outro tipo de produção cultural aqui na Terra de Vera Cruz: a literatura
catequética, religiosa, 'evangelística', dos padres que aqui aportaram com
intuito de proclamar a Cristo entre os gentios e pagãos: os indígenas*.
O professor Fabiano nos diz que essa literatura é produzida a partir de
1550, que é, como já vimos, quando Tomé de Souza vem para o Brasil, instala o
Governo Geral, e traz uma remessa dos primeiros padres jesuítas. O professor
diz que crônicas, poesias e peças são produzidas. Um dos nomes famosos que
chegaram nessa primeira remessa, segundo Del Priori e Venancio (p. 29) é o do
padre Manoel de Nóbrega, que logo tratou de fundar uma escola que tornou-se
base para a missão. Este padre tem um texto famosos sobre a conversão do índio
e é interessante de ser pesquisado*.
Entretanto, Fabiano admite, o Padre José de Anchieta é o principal nome
no século XVI. "Nascido na ilha de Tenerife, a maior das Canárias,
Anchieta veio para cá como noviço em 1553, aos 19 anos, depois de ter iniciado
seus estudos na Universidade de Coimbra. Só se ordenou padre treze anos depois,
em 1566, aos 32 anos" (CÉSAR, p. 44). Ele está em todos os acontecimentos
fundamentais nesse século. A professora Cunha diz que José de Anchieta foi
sagaz em sua estratégia. Entrou em contato com os índios, aprendeu sua língua e
até fez uma gramática tupi-guarani! Após adentrar-se à sua cultura, ele começa
a implantar, segundo a professora, um processo de transformação cultural.
Textos teatrais e poéticos foram usados em prol da catequização do índio. O
teatro envolvia o índio e era muito eficaz. César complementa as informações
sobre sua produção literária: "Além de uma quantidade enorme de cartas,
poemas, dramas e sermões, o jesuíta escreeu a Gramática da língua mais usada na costa do Brasil e o catecismo
bilíngui (tupi e português) intitulado Diágolo da fé*, este por volta de 1560,
sete anos depois de chegar ao Brasil" (CÉSAR, p. 44).
Del Priori e Venancio nos contam sobre Anchieta "produzindo um dos
primeiro livros escritos entre nós e publicado, num impecável latim, em Lisboa
em 1563. Tratava-se de um poema épico sobre o governador Mem de Sá com
cinematográficas descrições sobre suas crueldades em relação aos indígenas"
(DEL PRIORI, VENANCIO, p. 98). A literatura dos padres, como se vê, também não
deixou de servir como relato histórico, pois reportavam fenômenos sociais e
culturais que viam e que têm grande valor para o conhecimento do que se passou
naqueles tempos em nossas terras.
Terminemos com a morte de Anchieta, pois, informada por Elben M. Lenz
César: "José de Anchieta morreu no dia 9 de junho de 1597, aos 63 anos,
numa pequena colina na cidade hoje denominada Anchieta, no Espírito Santo. Seu
corpo foi carregado até Vitória, por seus fiéis, quase todos indígenas"
(CÉSAR, p. 48).
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* Haveremos de dissertar com mais cautela sobre isso em outra
oportunidade, fora dessa série. Fazê-lo aqui desvirtuaria os propósitos da
série que busca apenas tornar nossa história política e literária conhecida ao
público.
* Quem quiser lê-la, segue o link:
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=17424
* Isso também prova a tese de Fabiano, e as ações humanas são refletidas
na pena e no papel. A literatura de informação também é reflexo dos interesses
e da filosofia dos portugueses na época. Fica evidente que a produção literária
é produto na realidade sócio-cultural em que se encontram os homens.
* Quem quiser dar uma lida em seu texto, segue o link:
http://www.ibiblio.org/ml/libri/n/NobregaM_ConversaoGentio_p.pdf.
* "causa uma desagradabilíssima surpresa a omissão de Anchieta
quanto à ressurreição de Jesus. [...] No Diálogo da fé, a história de Jesus
termina no túmulo de José de Arimateia, embora na última resposta se diga que
'o Senhor Jesus se preparava para viver de novo'. É claro que Anchieta cria na
ressurreição gloriosa de Jesus, mas, de fato, não a mencionou em parte alguma
de seu catecismo" (CÉSAR, p. 45). Uma vez que Anchieta foi tão importante
e influente no século XVI, pode ter deixado marcas indeléveis no espírito
brasileiro, como sugere ainda César: "Talvez essa omissão, muito
provavelmente involuntária, explique em parte a preferência que o brasileiro,
de modo geral, tem pela morte de Jesus em detrimento de sua ressurreição.
Sempre há mais comemoração na sexta-feira da paixão do que no domingo da
ressurreição" (CÉSAR, p. 46).
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BIBLIOGRAFIA
CÉSAR, Elben M. Lenz. História da Evangelização do Brasil: dos jesuítas aos neopentecostais. Viçosa: Ultimato, 2000, 192p.
CUNHA, Greice da. Literatura - Aula 01: Quinhentismo, Barroco e Arcadismo. Acessado no dia 02/09/2014 em: https://www.youtube.com/watch?v=PYILDWC_PSI
DEL PRIORI, Mary; VENANCIO, Renato. Uma Breve História do Brasil. São Paulo: Editora Planeta, 2010, 320p.
FABIANO. Literatura do Brasil. Aula 2 - Literatura e Situação Colonial. Acessado no dia 02/09/2014 em: https://www.youtube.com/watch?v=EoxeGMYIbas
FABIANO. Literatura do Brasil. Aula 3 - Literatura de Informação. Acessado no dia 02/09/2014 em: https://www.youtube.com/watch?v=iZzOadlZ5rQ
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