domingo, 7 de setembro de 2014

Produção Cultural no século XVI

RESSALVAS E INTRODUÇÃO

Claro, sabemos que o termo 'cultura' é, por demais, delicado. Talvez não haja palavra mais ampla, ambígua e controversa, na língua portuguesa, do que 'cultura'. Ao declarar nosso propósito de esboçar um panorama histórico-cultural do Brasil já fomos logo sendo advertidos por um amigo a nos deter, afinal seus professores gastavam anos em empreitas afins e etc. Mas estávamos falando de coisas diferentes. Enquanto ele queria usava a palavra com a conotação de todo tipo de produção técnica e estética, dentre outras coisas, nos referíamos à produção filosófico-literária. Particularmente nos deteremos na literatura.
O professor Fabiano nota que literatura não é um fenômeno estético avulso, etéreo, engendrado na mente dos gênios em suas torres de marfim, distantes da realidade. Antes, a literatura é um fenômeno cultura, histórico e social. Fabiano nota como a literatura é reflexo do momento histórico*. Pretendemos tornar isso evidente no que se segue.

O SÉCULO XVI E A LITERATURA NO BRASIL: o quinhentismo

A literatura produzida no século XVI, ou seja, dos anos 1500 em diante, é comumente chamada de 'quinhentismo'. Mas o professor Fabiano não está satisfeito com essa denominação, visto que há outros 'quinhentismos' afora que não guardam essas características que aqui havemos de ver. Antes de prosseguir, uma pequena digressão.
Já sabemos o básico do que se passou no Brasil no século XVI. Vimos que nos trinta primeiros anos não temos uma colonização efetiva. Tudo que temos é uma interação inicial entre brancos e índios e, posteriormente, o 'contrato' dos índios para a extração do pau-brasil. Isso durou os 30 primeiros anos. Fabiano nota que, como a extração não era uma atividade agrícola, e como não havia povoamento, não há, pois, o desenvolvimento de uma cultura e, consequentemente, não há um desenvolvimento de uma literatura propriamente dita. A única coisa produzida é uma literatura que fala sobre o Brasil, sobre a terra descoberta.
Essa é, a propósito, basicamente a literatura produzida aqui. Mesmo após a colonização, a situação cultural não mudou muito. Chamamos a este tipo de literatura de 'Literatura de Informação'. Fabiano nota que ela tem mais valor historiográfico do que literário, mas como é a primeira literatura produzida por aqui, temos de nos deter sobre ela.
A característica marcante da Literatura de informação é sua natureza descritiva, precipuamente a respeito da natureza. O professor Fabiano caracteriza este item como Nativismo Descritivo. Havia uma perspectiva toda esperançosa para com o Brasil e as possibilidades exploratórias. Isso nos leva a destacar mais uma característica. Essa literatura guardava uma visão paradisíaca do Brasil. Tinham nossas terras como um paraíso perdido, uma visão edênica do país. A professora Cunha não se furta em notar que havia, evidente, um deslumbramento para com as riquezas naturais.
O primeiro texto desta estirpe é, óbvio, a carta* sobre o descobrimento, de Pero Vaz de Caminha, informando ao rei D. Manoel, sobre a 'descoberta' do Novo Mundo. Mas muitos outros viajantes prestaram seus relatos. Segundo Del Priori e Venancio, "a mais clara informação sobre a natureza e sobre os moradore da terra de Santa Cruz nasceu da pena de um sensível senhor de engenho baiano, Gabriel Soares de Souza" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 98-99), que lançou uma obra documental em 1587. É certo que não teremos condições de mencionar e trabalhar os vários nomes que compõe esse tipo de literatura. Basta sabermos que houve textos variados nesse encalço.
É bom observarmos que na literatura de informação tínhamos tanto descrições ufanistas sobre os recursos naturais e sobre a Natureza de um modo geral; como, relatos históricos, deixando a corte lusitana a par do que se passava por aqui.

Mas logo haveria produção cultural dos próprios brasileiros. E, para provar a tese do professor Fabiano de que a literatura segue e é reflexo da realidade (bem como interage com ela de forma influente, de modo a podermos sugerir uma simbiose), onde mais se plantou a cana de açúcar é onde teremos as maiores proliferações culturais: nordeste brasileiro. Deixemos isso para o século XVII. Por enquanto, além da supra-referida literatura de informação, havia outro tipo de produção cultural aqui na Terra de Vera Cruz: a literatura catequética, religiosa, 'evangelística', dos padres que aqui aportaram com intuito de proclamar a Cristo entre os gentios e pagãos: os indígenas*.
O professor Fabiano nos diz que essa literatura é produzida a partir de 1550, que é, como já vimos, quando Tomé de Souza vem para o Brasil, instala o Governo Geral, e traz uma remessa dos primeiros padres jesuítas. O professor diz que crônicas, poesias e peças são produzidas. Um dos nomes famosos que chegaram nessa primeira remessa, segundo Del Priori e Venancio (p. 29) é o do padre Manoel de Nóbrega, que logo tratou de fundar uma escola que tornou-se base para a missão. Este padre tem um texto famosos sobre a conversão do índio e é interessante de ser pesquisado*.

Entretanto, Fabiano admite, o Padre José de Anchieta é o principal nome no século XVI. "Nascido na ilha de Tenerife, a maior das Canárias, Anchieta veio para cá como noviço em 1553, aos 19 anos, depois de ter iniciado seus estudos na Universidade de Coimbra. Só se ordenou padre treze anos depois, em 1566, aos 32 anos" (CÉSAR, p. 44). Ele está em todos os acontecimentos fundamentais nesse século. A professora Cunha diz que José de Anchieta foi sagaz em sua estratégia. Entrou em contato com os índios, aprendeu sua língua e até fez uma gramática tupi-guarani! Após adentrar-se à sua cultura, ele começa a implantar, segundo a professora, um processo de transformação cultural. Textos teatrais e poéticos foram usados em prol da catequização do índio. O teatro envolvia o índio e era muito eficaz. César complementa as informações sobre sua produção literária: "Além de uma quantidade enorme de cartas, poemas, dramas e sermões, o jesuíta escreeu a Gramática da língua  mais usada na costa do Brasil e o catecismo bilíngui (tupi e português) intitulado Diágolo da fé*, este por volta de 1560, sete anos depois de chegar ao Brasil" (CÉSAR, p. 44).
Del Priori e Venancio nos contam sobre Anchieta "produzindo um dos primeiro livros escritos entre nós e publicado, num impecável latim, em Lisboa em 1563. Tratava-se de um poema épico sobre o governador Mem de Sá com cinematográficas descrições sobre suas crueldades em relação aos indígenas" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 98). A literatura dos padres, como se vê, também não deixou de servir como relato histórico, pois reportavam fenômenos sociais e culturais que viam e que têm grande valor para o conhecimento do que se passou naqueles tempos em nossas terras.
Terminemos com a morte de Anchieta, pois, informada por Elben M. Lenz César: "José de Anchieta morreu no dia 9 de junho de 1597, aos 63 anos, numa pequena colina na cidade hoje denominada Anchieta, no Espírito Santo. Seu corpo foi carregado até Vitória, por seus fiéis, quase todos indígenas" (CÉSAR, p. 48).


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* Haveremos de dissertar com mais cautela sobre isso em outra oportunidade, fora dessa série. Fazê-lo aqui desvirtuaria os propósitos da série que busca apenas tornar nossa história política e literária conhecida ao público.
* Quem quiser lê-la, segue o link: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=17424
* Isso também prova a tese de Fabiano, e as ações humanas são refletidas na pena e no papel. A literatura de informação também é reflexo dos interesses e da filosofia dos portugueses na época. Fica evidente que a produção literária é produto na realidade sócio-cultural em que se encontram os homens.
* Quem quiser dar uma lida em seu texto, segue o link: http://www.ibiblio.org/ml/libri/n/NobregaM_ConversaoGentio_p.pdf.
* "causa uma desagradabilíssima surpresa a omissão de Anchieta quanto à ressurreição de Jesus. [...] No Diálogo da fé, a história de Jesus termina no túmulo de José de Arimateia, embora na última resposta se diga que 'o Senhor Jesus se preparava para viver de novo'. É claro que Anchieta cria na ressurreição gloriosa de Jesus, mas, de fato, não a mencionou em parte alguma de seu catecismo" (CÉSAR, p. 45). Uma vez que Anchieta foi tão importante e influente no século XVI, pode ter deixado marcas indeléveis no espírito brasileiro, como sugere ainda César: "Talvez essa omissão, muito provavelmente involuntária, explique em parte a preferência que o brasileiro, de modo geral, tem pela morte de Jesus em detrimento de sua ressurreição. Sempre há mais comemoração na sexta-feira da paixão do que no domingo da ressurreição" (CÉSAR, p. 46).

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BIBLIOGRAFIA

CÉSAR, Elben M. Lenz. História da Evangelização do Brasil: dos jesuítas aos neopentecostais. Viçosa: Ultimato, 2000,  192p.

CUNHA, Greice da. Literatura - Aula 01: Quinhentismo, Barroco e Arcadismo. Acessado no dia 02/09/2014 em: https://www.youtube.com/watch?v=PYILDWC_PSI

DEL PRIORI, Mary; VENANCIO, Renato. Uma Breve História do Brasil. São Paulo: Editora Planeta, 2010, 320p.

FABIANO. Literatura do Brasil. Aula 2 - Literatura e Situação Colonial. Acessado no dia 02/09/2014 em: https://www.youtube.com/watch?v=EoxeGMYIbas

FABIANO. Literatura do Brasil. Aula 3 - Literatura de Informação. Acessado no dia 02/09/2014 em: https://www.youtube.com/watch?v=iZzOadlZ5rQ





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