terça-feira, 10 de setembro de 2013

Aprenda a Ler a Bíblia: Qual a relevância dos grandes homens do passado?




Permitam-nos citar Machado de Assis. No livro 'Esaú e Jacó', os gêmeos Pedro e Paulo adotam posições políticas conflitantes, desde moços, e arma-se um 'pé de guerra'. Certa feita, cada um compra um quadro com um representante de suas posições políticas (Pedro de Luis XVI, e Paulo de Robespierre) e pregam na cabeceira de suas respectivas camas. Crianças que eram, acabaram por destruir o quadro um do outro. A mãe, intentando uni-los (aqui e em todo o livro), vale-se do seguinte argumento (que, finalmente, é pertinente a este artigo): "Não quero ouvir rusgas nem queixas. Afinal, que têm vocês com um sujeito mau que morreu há tantos anos?" (p.104).
Tal se dá o pensamento de muitas pessoas em relação aos grandes nomes do passado. Muitos questionam-se, alguns com pedantismo e petulância, sobre o valor de se saber o que, por exemplo, Calvino, Lutero, Agostinho e tantos outros fizeram. Entendem, estes, que tudo isto não passa de conhecimento fútil. Por isso, colhi algumas falas de sábios, santos e competentes pensadores mais próximos a nós, para demonstrar quão maligna é esta constatação. Olhemos seus discursos. Nosso interesse, em particular, foca-se na compreensão das Escrituras. Na nota número dois deste artigo: http://panaceiateoreferente.blogspot.com.br/2013/06/aprenda-ler-biblia-parte-3.html, falamos sobre a busca por assistência na compreensão de algum texto. É isto que justificaremos com este artigo.

Primeiro, vejamos Robert Letham, doutor em Teologia Histórica, falando, em seu livro 'A obra de Cristo', sobre a importância de se observar o que outras pessoas, no decorrer da história, disseram sobre a Obra de Cristo (e as recomendações, claro, valem para todo assunto). Letham, pois, nos chama a atenção para dois fatores. "Em primeiro lugar, estaremos enganados se pensarmos que podemos ler a Bíblia somente por nós mesmos. Toda interpretação das Escrituras é construída sobre o que aconteceu antes de nós. No século 19, um pequeno grupo dos Estados Unidos decidiu abandonar o ensino histórico das Escrituras e estudar as Escrituras por si mesma, partindo do básico. Esse grupo publicou uma revista com o resultado dos seus estudos, chamada Studies in the Scrptures. E assim nasceu a seita conhecida como as Testemunhas de Jeová.*¹ [...] Como podemos ver, as Testemunhas de Jeová não fizeram nada verdadeiramente novo; elas apenas reproduziram as heresias do Arianismo do século 4º*². Em segundo lugar, se depreciarmos as dificuldades passadas da igreja, não estaríamos nós cheios de orgulho? Não seria talvez o caso de estarmos tão envolvidos com o que o Espírito Santo esteja nos mostrando agora que nós prestamos pouca atenção ao que ele mostrou a outros? Parte da razão pela qual a tecnologia tem avançado tanto hoje é porque ela possui uma base de um longo período para se apoiar. Ela não tem tentado reinventar a roda!" (p.18).
Roy B. Zuck também nos ajuda a entender a questão: "Quando você está dirigindo um carro, precisa ficar atento a toda a sinalização rodoviária. Algumas placas servem para advertir [...]. Outras mostram a direção [...]. Já outras placas são meramente informativas [...]. De forma semelhante, o entendimento de como pessoas e grupos interpretavam a Bíblia antigamente pode funcionar para nós como uma espécie de sinalização, advertindo, conduzindo e informando. Como placa de advertência, o estudo da história da interpretação bíblica pode ajudar-nos a enxergar os erros que outros cometeram no passado e suas consequências [...]" (p. 31).
Paul Washer também tem algumas palavras a dizer sobre o assunto. Na pregação 'O Evangelho Segundo Jesus Cristo', ele faz sobejos elogios à teologia histórica (o que o doutor em Teologia Histórica que ao seu lado estava, dr. Héber Carlos de Campos Júnior, deve ter aplaudido e regozijado dentro de seu coração). Suas palavras foram que uma das grandes necessidades da Igreja hodierna, e uma imprescindibilidade dos aspirantes ao ministério, é que seja conhecida a história da Igreja. "Como cristão, você não pode se separar de dois mil anos de história da Igreja Cristã. A sabedoria não nasceu com você e não vai morrer com você [...]. Há inúmeros santos que viveram antes de você, e Deus usou muitos deles para mudar o mundo [...]. Você deve estudar a Escritura, e a Escritura tem que estar acima de todas as coisas. Mas quero que você aprenda a estudar a Escritura no contexto da cristandade, no contexto de dois mil anos de história em que homens e mulheres estudaram as Escrituras". Então ele dá um exemplo sobre o estudo do texto que estava pregando (1 Coríntios 15). Ele fala de um preparo relacionado à análise do texto, inclusive, se formos capazes, nas línguas originais e tudo o mais. E, então, após concluída nossa interpretação do texto, surge a questão: "como posso saber que realmente entendi este texto? [...] Uma vez que eu interpretei o texto, volto para a história da Igreja, e me pergunto: será que mais alguém interpretou este texto como eu, ou será que minha interpretação é nova comigo? Se ninguém repetiu a interpretação que faço do texto, então provavelmente estou errado. Se todos os santos através das eras estão em acordo e todos discordam de mim, eu provavelmente estou errado".
Por fim, é bom considerarmos as sugestões de Louis Berkhof sobre o assunto. Ele está a versar sobro o uso correto dos comentários. Colhamos algumas palavras: "Ao procurar explicar uma passagem, o intérprete não deve recorrer imediatamente ao uso dos comentários, uma vez que isso pode impedir toda a originalidade no início, envolver uma grande quantidade de trabalho desnecessário, e ainda resultar numa confusão inútil. [...] Seu trabalho será bastante facilitado se ele abordar os Comentários, tanto quanto possível, com questões definidas na mente. [...]... quando ele [o intérprete] consulta os comentários com uma certa linha de pensamento em mente, estará mais bem preparado para escolher entre as opiniões conflitantes que pode encontrar. Caso tenha sucesso em dar uma explicação aparentemente satisfatória sem a ajuda de comentários, é aconselhável que compare sua interpretação com a de outros. E, se descobrir que sua interpretação é contrária à opinião geral em algum ponto particular, deve ter a sabedoria de cobrir cuidadosamente aquele campo mais uma vez para ver se considerou todos os dados e se suas inferências estão corretas em cada aspecto. Ele pode detectar algum erro que irá compeli-lo a rever sua opinião. Mas se achar que acada passo que deu está bem fundamentado, então deve sustentar sua interpretação a despeito de tudo o que os comentaristas possam dizer" (p.84-85).
Isto não é negar o 'sola scriptura', como observa o reverendo Augustus Nicodemus no vídeo 'A Inerrância da Bíblia'. É observado que Sola Scriptura não quer dizer que não aproveitamos a teologia produzida pela igreja, e sim que a Bíblia é a autoridade final sobre o assunto. Os reformadores afirmavam, por este slogan, que a Bíblia seria a base para a reflexão teológica.

Portanto, a interpretação saudável e o mais exata possível de um texto pede uma consideração à produção histórica, ao que já fora feito por nossos irmãos que nos antecederam no decorrer da história.*³ Vale notar a máxima que justifica o estudo da história: o estudo da história serve para que aprendamos com o passado, repetindo seus acertos, evitando seus erros, e, finalmente, para que entendamos a situação atual. Tais questões se aplicam ao estudo da história do pensamento cristão, e, particularmente, à ampliação de nossas competências para compreender a Bíblia.

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*¹ Empreitada semelhante fez surgir os Adventistas do Sétimo Dia.
*² O teólogo Franklin Ferreira, em aula, neste ano de 2013, no Seminário Martin Bucer, observou que o estudo da Teologia Histórica é importante pelo fato de que, após dois mil anos de história do pensamento cristão, não há muito mais coisas para se descobrir.
*³ Se julgarmos preciso que ampliemos o assunto, elucidando, iluminando e ilustrando a questão, o faremos em outro texto.
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BIBLIOGRAFIA
ASSIS, Machado de. Esaú e Jacó. Fixação de texto, notas e posfácio de Pedro Gonzaga; coordenação editorial, biografia do autor, cronologia e panoramo do Rio de Janeiro por Luís Augusto Fischer. Porto Alegre: L&PM, 2012, 272p.

BERKHOF, Louis. Princípios de Interpretação Bíblica. Tradução de Denise Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2 ed., 2004, 144p.

LETHAM, Robert. A Obra de Cristo. Tradução de Valéria da Silva Santos. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, 272p.

LOPES, Augustus Nicodemus. A Inerrância da Bíblia. http://www.youtube.com/watch?v=91QHD5EdCzM, acessado em 06 de Setembro de 2013.

WASHER, Paul. O Evangelho Segundo Jesus Cristo. http://www.youtube.com/watch?v=CNEfQdVjFqw, acessado em 06 de Setembro de 2013.

ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica. Tradução de Cesar de F. A. Bueno Vieira. São Paulo: Vida Nova, 1994, 360p.

8 comentários:

  1. foi muito bom ler seu texto! Que o Senhor continue usando sua vida para a glória dEle!
    Abraços

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  2. Opa, Nadiel! Que prazer tê-lo apreciando minhas produções. Deus lhe ouça! ^^

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  3. Que locura, Lucim. Aprendendo mais de você pra passar pra frente.

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  4. Assim que vi este post, resolvi le-los e estou aprendo um pouco mais.
    Deus continue-lhe abençoando-o grandemente a sua vida e seu ministério.

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    1. Que bom, pb. Daniel! Fico feliz em colaborar com a sua formação! :) Deus abeçoe seu ministério. Conto com as suas orações. :)

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  5. Lucio, gostaria de acrescentar uma citação no fim do artigo. Citação essa do rev. Hernandes Dias Lopes em seu livro: "Para onde caminha a igreja": "A História pode ser nossa pedagoga ou então nossa coveira: Pedagoga se aprendermos com ela e não repetirmos seus erros; coveira, se ignorarmos suas lições". Daí é importantíssimo o estudo da Teologia Histórica (diga-se de passagem que eu sou apaixonado em teologia histórica e na história da Igreja hehehe) Abrass.

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    1. Ótima e pertinente citação, Marcos! Muito boa mesmo! o/

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