DADOS
BIOGRÁFICOS BÁSICOS
[para conhecer o contexto em que viveu Aristóteles, clique aqui]
Aristóteles nasceu em Estagira. Reunindo as informações que colhemos sobre essa cidade temos o seguinte. Sproul diz que localiza-se na Trácia (SPROUL, p. 41). Edson Bini fala sobre Estagira ser uma colônia da Macedônia: “Estagira, cidade grega e então colônia da Macedônia, no litoral noroeste da península da Calcídica, cerca de trezentos quilômetros ao norte de Atenas” (ARISTÓTELES, p. 9). Durant diz trezentos e vinte quilômetros ao norte de Atenas (DURANT, p. 57).
Aristóteles nasceu em Estagira. Reunindo as informações que colhemos sobre essa cidade temos o seguinte. Sproul diz que localiza-se na Trácia (SPROUL, p. 41). Edson Bini fala sobre Estagira ser uma colônia da Macedônia: “Estagira, cidade grega e então colônia da Macedônia, no litoral noroeste da península da Calcídica, cerca de trezentos quilômetros ao norte de Atenas” (ARISTÓTELES, p. 9). Durant diz trezentos e vinte quilômetros ao norte de Atenas (DURANT, p. 57).
Já sabemos que a Macedônia
era uma nação grega, embora os gregos, mesmo, o negassem, chamando-os de
bárbaros. O irônico é que da Macedônia viria Alexandre e Aristóteles, duas das
maiores figuras da antiguidade. Bom, mas bem antes de a Macedônia entrar em
contato com a Grécia propriamente dita, em 384 a. C., data praticamente
unânime*1, nascia o Estagirita. Nash é
perspicaz para observar que Aristóteles nasceu “quinze anos depois da morte de
Sócrates e três anos depois da fundação da Academia de Platão” (NASH, p. 103).
Sproul notifica, de forma
sumária, que “seu pai era o médico pessoal do rei da Macedônia” (SPROUL, p.
41). Podemos explorar um pouco mais a informação. Durant complementa dizendo
que ele não era apenas um médico desse rei da Macedônia, como era também seu
amigo, e identifica-lhe: Seu pai era amigo e médico de Amyntas, rei da
Macedônia e avô de Alexandre” (DURANT, p . 57). Essa é uma informação muito
preciosa, historiograficamente falando*2. Amyntas era o avô de Alexandre o
grande. Os vínculos do Estagirita com Alexandre precedia o próprio encontro
dessas duas nobres almas! Berti complementa a informação e nos diz que se trata
de Amintas III, dando a data de seu reinado: “Seu pai, Nicômaco, era médico de
Amintas III, rei da Macedônia (389-369 a. C.)” (PRADEAU, p. 44).
Notem que Berti também nos
revela o nome do pai de Aristóteles. Nesse momento Beni nos ilumina com
informações ricas como, para começar, o nome tanto do pai quanto da mãe de
Aristóteles, bem como o fato de seu pai, Nicômaco, estar associado a uma
importante fraternidade médica: “Filho de Nicômaco e Féstias, seu pai era
médico e membro da fraternidade ou corporação dos Asclepíades ([...] filhos ou
descendentes de Asclépios, deus da medicina). [...] Nicômaco morreu quando
Aristóteles tinha apenas sete anos, tendo o menino sido educado, desde então,
por seu tio Proxeno” (ARISTÓTELES, p. 9). Beni continua a abençoar-nos com mais
informações: “Presume-se que durante o brevíssimo período de convivência com o
pai, este o tenha levado a Pela, capital da Macedônia ao norte da Grécia, e
tenha sido iniciado nos rudimentos da medicina pelo pai e o tio” (ARISTÓTELES,
p. 9).
Gabriel Chalita nos diz que
ele não era apenas filho de médico famoso, pertencente a uma fraternidade
importante de médicos, mas pertencia a uma tradicional família de médicos: “Seu
pai era médico e pertencia a uma família em que os homens, ao longo das
gerações, tradicionalmente professavam a medicina” (CHALITA, p. 60).
O fato de seu pai ser médico
é, para muitos, o que levou Aristóteles a tornar-se praticamente o pai da
ciência, embora, como já observamos, desde Tales de Mileto já se praticar algo
nesse sentido. Assim, temos Gaarder a afirmar: “Seu pai era um médico de
renome; um cientista da natureza, portanto. Este pano de fundo já diz alguma
coisa sobre o projeto filosófico de Aristóteles. Seu maior interesse estava
justamente na natureza viva. Ele não foi apenas o último grande filósofo grego;
foi também o primeiro grande biólogo da Europa” (GAARDER, p. 121). Claro,
deveria ser um médico de destaque para ser o médico pessoal do rei! Vejam como
Durant é igualmente impressionante em suas afirmações: “O próprio Aristóteles
parece ter se tornado membro da grande fraternidade médica de Asclepíades. Foi
criado no odor da medicina, assim como muitos filósofos posteriores foram
criados no odor da santidade; teve todas as oportunidades e todos os estímulos
para desenvolver uma mentalidade científica; foi preparado, desde o início,
para se tornar o fundador da ciência” (DURANT, p. 57). Que Aristóteles chegou a
ser médico somente Durant cogita. Mas não seria de se estranhar, dado o
background e o que se produziu depois.
ARISTÓTELES
NA ACADEMIA
O fato é que chegou um
momento que Aristóteles mudou-se. “Com dezessete anos de idade Aristóteles foi
para Atenas. Matriculou-se na Academia de Platão e estudou ali por vinte anos”
(SPROUL, p. 41)* 3. Ronald Nash nos informa que tal mobilidade era comum entre os
ricos gregos, ou seja, levar seus jovens para estudar em Atenas, palco de
célebres sábios: “Não era incomum que os filhos de gregos abastados, vivendo em
colônias gregas afastadas, retornassem a Atenas para obter educação” (NASH, p.
104).
E como será que foi
Aristóteles na Academia? Adler afirma, categoricamente que ele era o melhor
aluno de Platão: “Aristóteles foi o melhor aluno de Platão; estudou com ele por
vinte anos. Diz-se que também escreveu diálogos, mas nenhum deles sobreviveu
integralmente” (ADLER, p. 287). Apesar do destaque, Aristóteles não conseguiu
os cargos de proeminência, como nota Sproul: “Ele se distinguiu sob a tutela de
Platão, mas é provável que tenha despertado ciúmes e hostilidade nos outros
alunos. Apesar de ser o aluno mais festejado da Academia, Aristóteles foi
preterido duas vezes na escolha do sucessor de Platão, o que fez dele
possivelmente a primeira vítima da politicagem acadêmica” (SPROUL, p. 41).
Berti também notifica-nos de
algo que pode ter passado despercebido na citação que fizemos de Adler: “Estes
foram os anos durante os quais ele escrever os diálogos (hoje perdidos),
baseados no modelo dos diálogos platônicos” (PRADEAU, p. 44). Esse assunto é
algo que exploraremos quando falarmos sobre as obras de Aristóteles, mas é bom
destacar que ele, como autêntico aluno da Academia, dialogava também.
Como aluno de destaque,
Aristóteles, segundo Berti, teria, inclusive, dado aulas na Academia: “É
provável que Aristóteles tenha dado, na Academia, cursos de retórica e de
dialética, dos quais encontramos vestígios nas partes mais antigas das obras
conservadas” (PRADEAU, p. 44).
Will Durant nos informa sobre
os possíveis conflitos que ocorreram entre Platão e Aristóteles enquanto
conviveram na Academia: “Gostaríamos de imaginar que aqueles anos foram muito
felizes; um discípulo brilhante orientado por um incomparável professor,
caminhando como amantes gregos nos jardins da filosofia. Mas os dois eram
gênios; e é notório que os gênios combinam entre si com a mesma harmonia com
que a dinamite combina com o fogo. Quase meio século os separava; era difícil o
entendimento cobrir o fosso da diferença de idade e anular a incompatibilidade
de almas. Platão reconhecia a grandeza daquele estranho novo discípulo do norte
supostamente bárbaro e se referiu a ele, certa vez, como o Nous da Academia [...].
Parece que nosso ambicioso jovem passou a ter um ‘complexo de Édipo’ em relação
a seu pai espiritual, pelos favores e afeição da filosofia, e começou a dar a
entender que a sabedoria não iria morrer com Platão enquanto o velho sábio se
referia a seu discípulo como um potro que escoiceia a mãe depois de beber-lhe
todo o leite” (DURANT, p. 57-58).
Pois bem, tudo leva a
entender que houve um período indubitável em que os dois gênios eram bons
amigos, o mais velho como mestre do mais novo. Aristóteles se destacava. Era um
promissor pupilo. Alguns alunos invejavam-no. Esse, em suma, era o quadro que
se pintava. Agora, parece que, pelos últimos dizeres que Durant nos narra, que
havia alguma tensão entre eles. Por isso, Bini notifica-nos, seguindo Diógenes
Laércio, que eles podem ter se desentendido feio antes mesmo da morte de
Platão: “frequentou a Academia de Platão, deixando-a somente após a morte do
mestre em 347 a. C., embora Diógenes Laércio (o maior biógrafo de Aristóteles)
afirme que ele a deixou enquanto Platão ainda era vivo” (ARISTÓTELES, p. 9-10).
Talvez Aristóteles tenha se ensoberbecido. Talvez já tenha elaborado parte de
suas oposições a Platão. Há indícios, pois, de que Aristóteles tenha saído da
Academia antes da morte de Aristocles.
Todavia, a história
tradicional é que, assim que Platão morreu, Aristóteles tenha se retirado. É
provável que seja por conta de sua irritação para com sua preterição aos cargos
acadêmicos. Bini entende que a proposta do então presidente, Euspesito, tenha-o
desagradado: “Não há dúvidas que Aristóteles desenvolveu laços de amizade com
seu mestre e foi um de seus discípulos favoritos, mas foi Espeusipo que herdou
a direção da Academia. [...] Espeusipo, inspirado no último e mais extenso
diálogo de Platão (As Leis), conferi à Academia um norteamento filosófico
profundamente marcado pelo orfismo pitagórico, o que resultou na rápida
transformação da Academia platônica em um estabelecimento em que predominavam o
estudo e o ensino das matemáticas, trabalhando-se mais elementos de reflexão e
princípios pitagóricos do que propriamente platônicos. Divergindo frontalmente
dessa orientação matematizante e mística da filosofia, Aristóteles abandonou a
Academia...” (ARISTÓTELES, p. 10).
ARISTÓTELES
FORA DA ACADEMIA E FORA DE ATENAS
Aristóteles, discordando do
sobrinho de Platão, sai a viajar pelo mundo, como nos informa Nash: “Depois da
morte de Platão, em 347 a. C., seu testamento legou a direção da Academia ao
seu sobrinho Espêusipo. Aristóteles decidiu que aquela era uma boa hora para
deixar Atenas. Viajou pela Ásia Menor, onde se casou.” (NASH, p. 104). Mas
Sproul é ainda mais preciso em suas informações, e sumarizará nossa discussão:
“Aristóteles deixou Atenas e mudou para Assos, perto de Tróia. Ali passou três
anos na corte do rei, tendo se casado com a filha adotiva deste. Logo depois
que voltou com sua esposa para Atenas, ela morreu. Então ele uniu-se a uma
mulher de nome Herfílis, que lhe de um filho, Nicômaco (em homenagem a quem
Aristóteles escreveu a Ética a Nicômaco)” (SPROUL, p. 41).
Ok, sabemos que ele foi para
Assos, que fica perto de Tróia, e é na Ásia Menor. Mas Sproul vai muito à frente. Antes de
voltar para Atenas, temos mais coisas a observar. Vejamos o que nos informa
Berti: “Com a morte de Platão, ele deixou a Academia e se dirigiu para Assos,
cidade grega da Ásia Menor, onde foi hóspede de Hermias, senhor de Aterneus, e
se casou com a sobrinha Pítias, em honra de quem ele redigiu o Hino à virtude.
Dois anos mais tarde, ele se dirigiu para Mytilene, na ilha de Lesbos, onde se
dedicou, com seu discípulo Teofrasto (372-287 a. C.), a pesquisas sobre os
animais” (PRADEAU, p. 44). São informações valiosas. Percebamos que, primeiro,
enquanto Sproul chama a mulher de Aristóteles de filha adotiva do rei de Assos,
Berti diz que era a sobrinha de Hermias, senhor de Aterneus, e lhe denomina
Pítias. Temos que conciliar as informações para que se coincidam. Hérmias, pois, parece ser o rei de Assos a
que Sproul se refere. E, há uma controvérsia em saber se era uma filha adotiva
ou sobrinha de Hérmias. Ampliemos a questão com Bini.
Após a saída de Aristóteles
da Academia há, também, disputas biográficas. Ao relatá-las Bini lançará luzes
sobre algumas questões levantadas: “Alguns autores pretendem que, logo após ter
deixado a Academia, Aristóteles abriu uma Escola de retórica com o intuito de
concorrer com a famosa Escola de retórica de Isócrates. Entre os discípulos do
Estagirita estaria o abastado Hérmias, que pouco tempo depois se tornaria
tirano de Atarneu (ou Aterna), cidade-Estado grega na região da Eólida. Outros
autores, como o próprio Diógenes Laércio, preferem ignorar a hipótese da
existência de tal Escola e não entrar em minúcias quanto às circunstâncias do
início do relacionamento entre Aristóteles e Hérmias. Diógenes Laércio
limita-se a afirmar que alguns supunham que o eunuco Hérmias era um favorito de
Aristóteles, e outros, diferentemente, sustentam que o relacionamento e o
parentesco criados entre eles foram devidos ao casamento de Aristóteles com
Pítia – filha adotiva, irmã ou sobrinha de Hérmias, não se sabe ao certo. Um
terceiro partido opta por omitir tal Escola e associa o encontro de Aristóteles
com Hérmias indiretamente a dois discípulos de Platão e amigos do Estagirita, a
saber, Erasmo e Corisco, que haviam redigido uma Constituição para Hérmias e
recebido apoio deste para fundar uma escola platônica em Assos, junto a
Atarneu. O fato incontestável é que nosso filósofo (Aristóteles) conheceu o
rico Hérmias, ensinou durante três anos na Escola Platônica de Assos
(patrocinada por ele) e, em 344 a. C., desposou Pítia. Nessa Escola Aristóteles
conheceu Teofrasto, que se tornaria o maior de seus discípulos” (ARISTÓTELES,
p. 10-11)*4.
Bom, primeiramente Bini
reconhece a disputa em torno da relação de parentesco entre Pítias e Hérmias. O
fato é que os vínculos afetivos entre Aristóteles e esse abastado varão foram
reforçados com o casamento.
Berti dá a entender que,
assim que Aristóteles se mudou para Assos ele se casou com Pítias e, dois anos
depois, rumou para Mytilene com Teofrasto. Bini e Sproul, por sua vez, sugerem
que ele tenha ficado três anos em Assos, sob auspícios de Hérmias, ensinando em
uma escola antes de partir. A questão é sobre ser dois ou três anos em Assos.
Seja qual for a opção correta sobre essa escola e o que ele tenha ensinado, ele
deu aulas em Assos e conheceu seu discípulo favorito, Teofrasto. Teofrasto saiu
com o mestre para Mytilene.
Porque saíram de Assos? Berti
indica que foram fazer pesquisas biológicas, zoológicas, botânicas, na ilha de
Lesbos. Bini nos indica um ataque persa: “Após a invasão de Atarneu pelos
persas e o assassinato de Hérmias, ocasião em que, segundo alguns autores,
Aristóteles salvou a vida de Pítia providenciando sua fuga, dirigiu-se ele a
Mitilene, na ilha de Lesbos” (ARISTÓTELES, p. 11). Podem ser as duas coisas:
interesse como cientista e segurança. O fato é que passaram pouco tempo ali.
Logo Aristóteles, já com certa fama, receberia uma honrosa convocação.
ALEXANDRE
O GRANDE
Relembrando o que já vimos no
artigo sobre o período helenístico, ouçamos Sproul: “Em 342, Aristóteles foi
chamado à Macedônia pelo rei Filipe II e indicado tutor pessoal do filho do
rei, Alexandre. Esse relacionamento haveria de ter um impacto tremendo, não só
sobre o mundo mediterrâneo no futuro imediato, mas também sobre a civilização
ocidental pelo resto da história. O discípulo mais destacado de Aristóteles
iria distinguir-se não como filósofo, mas como líder militar. Alexandre, o
Grande, adquiriu do seu mentor a paixão pela unidade. Suas conquistas militares
foram motivadas em grande medida por seu desejo de criar uma cultura unificada
no mundo antigo, uma cultura unida por uma língua comum, o grego. Como esse
projeto de helenização estendeu-se até a Palestina, o Novo Testamento foi escrito
em grego e não em hebraico ou latim” (SPROUL, p. 42).
Sim, tal convite (ou
convocação) era um reconhecimento de quão grande estava Aristóteles, já lá
pelos seus quarenta anos, embora tenhamos de nos lembrar que o pai de
Aristóteles, sr. Nicômaco, era o médico pessoal e amigo de Amintas III, avô de
Alexandre. Um ano na ilha de Lesbos e fora chamado, como notifica-nos Durant:
“Apenas um ano depois, Filipe, rei da Macedônia, chamou Aristóteles para sua
corte em Pela, a fim de encarregar-se da educação de Alexandre. É uma
confirmação da crescente reputação de nosso filósofo o fato de o maior monarca
da época, ao procurar o melhor dos professores, destacar Aristóteles para ser o
tutor do futuro senhor do mundo” (DURANT, p. 58).
Bini nos informa de um
importante trabalho que Aristóteles teria iniciado nesse momento. Tomemos nota,
por questão de exposição cronológica, para posterior elucidação: “Nosso
filósofo teria iniciado, também nesse período, a colossal Constituições,
contendo a descrição e o estudo de 158 ou 125 formas de governo em prática em
toda a Grécia (desse alentadíssimo trabalho só restou para a posteridade a
Constituição de Atenas)” (ARISTÓTELES, p. 11).
Berti, além de nos dizer que
Platão escreveu diálogos, que se perderam, para Alexandre, credita uma estátua
de Aristóteles a favores estatais obtidos enquanto preceptor de Alexandre: “É
provável que ele tenha obtido, dos reis da Macedônia, privilégios em favor da
cidade de Atenas; foi por isso que os atenienses erigiram, mais tarde, uma
coluna em sua honra” (PRADEAU, p. 44).
O fato é que, pouco tempo
depois, Filipe II iria morrer e Aristóteles assumiria o trono.
DE VOLTA A
ATENAS
Berti nos informa o seguinte:
“Com a morte de Felipe, quando Alexandre decidiu sua expedição contra Pérsia,
que lhe valeu o título de Alexandre o Grande, Aristóteles retornou a Atenas
(334 a. C.)” (PRADEAU, p. 45). Bini informa de forma muito semelhante, embora
discorde levemente na data: “... o Estagirita prosseguiu como educador de
Alexandre até a morte de Felipe e o início do reinado de Alexandre (335 a. C.)”
(ARISTÓTELES, p. 11). O fato é que, morrendo Filipe e assumindo Alexandre,
indo, inclusive, rumar à Pérsia, não haveria mais motivos para estar ali. Além
do mais, como já vimos, Atenas tinha um governo favorável a Alexandre, e
Alexandre tinha seu mestre em altíssima estima.
Em 334 ou 335 a. C.,
Aristóteles retorna a Atenas para fundar sua escola de filosofia. Já haviam se
passado cerca de 4 anos que Alexandre finalmente vencera Atenas e Tebas na
batalha em Queronéia. Ali Aristóteles vestia a camisa de Alexandre, como Durant
deixa-nos informado: “Quando Aristóteles, depois de outro período viajando,
voltou a Atenas no ano de 334 a. C., muito naturalmente associou-se àquele
grupo macedônico e não se preocupou em esconder a sua aprovação ao governo
unificador de Alexandre” (DURANT, p. 59). O Estagirita também mantinha-se
sempre informado sobre a situação de Alexandre, conforme nos informa Bini: “A
despeito de estar em Atenas, Aristóteles permanecia informado das manobras político-militares
de Alexandre através do chanceler macedônio e amigo Antipater” (ARISTÓTELES, p.
12).
Sproul, alhures, comentando
sobre a volta de Aristóteles para Atenas, nos informa sobre Pítias ter morrido
e ele ter contraído novas núpcias. Esse é o momento para ampliar a informação,
com Edson Beni: “Aristóteles foi casado uma segunda vez (Pítia encontrar a
morte pouco depois do assassinato de seu protetor, o tirano Hérmias), com
Hérpile, uma jovem, como ele, de Estagira, e que lhe deu uma filha e o filho
Nicômaco” (ARISTÓTELES, p. 14).
O LICEU
“Aristóteles retornou a
Atenas em 334 a. C. e fundou sua própria escola, o Liceu, a qual funcionou
somente durante os últimos doze anos de sua vida” (NASH, p. 104). Sproul diz
treze anos, mas já temos visto que pequenas variações são comuns: “Aristóteles presidiu o Liceu por
treze anos, ocupado com estudos científicos e escritos – sua produção literária
foi imensa” (SPROUL, p. 42). Quanto à produção literária de Aristóteles,
deixemos para o final. Gabriel Chalita nos informa que o Liceu ficava “na parte
oriental da cidade” (CHALITA, p. 60) e Bini nos informa com precisão sua
localização, acrescentando uma descrição muito interessante: “Retornou então a
Atenas e fundou nesse mesmo ano sua Escola no [...] Liceu [...], um ginásio
localizado na região nordeste de Atenas, junto ao templo de Apolo Lício [...]
literalmente o destruidor de lobos. O Liceu (já que o lugar emprestou seu nome
à Escola de Aristóteles) situava-se em meio a um bosque [...] e era formado por
um prédio, um jardim e uma alameda adequada ao passeio de pessoas que
costumavam realizar uma conversação caminhando” (ARISTÓTELES, p. 11-12).
Portanto, num bosque onde o templo a Apolo Lício se localizava estava o Liceu.
Essa alameda referida era
muito famosa. Sproul relata que “o campus era ornamentado por uma alameda
chamada peripatos. Aristóteles costumava passear por essa alameda, fazendo
palestras aos alunos que o seguiam de perto. Isso conferiu ao Liceu o título de
‘escola peripatética’” (SPROUL, p. 42). Não só a escola era reconhecida como
peripatética, como os alunos, como nos informa Chalita, acabaram sendo
similarmente cunhados: “Devido ao hábito de [Aristóteles] ensinar enquanto
caminhava pelos jardins da escola, os seguidores do grande filósofo ficaram
conhecidos como peripatéticos, ou ‘os que caminham ao redor’” (CHALITA, p. 60)*5.
Esses peripatéticos não só
seguiam o mestre como engajavam-se em discussões pela peripatos: “(literalmente,
lugar de andar). Muito do ensino ocorria enquanto os membros da escola
passeavam pelos agradáveis arredores, engajados em discussões filosóficas”
(NASH, p. 104). Tais discussões parecem refletir a proposta socrática aplicada
à Academia.
Sobre o que se ensinava no
Liceu, Berti é sumário: “Em sua escola, Aristóteles deu cursos de dialética, de
física, de filosofia primeira, de ciência política, de retórica e de poética; é
preciso também acrescentar que ele esteve na origem de uma compilação de 158
constituições e de obras que reuniam outros materiais” (PRADEAU, p. 45). Notem
que Berti discorda de Bini quanto ao momento em que se originou as pesquisas à
colossal obra sobre as constituições. Parece-nos que nesse período temos um
momento mais propício para tal tarefa, mas não é difícil imaginar que
Aristóteles tenha tido apoio de Felipe, em Pela, para erigir tal monumento.
Bini é ainda melhor ao
explicar o que se passava, em termos de conhecimento, no Liceu, notando que
haviam dois tipos distintos, qualitativamente, de estudantes: “O período do
Liceu (335-323 a. C.) foi, sem dúvida, o mais produtivo e fecundo na vida do
filósofo de Estagira [...]. Durante a manhã Aristóteles ministrava aulas
restritas aos discípulos mais avançados, os chamados cursos esotéricos [...] os
quais versavam geralmente sobre temas mais complexos e profundos de lógica,
matemática, física e metafísica. Nos períodos vespertino e noturno, Aristóteles
dava cursos abertos, acessíveis ao grande público (exotéricos)[...], via de
regra de dialética e retórica. Teofrasto e Eudemo, seus principais, discípulos,
atuavam como assistentes e monitores, reforçando a explicação das lições aos
discípulos e anotando-as para que posteriormente o mestre redigisse suas obras,
com base nelas. A distinção entre cursos esotéricos e exotéricos e a
consequente separação dos discípulos não eram motivadas por qualquer diferença
entre um ensino secreto místico, reservado apenas a iniciados, e um ensino
meramente religioso, ministrado aos profanos nos moldes, por exemplo, das
instituições dos pitagóricos. Essa distinção era puramente pragmática, no
sentido de organizar os cursos por nível de dificuldade (didática) e,
sobretudo, restringir os cursos exotéricos àquilo que despertava o interesse da
maioria dos atenienses, a saber, a dialética e a retórica” (ARISTÓTELES, p.
12).
Se alguém está em dúvida
quanto ao sucesso da escola, Durant é muito perspicaz: “Não foi difícil o
instrutor do rei dos reis conseguir alunos, mesmo na hostil cidade de Atenas.
Quando, aos 53 anos, Aristóteles fundou sua escola, o Liceu, foram tantos os
alunos que acorreram que se tornou necessário estabelecer regras complicadas
para manter a ordem. Os próprios estudantes determinaram as regras e elegiam, a
cada dez dias, um deles para supervisionar a Escola. Mas não devemos pensar que
ela fosse um lugar de disciplina rígida; ao contrário, o retrato que chega até
nós são de estudantes fazendo refeições em comum com o mestre e aprendendo com
ele enquanto passeavam de uma ponta a outra da Alameda que acompanhava o campo
de atletismo” (DURANT, p. 59-60).
Temos de nos lembrar que,
naquele momento, a Academia ainda estava em pleno vigor em Atenas. Seria, o
Liceu, pois, um concorrente? Will Durant acredita que não: “A nova Escola não
era uma simples réplica daquela que Platão havia deixado. A Academia se dedicava,
acima de tudo, à matemática e à filosofia especulativa e política; o Liceu
tinha, mais um tendência para a biologia e as ciências naturais” (DURANT, p.
60). Como já dissemos, Aristóteles é praticamente o pai da ciência.
Durant nota que “certa vez,
ele [Aristóteles] teve à sua disposição mil homens espalhados pela Grécia e
pela Ásia, recolhendo para ele espécimes da fauna e da flora de todos os
países. Com essa abundância de material, ele pôde criar o primeiro grande
jardim zoológico que o mundo até então já vira. Nunca é demais salientar a
influência dessa coleção sobre a sua ciência e sua filosofia” (DURANT, p. 60).
Acreditamos que o bosque em que o Liceu se localizava tenha sido muito propício
para tais propósitos. Além disso, essa informação ratifica a ideia de que tenha
sido esse o memento da compilação das Constituições. Notemos, por fim, que esse
empreendimento de coleta de dados já havia sido empreendido por Aristóteles na
ilha de Lesbos, junto a seu discípulo Teofrasto.
Percebamos que ciência custa
caro. É preciso viajar, pesquisar, conseguir materiais, contratar ‘pesquisadores’.
É por isso que Durant levanta a questão: “Onde Aristóteles conseguia os fundos
para financiar tais empreendimentos? Ele mesmo, àquela altura, era um homem de
vultosos rendimentos; e pelo casamento passara a partilhar da fortuna de um dos
mais poderosos homens públicos da Grécia. Ateneu (sem dúvida que com um certo
exagero) relata que Alexandre deu a Aristóteles, para equipamentos e pesquisas
físicas e biológicas, a soma de oitocentos talentos (em poder aquisitivo atual,
cerca de quatro milhões de dólares) [...]. Trabalhos como o digesto de 158
constituições políticas, preparado para Aristóteles, indicam um considerável
corpo de auxiliares e secretários. Em suma, temos o primeiro exemplo, na
história europeia, do financiamento em larga escala da ciência pelo erário
público” (DURANT, p. 60). Sproul não fica atrás em matéria de notar tal fato: “Alexandre
também se interessava pela aquisição de conhecimento. Há quem diga que a expedição
científica mais ricamente financiada por um governo antes do moderno programa
espacial americano foi a que acompanhou as expedições militares de Alexandre.
Praticamente um exército de cientistas marchou com seus soldados com o
propósito expresso de coletar, classificar e estudar espécimes da flora e da
fauna” (SPROUL, p. 42).
A importância do Liceu é tão
grande que Bini nota o seguinte: “...o curriculum para o aprendizado fixado por
Aristóteles nessa época para o Liceu foi a base para o curriculum das
Universidade europeias por mais de dois mil anos, ou seja, até o século XIX”
(ARISTÓTELES, p. 13). Não é, pois, exagero dizer que Aristóteles é um dos
homens mais influentes da história da humanidade.
A OBRA DE
ARISTÓTELES
Primeiramente, Aristóteles
tem de ser louvado pela vasta gama de assuntos que escreveu, e de forma
relevante, inclusive. Nash reconhece: “Aristóteles foi o primeiro pensador
cosmopolita. Estava interessado em quase tudo. Ele dividia o conhecimento
humano em suas categorias básicas e escreveu sistematicamente sobre a maioria
delas” (NASH, p. 103). Adler e Durant também versam sobre a vastidão da
produção de Aristóteles: “Os assuntos discutidos por Aristóteles em seus
tratados e os vários estilos adotados por ele na apresentação de suas
descobertas também ajudaram a estabelecer os ramos e as abordagens da filosofia
nos séculos posteriores. Há, antes de tudo, as chamadas obras populares –
sobretudo diálogos, dos quais nos chegaram apenas fragmentos. Depois, há as
coleções de documentos. A maior que conhecemos teria sido uma coleção de 158
Constituições de Estados gregos. Apenas uma delas sobreviveu, a Constituição de
Atenas, que foi encontrada em um papiro em 1890. Por fim, há os grandes
tratados, alguns dos quais [...] são obras puramente filosóficas, teóricas ou
normativas, algumas delas [...] são misturas de teoria filosófica e
investigação científica primitiva; outros, como os tratados biológicos, são
sobretudo obras científicas da área de história natural” (ADLER, p. 288) e “Os
trabalhos escritos de Aristóteles chegam às centenas [...]. O que resta é
apenas uma parte, constituindo, no entanto, uma biblioteca completa – imaginem
a amplitude e a grandeza do todo. Primeiro, vêm os trabalhos sobre a lógica
[...]; eles foram reunidos e editados mais tarde pelos peripatéticos sob o
título geral de ‘Organon’ de Aristóteles – isto é, o órgão ou o instrumento
para o pensamento correto. Depois vêm os trabalhos científicos [...]. Em
terceiro, vêm os trabalhos relativos à estética [..]. Em quarto, os trabalhos
mais estritamente filosóficos [...]. Temos aqui, evidentemente, a Encyclopedia
Britannica da Grécia: todos os problemas abaixo e ao redor do sol têm um lugar
nela; não admira que existam mais erros e absurdos em Aristóteles do que em
qualquer outro filósofo que tenha escrito alguma coisa” (DURANT, p. 61).
Sim, Aristóteles, por tanto
falar, estava mais sujeito a errar. O que, evidentemente, é matéria de muito
erro são seus postulados científicos. Várias afirmações que ele fez são hoje
ampla e seguramente contestadas. Entretanto, ouçamos, mais uma vez, a Will
Durant: “... iríamos cometer uma injustiça para com Aristóteles se fôssemos
ignorar as limitações quase fatais do equipamento que acompanhava aqueles
recursos e facilidades sem precedentes” (DURANT, p. 60). Na verdade, era um
problema da própria Grécia e seu sistema social a inabilidade tecnológica,
afirma Durant: “foi na invenção industrial e técnica que a Grécia ficou muito
atrás do padrão geral de suas realizações sem paralelo. O desdém grego pelo
trabalho manual impedia que todos, exceto o escravo indiferente, tivessem um
conhecimento direto do processo de produção, aquele estimulante contato com a
maquinaria que revela defeitos e prefigura possibilidades; a invenção técnica
só era possível para aqueles que não se interessavam por ela e não podiam obter
dela qualquer recompensa material [... E assim, enquanto o comércio grego
conquistava o mar Mediterrâneo e a filosofia grega conquistava a mente
mediterrânea, a ciência grega estava perdida e a indústria grega continuava
quase que no ponto em que a indústria egéia estivera quando os gregos invasores
havia caído sobre ela em Cnosso, Tirinto e Micenas, mil anos antes*6. [...] Apesar de tudo, a imensa
quantidade de dados reunidos por ele e seus assistentes tornou-se a base do
progresso da ciência, o livro didático do conhecimento durante dois mil anos;
uma das maravilhas do trabalho do homem” (DURANT, p. 61).
Bom, o ‘espírito científico’
refletia em sua forma de exposição que fazia com que ele diferisse de seu
antigo e célebre mestre: “Enquanto Platão era poeta e criador de mitos, os
escritos de Aristóteles são sóbrios e pormenorizados como os verbetes de uma
enciclopédia. Em compensação, muito do que ele escreveu estava baseado em
estudos naturais realizados com extrema diligência” (GAARDER, p. 121-122).
Para delírio dos filósofos da
linguagem, Aristóteles desenvolveu uma série de termos importantíssimos para
nossa reflexão acadêmica. Gaarder reconhece: “A importância de Aristóteles para
a cultura europeia está também no fato de ele ter criado uma linguagem técnica
usada ainda hoje pelas mais diversas ciências. Ele foi o grande sistematizador,
o homem que fundou e ordenou as várias ciências” (GAARDER, p. 122) e Durant é
ainda mais específico: “Em vez de dar termos à literatura, como fez Platão, ele
construiu a terminologia da ciência e da filosofia; praticamente não podemos
falar de qualquer ciência, hoje, sem empregar termos que ele inventou; eles
jazem como fósseis no substrato de nossa linguagem: faculdade, média, máxima
(que significa, em Aristóteles, a principal premissa de um silogismo),
categoria, energia, realidade, motivo, fim, princípio, forma – estas
indispensáveis moedas do pensamento filosófico foram cunhadas em sua mente”
(DURANT, p. 62).
ÚLTIMOS
ANOS E CONFLITOS POLÍTICOS
Os dias felizes no Liceu
haviam de terminar. “Depois que Alexandre, o Grande, morreu, em 323 a. C.,
surgiu uma forte onda de sentimento antimacedônio na Grécia, que apanhou
Aristóteles em seu refluxo por causa da sua ligação com Alexandre” (SPROUL, p.
42). Nash nos informa que buscavam vingança contra os aliados do rei: “Amargurados
com os sofrimentos suportados durante o reinado de Alexandre, muitos atenienses
buscaram vingança contra as pessoas mais próximas do rei” (NASH, p. 104).
Durant nos descreve o cenário político da cidade: “Atenas delirou de júbilo
patriótico; o partido macedônio foi derrubado, e a independência ateniense
proclamada” (DURANT, p. 88).
Bini retrata a problemática,
o terreno minado que Aristóteles pisava, de maneira espetacular: “A morte
prematura de Alexandre em 323 a. C. trouxe à baila, novamente, como trouxera em
338 a. C., na derrota de Queroneia, um forte ânimo patriótico em Atenas,
encabeçado por Demóstenes [...] Isso, naturalmente, gerou um acentuado e
ardente sentimento antimacedônico [...]. Nosso filósofo viu-se, então, em uma
situação bastante delicada, pois não apenas residira em Pela durante anos,
cuidando da educação do futuro senhor do Império, como conservara uma
correspondência regular om Antipater (braço direito de Alexandre) [...]. As
constantes e generosas contribuições de Alexandre ao acervo do Liceu
(biblioteca e museu) haviam passado a ser observadas com desconfiança, bem como
a amizade ‘suspeita’ do aristocrático e conservador filósofo, que nunca
ocultara sua antipatia pela democracia ateniense” (ARISTÓTELES, p. 13).
Não bastasse as divergências
políticas, o próprio Liceu pode ter sido atrativo de problemas por conta da
‘concorrência’, conforme amplia Edson Bini: “Se somarmos ainda a esse campo
minado sob os pés do Estairita o fato de o Liceu ser rivalizado pela
nacionalista Academia de Espeusipo e a democrática Escola de retórica de
Isócrates, não nos espantaremos ao constatar que muito depressa os cidadãos
atenienses começaram a alimentar em seus corações a suspeita de que Aristóteles
era um traidor” (ARISTÓTELES, p. 13-14).
Berti ainda amplia o quadro
informando que “Aristóteles foi acusado de insultar as crenças religiosas”
(PRADEAU, p. 45). Sproul nota a mesma questão: “A exemplo de Sócrates antes
dele, Aristóteles foi acusado de impiedade” (SPROUL, p. 42). Durant amplia:
“Eurimedon, um sumo sacerdote, apresentou uma acusação contra Aristóteles, de
que ele ensinara que orações e sacrifícios de nada adiantavam” (DURANT, p. 88).
Aristóteles resolve
abandonar, mal sabia que era pela última vez, Atenas. Nash nos informa que ele
estava bem ciente do caso de Sócrates e declarava a analogia: “Aristóteles
deixou Atenas pela última vez, e justificou sua partida repentina dizendo que
queria poupar Atenas do embaraço de pecar outra vez contra a filosofia, isto é,
tendo matado o grande filósofo, Sócrates e, agora, atentando contra ele” (NASH,
p.104). Durant o justifica: “Não havia covardia neste ato; uma pessoa acusada,
em Atenas, tinha sempre a opção de preferir o exílio” (DURANT, p. 88)*7.
Deixemos com Beni, aquele que
mais informações nos dá sobre o Estagirita, o relato de como se deu o fim desse
nobríssimo filósofo: “Abandonou seu querido Liceu e Atenas em 322 ou 321 a. C.,
transferindo-se para Cálcis, na Eubeia, terra de sua mãe, onde vivera
pouquíssimo. Morreu no mesmo ano, aos sessenta e três anos, provavelmente
vitimado por uma enfermidade gástrica de que sofria há muito tempo. Diógenes
Laércio supõe, diferentemente, que Aristóteles teria se suicida tomando cicuta,
exatamente o que Sócrates tivera que ingerir após sua condenação à morte”
(ARISTÓTELES, p. 14). Durant nos informa que Diógenes Laércio supõe que
Aristóteles tenha se suicidado justamente por conta da decepção que passara: “o
velho filósofo, decepcionadíssimo com o fato de tudo ter se voltado contra ele,
cometeu suicídio bebendo cicuta” (DURANT, p. 88).
A
TRANSMISSÃO DE ARISTÓTELES
Berti nos informa que as
publicações que temos não foram engendradas por Aristóteles: “Aristóteles não
publicou, ele próprio, os textos de seus cursos; eles só foram editados mais
tarde, na segunda metade do século I. a. C., por Andronicus de Rhodes, provavelmente
em Roma” (PRADEAU, p. 45). Podemos nos aprofundar nessas informações.
Nash é precioso em
informações a esse respeito: “Depois da morte de Aristóteles, sua biblioteca,
incluindo manuscritos de seus próprios escritos*8, foi passada ao seu sucessor,
Teofrasto. Quando Teofrasto morreu, a biblioteca foi escondida em uma caverna
em algum lugar da atual Turquia. A localização da biblioteca enterrada pare ter
sido esquecida até que, cerca de cem anos depois, foi, redescoberta. Durante
esse período, os manuscritos sofreram muito dano. A manipulação incompetente
produziu ainda mais estragos. Finalmente Andrônico de Rodes, trabalhando em
Roma, assumiu a tarefa de colocar os manuscritos em ordem. Foram então
publicados no ano 70 d. C.” (NASH, p. 104).
Nash nos informa que essas
muitas edições do material aristotélico tornaram seus escritos muito difíceis
de serem lidos: “O que sobreviveu, além de pequenos fragmentos de seus
diálogos, foram as obras técnicas de Aristóteles que refletem o material
ensinado no Liceu [..] Elas foram bastante editadas por Andrônico e por
posteriores redatores; material de uma variedade de fontes e manuscritos foi
combinado, editado e sintetizado. Quer a culpa caiba quer não totalmente a
Andrõnico, o produto dos cortes e divisões pouco fez para facilitar o
entendimento do pensamento de Aristóteles” (NASH, p. 104-105).
Tal dificuldade nos textos
levanta suspeitas de sua autoria, como aponta Adler: “Sobreviveram, porém,
ensaios ou tratados curiosamente difíceis a respeito de diversos assuntos.
Obviamente, Aristóteles era um pensador claro, mas a dificuldade das obras que
sobreviveram levou os estudiosos a sugerir que eram originalmente notas para
aulas ou para livros – feitas pelo próprio Aristóteles ou por um aluno que assistira
às aulas do mestre. Talvez nunca descubramos a verdade. De qualquer modo, o
tratado aristotélico criou um novo estilo filosófico” (ADLER, p. 287-288).
Entretanto, antes que alguém
venha a desprezar os escritos, ignorando sua genialidade e a possibilidade de
serem realmente desta grande alma, Durant arremata a questão: “é possível que
os escritos atribuídos a Aristóteles não fossem seus, mas em grande parte,
compilações de estudantes e seguidores que embalsamaram nas anotações que fizeram
a substância sem artifícios de suas palestras. Parece que Aristóteles não
publicou, enquanto vivo, quaisquer trabalhos técnicos, exceto os relativos à
lógica e à retórica; e que a forma atual dos tratados de lógica se deve a uma
editoria posterior [...]. Em todo caso, podemos estar certos de que Aristóteles
é o autor espiritual de todos esses livros que trazem seu nome: de que a mão
poderá ser, em certos casos, de outra pessoa, mas a cabeça e o coração são
seus” (DURANT, p. 62).
Bini apresenta o motivo de
talvez termos perdido ainda mais textos aristotélicos: “É quase certo que boa
parte da perda irreparável da obra aristotélica tenha sido causada pelo
criminoso incêndio da Biblioteca de Alexandria, ocorrido por volta do ano 200
(d. C.)” (ARISTÓTELES, p. 18). Gaarder nos diz o que temos, afirma a hipótese
(não como hipótese) de os escritos serem apontamentos feitos para as lições no
Liceu, e elenca mais um motivo de possivelmente não termos melhores textos,
encerrando esta exposição da pessoa de Aristóteles: “Registros da Antiguidade
dão conta de não menos que cento e setenta títulos assinados por Aristóteles.
Destes, quarenta e sete chegaram até nossos dias. Não se tratava de livros
completos. A maior parte dos escritos de Aristóteles compõe-se de apontamentos
feitos para suas aulas. Também na época de Aristóteles, a filosofia era
essencialmente uma atividade oral” (GAARDER, p. 122).
[comece a estudar a filosofia de Aristóteles por aqui]
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*1 Bini é o único que sugeriu alguma
dúvida: “O ano de seu nascimento é duvidoso, estima-se que tenha sido em 385 a.
C., ou, mais provavelmente, 384 a. C.” (ARISTÓTELES, p. 9).
*2 Nash dá a mesma informação: “A
vida de Aristóteles começou na colônia grega de Estagira. Seu pai era médico na
corte do rei da Macedônia, o qual foi o avô do homem que seria conhecido como
Alexandre, o Grande” (NASH, p. 103).
*3 Há controvérsias sobre quando,
exatamente, Aristóteles teria se mudado para Atenas. Ronald Nash aponta
Aristóteles indo à cidade da democracia aos 14 anos (NASH, p. 104). Bini também
aponta uma certa dúvida: “O fato indiscutível e relevante é que aos dezessete
ou dezoito anos o jovem Estagirita transferiu-se para Atenas e, durante cerca
de dezenove anos, frequentou a Academia de Platão”. Porém, é Durant que nos
informa sobre questões mais dúbias em relação a este período de juventude do
Estagirita. “Temos várias opções quanto à história de sua juventude. Uma
narrativa o apresenta jogando fora o seu patrimônio numa vida agitada, entrando
para o exército para evitar a fome, voltado a Estagira para praticar a medicina
e indo para Atenas aos trinta anos de idade para estudar filosofia com Platão.
Uma história mais digna o leva a Atenas aos dezoito anos e o coloca logo sob a
tutela do grande Mestre; mas mesmo nessa descrição mais provável existem sinais
suficientes de um jovem imprudente e irregular, vivendo uma vida agitada. O
leitor escandalizado poderá consolar-se ao observar que em ambas as histórias o
nosso filósofo lança âncoras, finalmente, nas tranquilas alamedas da Academia.
Com Platão ele estudou oito – ou vinte – anos; e, de fato, o penetrante
platonismo das especulações de Aristóteles, - mesmo daquelas mais
antiplatônicas – sugere o período mais longo” (DURANT, p. 57).
*4 A versão de Durant diz o seguinte:
“Aristóteles fundou uma escola de oratória para rivalizar com Isócrates; e que
teve entre os seus discípulos nessa escola o rico Hérmias, que pouco depois
iria se tornar autocrata da cidade-estado de Aterneus. Depois de atingir aquela
eminência, Hérmias convidou Aristóteles para sua corte; e no ano de 344 a. C.,
recompensou seu professor por favores prestados dando-lhe uma irmã (ou
sobrinha) em casamento. [...] Aristóteles, apesar de seu gênio, viveu bem feliz
com a mulher e se referiu a ela em termos muitíssimo afetuosos em seu testamento”
(DURANT, p. 58).
*5 A título de completude, resolvemos
expor Berti falando coisas muito semelhantes aos demais: “onde fundou uma
escola instalada no jardim consagrado a Apolo Lício e que por isso se chamou
Liceu; nesses lugares se encontrava também um espaço onde deambular, que se
chamava peripatos, o que permitiu mais tarde empregar a denominação de escola
‘peripatética’” (PRADEAU, p. 45).
*6 Essa informação de Durant é
estranha quando vemos os documentários do Discovery Channel sobre a Grécia e
descobrimos seus grandiosíssimos feitos de engenharia. Talvez Durant esteja
falando que os gregos não empregavam essas técnicas para a produção de
ferramentas científicas; ou esteja dizendo que na filosofia avançaram muito
mais do que na ciência. O fato é que é indubitável, entretanto, que eram bem
avançados, e suas grandes e magníficas construções testemunham, coadunam, a favor
dessa afirmação.
*7 Observem que no capítulo 26 da
Apologia de Sócrates parece ter surgido essa proposta para o grande mestre de
Atenas.
*8 Parece que, já na época em que
estudou na Academia, Aristóteles possuía um grande acervo, conforme nos informa
Will Durant: “Aristóteles havia gasto dinheiro a rodo na coleção de livros
(isto é, naquela época sem tipografia, manuscritos); foi o primeiro, depois de
Eurípedes, a organizar uma biblioteca; e a fundação dos princípios de
classificação bibliográfica esteve entre suas muitas contribuições para a
cultura” (DURANT, p. 57).
REFERÊNCIA
ADLER, Mortimer J; VAN DOREN,
Charles. Como Ler Livros. Tradução de Edward Horst Wolff e Pedro
Sette-Câmara. São Paulo: É Realizações, 2010, 432p.
ARISTÓTELES. Retórica.
Tradução, textos adicionais e notas de Edson Bini. São Paulo: EDIPRO, 2011,
272p.
BERTI, Enrico. Aristóteles _
PRADEAU, François. História da Filosofia. Tradução de James
Bastos Arêas e Noéli Correia de Melo Sobrinho. Petrópolis: Vozes; Rio de
Janeiro: PUC-Rio. 2ª ed., 2012, 624p.
CHALITA, Gabriel. Vivendo
Filosofia. São Paulo: Atual, 2002, p. 304.
DURANT, Will. A
História da Filosofia. Tradução de Luiz Carlos do Nascimento Silva.
Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record. 4ª ed., 2001, 406p.
GAARDER, Jostein. O
mundo de Sofia: romance da história da filosofia. Tradução de João Azenha
Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 560 p.
NASH, Ronald H. Questões Últimas da vida: uma introdução à filosofia. Tradução de
Wadislau Martins Gomes. São Paulo: Cultura Cristã, 2008. 448 p.
PLATÃO. Apologia de
Sócrates. Tradução e Apêndice de Maria Lacerda de Moura; Introdução de
Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011, 88p.
SPROUL, R. C. Filosofia
para iniciantes. Tradução de Hans Udo Fuchs. São Paulo: Vida Nova, 2002,
208 p.
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