quinta-feira, 22 de maio de 2014

A vida de Aristóteles


DADOS BIOGRÁFICOS BÁSICOS

[para conhecer o contexto em que viveu Aristóteles, clique aqui]

Aristóteles nasceu em Estagira. Reunindo as informações que colhemos sobre essa cidade temos o seguinte. Sproul diz que localiza-se na Trácia (SPROUL, p. 41). Edson Bini fala sobre Estagira ser uma colônia da Macedônia: “Estagira, cidade grega e então colônia da Macedônia, no litoral noroeste da península da Calcídica, cerca de trezentos quilômetros ao norte de Atenas” (ARISTÓTELES, p. 9). Durant diz trezentos e vinte quilômetros ao norte de Atenas (DURANT, p. 57).
Já sabemos que a Macedônia era uma nação grega, embora os gregos, mesmo, o negassem, chamando-os de bárbaros. O irônico é que da Macedônia viria Alexandre e Aristóteles, duas das maiores figuras da antiguidade. Bom, mas bem antes de a Macedônia entrar em contato com a Grécia propriamente dita, em 384 a. C., data praticamente unânime*1, nascia o Estagirita. Nash é perspicaz para observar que Aristóteles nasceu “quinze anos depois da morte de Sócrates e três anos depois da fundação da Academia de Platão” (NASH, p. 103).
Sproul notifica, de forma sumária, que “seu pai era o médico pessoal do rei da Macedônia” (SPROUL, p. 41). Podemos explorar um pouco mais a informação. Durant complementa dizendo que ele não era apenas um médico desse rei da Macedônia, como era também seu amigo, e identifica-lhe: Seu pai era amigo e médico de Amyntas, rei da Macedônia e avô de Alexandre” (DURANT, p . 57). Essa é uma informação muito preciosa, historiograficamente falando*2. Amyntas era o avô de Alexandre o grande. Os vínculos do Estagirita com Alexandre precedia o próprio encontro dessas duas nobres almas! Berti complementa a informação e nos diz que se trata de Amintas III, dando a data de seu reinado: “Seu pai, Nicômaco, era médico de Amintas III, rei da Macedônia (389-369 a. C.)” (PRADEAU, p. 44).
Notem que Berti também nos revela o nome do pai de Aristóteles. Nesse momento Beni nos ilumina com informações ricas como, para começar, o nome tanto do pai quanto da mãe de Aristóteles, bem como o fato de seu pai, Nicômaco, estar associado a uma importante fraternidade médica: “Filho de Nicômaco e Féstias, seu pai era médico e membro da fraternidade ou corporação dos Asclepíades ([...] filhos ou descendentes de Asclépios, deus da medicina). [...] Nicômaco morreu quando Aristóteles tinha apenas sete anos, tendo o menino sido educado, desde então, por seu tio Proxeno” (ARISTÓTELES, p. 9). Beni continua a abençoar-nos com mais informações: “Presume-se que durante o brevíssimo período de convivência com o pai, este o tenha levado a Pela, capital da Macedônia ao norte da Grécia, e tenha sido iniciado nos rudimentos da medicina pelo pai e o tio” (ARISTÓTELES, p. 9).
Gabriel Chalita nos diz que ele não era apenas filho de médico famoso, pertencente a uma fraternidade importante de médicos, mas pertencia a uma tradicional família de médicos: “Seu pai era médico e pertencia a uma família em que os homens, ao longo das gerações, tradicionalmente professavam a medicina” (CHALITA, p. 60).
O fato de seu pai ser médico é, para muitos, o que levou Aristóteles a tornar-se praticamente o pai da ciência, embora, como já observamos, desde Tales de Mileto já se praticar algo nesse sentido. Assim, temos Gaarder a afirmar: “Seu pai era um médico de renome; um cientista da natureza, portanto. Este pano de fundo já diz alguma coisa sobre o projeto filosófico de Aristóteles. Seu maior interesse estava justamente na natureza viva. Ele não foi apenas o último grande filósofo grego; foi também o primeiro grande biólogo da Europa” (GAARDER, p. 121). Claro, deveria ser um médico de destaque para ser o médico pessoal do rei! Vejam como Durant é igualmente impressionante em suas afirmações: “O próprio Aristóteles parece ter se tornado membro da grande fraternidade médica de Asclepíades. Foi criado no odor da medicina, assim como muitos filósofos posteriores foram criados no odor da santidade; teve todas as oportunidades e todos os estímulos para desenvolver uma mentalidade científica; foi preparado, desde o início, para se tornar o fundador da ciência” (DURANT, p. 57). Que Aristóteles chegou a ser médico somente Durant cogita. Mas não seria de se estranhar, dado o background e o que se produziu depois.

ARISTÓTELES NA ACADEMIA

O fato é que chegou um momento que Aristóteles mudou-se. “Com dezessete anos de idade Aristóteles foi para Atenas. Matriculou-se na Academia de Platão e estudou ali por vinte anos” (SPROUL, p. 41)* 3. Ronald Nash nos informa que tal mobilidade era comum entre os ricos gregos, ou seja, levar seus jovens para estudar em Atenas, palco de célebres sábios: “Não era incomum que os filhos de gregos abastados, vivendo em colônias gregas afastadas, retornassem a Atenas para obter educação” (NASH, p. 104).
E como será que foi Aristóteles na Academia? Adler afirma, categoricamente que ele era o melhor aluno de Platão: “Aristóteles foi o melhor aluno de Platão; estudou com ele por vinte anos. Diz-se que também escreveu diálogos, mas nenhum deles sobreviveu integralmente” (ADLER, p. 287). Apesar do destaque, Aristóteles não conseguiu os cargos de proeminência, como nota Sproul: “Ele se distinguiu sob a tutela de Platão, mas é provável que tenha despertado ciúmes e hostilidade nos outros alunos. Apesar de ser o aluno mais festejado da Academia, Aristóteles foi preterido duas vezes na escolha do sucessor de Platão, o que fez dele possivelmente a primeira vítima da politicagem acadêmica” (SPROUL, p. 41).
Berti também notifica-nos de algo que pode ter passado despercebido na citação que fizemos de Adler: “Estes foram os anos durante os quais ele escrever os diálogos (hoje perdidos), baseados no modelo dos diálogos platônicos” (PRADEAU, p. 44). Esse assunto é algo que exploraremos quando falarmos sobre as obras de Aristóteles, mas é bom destacar que ele, como autêntico aluno da Academia, dialogava também.
Como aluno de destaque, Aristóteles, segundo Berti, teria, inclusive, dado aulas na Academia: “É provável que Aristóteles tenha dado, na Academia, cursos de retórica e de dialética, dos quais encontramos vestígios nas partes mais antigas das obras conservadas” (PRADEAU, p. 44).
Will Durant nos informa sobre os possíveis conflitos que ocorreram entre Platão e Aristóteles enquanto conviveram na Academia: “Gostaríamos de imaginar que aqueles anos foram muito felizes; um discípulo brilhante orientado por um incomparável professor, caminhando como amantes gregos nos jardins da filosofia. Mas os dois eram gênios; e é notório que os gênios combinam entre si com a mesma harmonia com que a dinamite combina com o fogo. Quase meio século os separava; era difícil o entendimento cobrir o fosso da diferença de idade e anular a incompatibilidade de almas. Platão reconhecia a grandeza daquele estranho novo discípulo do norte supostamente bárbaro e se referiu a ele, certa vez, como o Nous da Academia [...]. Parece que nosso ambicioso jovem passou a ter um ‘complexo de Édipo’ em relação a seu pai espiritual, pelos favores e afeição da filosofia, e começou a dar a entender que a sabedoria não iria morrer com Platão enquanto o velho sábio se referia a seu discípulo como um potro que escoiceia a mãe depois de beber-lhe todo o leite” (DURANT, p. 57-58).
Pois bem, tudo leva a entender que houve um período indubitável em que os dois gênios eram bons amigos, o mais velho como mestre do mais novo. Aristóteles se destacava. Era um promissor pupilo. Alguns alunos invejavam-no. Esse, em suma, era o quadro que se pintava. Agora, parece que, pelos últimos dizeres que Durant nos narra, que havia alguma tensão entre eles. Por isso, Bini notifica-nos, seguindo Diógenes Laércio, que eles podem ter se desentendido feio antes mesmo da morte de Platão: “frequentou a Academia de Platão, deixando-a somente após a morte do mestre em 347 a. C., embora Diógenes Laércio (o maior biógrafo de Aristóteles) afirme que ele a deixou enquanto Platão ainda era vivo” (ARISTÓTELES, p. 9-10). Talvez Aristóteles tenha se ensoberbecido. Talvez já tenha elaborado parte de suas oposições a Platão. Há indícios, pois, de que Aristóteles tenha saído da Academia antes da morte de Aristocles.
Todavia, a história tradicional é que, assim que Platão morreu, Aristóteles tenha se retirado. É provável que seja por conta de sua irritação para com sua preterição aos cargos acadêmicos. Bini entende que a proposta do então presidente, Euspesito, tenha-o desagradado: “Não há dúvidas que Aristóteles desenvolveu laços de amizade com seu mestre e foi um de seus discípulos favoritos, mas foi Espeusipo que herdou a direção da Academia. [...] Espeusipo, inspirado no último e mais extenso diálogo de Platão (As Leis), conferi à Academia um norteamento filosófico profundamente marcado pelo orfismo pitagórico, o que resultou na rápida transformação da Academia platônica em um estabelecimento em que predominavam o estudo e o ensino das matemáticas, trabalhando-se mais elementos de reflexão e princípios pitagóricos do que propriamente platônicos. Divergindo frontalmente dessa orientação matematizante e mística da filosofia, Aristóteles abandonou a Academia...” (ARISTÓTELES, p. 10).

ARISTÓTELES FORA DA ACADEMIA E FORA DE ATENAS

Aristóteles, discordando do sobrinho de Platão, sai a viajar pelo mundo, como nos informa Nash: “Depois da morte de Platão, em 347 a. C., seu testamento legou a direção da Academia ao seu sobrinho Espêusipo. Aristóteles decidiu que aquela era uma boa hora para deixar Atenas. Viajou pela Ásia Menor, onde se casou.” (NASH, p. 104). Mas Sproul é ainda mais preciso em suas informações, e sumarizará nossa discussão: “Aristóteles deixou Atenas e mudou para Assos, perto de Tróia. Ali passou três anos na corte do rei, tendo se casado com a filha adotiva deste. Logo depois que voltou com sua esposa para Atenas, ela morreu. Então ele uniu-se a uma mulher de nome Herfílis, que lhe de um filho, Nicômaco (em homenagem a quem Aristóteles escreveu a Ética a Nicômaco)” (SPROUL, p. 41).
Ok, sabemos que ele foi para Assos, que fica perto de Tróia, e é na Ásia Menor.  Mas Sproul vai muito à frente. Antes de voltar para Atenas, temos mais coisas a observar. Vejamos o que nos informa Berti: “Com a morte de Platão, ele deixou a Academia e se dirigiu para Assos, cidade grega da Ásia Menor, onde foi hóspede de Hermias, senhor de Aterneus, e se casou com a sobrinha Pítias, em honra de quem ele redigiu o Hino à virtude. Dois anos mais tarde, ele se dirigiu para Mytilene, na ilha de Lesbos, onde se dedicou, com seu discípulo Teofrasto (372-287 a. C.), a pesquisas sobre os animais” (PRADEAU, p. 44). São informações valiosas. Percebamos que, primeiro, enquanto Sproul chama a mulher de Aristóteles de filha adotiva do rei de Assos, Berti diz que era a sobrinha de Hermias, senhor de Aterneus, e lhe denomina Pítias. Temos que conciliar as informações para que se coincidam.  Hérmias, pois, parece ser o rei de Assos a que Sproul se refere. E, há uma controvérsia em saber se era uma filha adotiva ou sobrinha de Hérmias. Ampliemos a questão com Bini.
Após a saída de Aristóteles da Academia há, também, disputas biográficas. Ao relatá-las Bini lançará luzes sobre algumas questões levantadas: “Alguns autores pretendem que, logo após ter deixado a Academia, Aristóteles abriu uma Escola de retórica com o intuito de concorrer com a famosa Escola de retórica de Isócrates. Entre os discípulos do Estagirita estaria o abastado Hérmias, que pouco tempo depois se tornaria tirano de Atarneu (ou Aterna), cidade-Estado grega na região da Eólida. Outros autores, como o próprio Diógenes Laércio, preferem ignorar a hipótese da existência de tal Escola e não entrar em minúcias quanto às circunstâncias do início do relacionamento entre Aristóteles e Hérmias. Diógenes Laércio limita-se a afirmar que alguns supunham que o eunuco Hérmias era um favorito de Aristóteles, e outros, diferentemente, sustentam que o relacionamento e o parentesco criados entre eles foram devidos ao casamento de Aristóteles com Pítia – filha adotiva, irmã ou sobrinha de Hérmias, não se sabe ao certo. Um terceiro partido opta por omitir tal Escola e associa o encontro de Aristóteles com Hérmias indiretamente a dois discípulos de Platão e amigos do Estagirita, a saber, Erasmo e Corisco, que haviam redigido uma Constituição para Hérmias e recebido apoio deste para fundar uma escola platônica em Assos, junto a Atarneu. O fato incontestável é que nosso filósofo (Aristóteles) conheceu o rico Hérmias, ensinou durante três anos na Escola Platônica de Assos (patrocinada por ele) e, em 344 a. C., desposou Pítia. Nessa Escola Aristóteles conheceu Teofrasto, que se tornaria o maior de seus discípulos” (ARISTÓTELES, p. 10-11)*4.
Bom, primeiramente Bini reconhece a disputa em torno da relação de parentesco entre Pítias e Hérmias. O fato é que os vínculos afetivos entre Aristóteles e esse abastado varão foram reforçados com o casamento.
Berti dá a entender que, assim que Aristóteles se mudou para Assos ele se casou com Pítias e, dois anos depois, rumou para Mytilene com Teofrasto. Bini e Sproul, por sua vez, sugerem que ele tenha ficado três anos em Assos, sob auspícios de Hérmias, ensinando em uma escola antes de partir. A questão é sobre ser dois ou três anos em Assos. Seja qual for a opção correta sobre essa escola e o que ele tenha ensinado, ele deu aulas em Assos e conheceu seu discípulo favorito, Teofrasto. Teofrasto saiu com o mestre para Mytilene.
Porque saíram de Assos? Berti indica que foram fazer pesquisas biológicas, zoológicas, botânicas, na ilha de Lesbos. Bini nos indica um ataque persa: “Após a invasão de Atarneu pelos persas e o assassinato de Hérmias, ocasião em que, segundo alguns autores, Aristóteles salvou a vida de Pítia providenciando sua fuga, dirigiu-se ele a Mitilene, na ilha de Lesbos” (ARISTÓTELES, p. 11). Podem ser as duas coisas: interesse como cientista e segurança. O fato é que passaram pouco tempo ali. Logo Aristóteles, já com certa fama, receberia uma honrosa convocação.

ALEXANDRE O GRANDE

Relembrando o que já vimos no artigo sobre o período helenístico, ouçamos Sproul: “Em 342, Aristóteles foi chamado à Macedônia pelo rei Filipe II e indicado tutor pessoal do filho do rei, Alexandre. Esse relacionamento haveria de ter um impacto tremendo, não só sobre o mundo mediterrâneo no futuro imediato, mas também sobre a civilização ocidental pelo resto da história. O discípulo mais destacado de Aristóteles iria distinguir-se não como filósofo, mas como líder militar. Alexandre, o Grande, adquiriu do seu mentor a paixão pela unidade. Suas conquistas militares foram motivadas em grande medida por seu desejo de criar uma cultura unificada no mundo antigo, uma cultura unida por uma língua comum, o grego. Como esse projeto de helenização estendeu-se até a Palestina, o Novo Testamento foi escrito em grego e não em hebraico ou latim” (SPROUL, p. 42).
Sim, tal convite (ou convocação) era um reconhecimento de quão grande estava Aristóteles, já lá pelos seus quarenta anos, embora tenhamos de nos lembrar que o pai de Aristóteles, sr. Nicômaco, era o médico pessoal e amigo de Amintas III, avô de Alexandre. Um ano na ilha de Lesbos e fora chamado, como notifica-nos Durant: “Apenas um ano depois, Filipe, rei da Macedônia, chamou Aristóteles para sua corte em Pela, a fim de encarregar-se da educação de Alexandre. É uma confirmação da crescente reputação de nosso filósofo o fato de o maior monarca da época, ao procurar o melhor dos professores, destacar Aristóteles para ser o tutor do futuro senhor do mundo” (DURANT, p. 58).
Bini nos informa de um importante trabalho que Aristóteles teria iniciado nesse momento. Tomemos nota, por questão de exposição cronológica, para posterior elucidação: “Nosso filósofo teria iniciado, também nesse período, a colossal Constituições, contendo a descrição e o estudo de 158 ou 125 formas de governo em prática em toda a Grécia (desse alentadíssimo trabalho só restou para a posteridade a Constituição de Atenas)” (ARISTÓTELES, p. 11).
Berti, além de nos dizer que Platão escreveu diálogos, que se perderam, para Alexandre, credita uma estátua de Aristóteles a favores estatais obtidos enquanto preceptor de Alexandre: “É provável que ele tenha obtido, dos reis da Macedônia, privilégios em favor da cidade de Atenas; foi por isso que os atenienses erigiram, mais tarde, uma coluna em sua honra” (PRADEAU, p. 44).
O fato é que, pouco tempo depois, Filipe II iria morrer e Aristóteles assumiria o trono.

DE VOLTA A ATENAS

Berti nos informa o seguinte: “Com a morte de Felipe, quando Alexandre decidiu sua expedição contra Pérsia, que lhe valeu o título de Alexandre o Grande, Aristóteles retornou a Atenas (334 a. C.)” (PRADEAU, p. 45). Bini informa de forma muito semelhante, embora discorde levemente na data: “... o Estagirita prosseguiu como educador de Alexandre até a morte de Felipe e o início do reinado de Alexandre (335 a. C.)” (ARISTÓTELES, p. 11). O fato é que, morrendo Filipe e assumindo Alexandre, indo, inclusive, rumar à Pérsia, não haveria mais motivos para estar ali. Além do mais, como já vimos, Atenas tinha um governo favorável a Alexandre, e Alexandre tinha seu mestre em altíssima estima.
Em 334 ou 335 a. C., Aristóteles retorna a Atenas para fundar sua escola de filosofia. Já haviam se passado cerca de 4 anos que Alexandre finalmente vencera Atenas e Tebas na batalha em Queronéia. Ali Aristóteles vestia a camisa de Alexandre, como Durant deixa-nos informado: “Quando Aristóteles, depois de outro período viajando, voltou a Atenas no ano de 334 a. C., muito naturalmente associou-se àquele grupo macedônico e não se preocupou em esconder a sua aprovação ao governo unificador de Alexandre” (DURANT, p. 59). O Estagirita também mantinha-se sempre informado sobre a situação de Alexandre, conforme nos informa Bini: “A despeito de estar em Atenas, Aristóteles permanecia informado das manobras político-militares de Alexandre através do chanceler macedônio e amigo Antipater” (ARISTÓTELES, p. 12).

Sproul, alhures, comentando sobre a volta de Aristóteles para Atenas, nos informa sobre Pítias ter morrido e ele ter contraído novas núpcias. Esse é o momento para ampliar a informação, com Edson Beni: “Aristóteles foi casado uma segunda vez (Pítia encontrar a morte pouco depois do assassinato de seu protetor, o tirano Hérmias), com Hérpile, uma jovem, como ele, de Estagira, e que lhe deu uma filha e o filho Nicômaco” (ARISTÓTELES, p. 14).

O LICEU

“Aristóteles retornou a Atenas em 334 a. C. e fundou sua própria escola, o Liceu, a qual funcionou somente durante os últimos doze anos de sua vida” (NASH, p. 104). Sproul diz treze anos, mas já temos visto que pequenas variações são comuns: “Aristóteles presidiu o Liceu por treze anos, ocupado com estudos científicos e escritos – sua produção literária foi imensa” (SPROUL, p. 42). Quanto à produção literária de Aristóteles, deixemos para o final. Gabriel Chalita nos informa que o Liceu ficava “na parte oriental da cidade” (CHALITA, p. 60) e Bini nos informa com precisão sua localização, acrescentando uma descrição muito interessante: “Retornou então a Atenas e fundou nesse mesmo ano sua Escola no [...] Liceu [...], um ginásio localizado na região nordeste de Atenas, junto ao templo de Apolo Lício [...] literalmente o destruidor de lobos. O Liceu (já que o lugar emprestou seu nome à Escola de Aristóteles) situava-se em meio a um bosque [...] e era formado por um prédio, um jardim e uma alameda adequada ao passeio de pessoas que costumavam realizar uma conversação caminhando” (ARISTÓTELES, p. 11-12). Portanto, num bosque onde o templo a Apolo Lício se localizava estava o Liceu.
Essa alameda referida era muito famosa. Sproul relata que “o campus era ornamentado por uma alameda chamada peripatos. Aristóteles costumava passear por essa alameda, fazendo palestras aos alunos que o seguiam de perto. Isso conferiu ao Liceu o título de ‘escola peripatética’” (SPROUL, p. 42). Não só a escola era reconhecida como peripatética, como os alunos, como nos informa Chalita, acabaram sendo similarmente cunhados: “Devido ao hábito de [Aristóteles] ensinar enquanto caminhava pelos jardins da escola, os seguidores do grande filósofo ficaram conhecidos como peripatéticos, ou ‘os que caminham ao redor’” (CHALITA, p. 60)*5.
Esses peripatéticos não só seguiam o mestre como engajavam-se em discussões pela peripatos: “(literalmente, lugar de andar). Muito do ensino ocorria enquanto os membros da escola passeavam pelos agradáveis arredores, engajados em discussões filosóficas” (NASH, p. 104). Tais discussões parecem refletir a proposta socrática aplicada à Academia.

Sobre o que se ensinava no Liceu, Berti é sumário: “Em sua escola, Aristóteles deu cursos de dialética, de física, de filosofia primeira, de ciência política, de retórica e de poética; é preciso também acrescentar que ele esteve na origem de uma compilação de 158 constituições e de obras que reuniam outros materiais” (PRADEAU, p. 45). Notem que Berti discorda de Bini quanto ao momento em que se originou as pesquisas à colossal obra sobre as constituições. Parece-nos que nesse período temos um momento mais propício para tal tarefa, mas não é difícil imaginar que Aristóteles tenha tido apoio de Felipe, em Pela, para erigir tal monumento.
Bini é ainda melhor ao explicar o que se passava, em termos de conhecimento, no Liceu, notando que haviam dois tipos distintos, qualitativamente, de estudantes: “O período do Liceu (335-323 a. C.) foi, sem dúvida, o mais produtivo e fecundo na vida do filósofo de Estagira [...]. Durante a manhã Aristóteles ministrava aulas restritas aos discípulos mais avançados, os chamados cursos esotéricos [...] os quais versavam geralmente sobre temas mais complexos e profundos de lógica, matemática, física e metafísica. Nos períodos vespertino e noturno, Aristóteles dava cursos abertos, acessíveis ao grande público (exotéricos)[...], via de regra de dialética e retórica. Teofrasto e Eudemo, seus principais, discípulos, atuavam como assistentes e monitores, reforçando a explicação das lições aos discípulos e anotando-as para que posteriormente o mestre redigisse suas obras, com base nelas. A distinção entre cursos esotéricos e exotéricos e a consequente separação dos discípulos não eram motivadas por qualquer diferença entre um ensino secreto místico, reservado apenas a iniciados, e um ensino meramente religioso, ministrado aos profanos nos moldes, por exemplo, das instituições dos pitagóricos. Essa distinção era puramente pragmática, no sentido de organizar os cursos por nível de dificuldade (didática) e, sobretudo, restringir os cursos exotéricos àquilo que despertava o interesse da maioria dos atenienses, a saber, a dialética e a retórica” (ARISTÓTELES, p. 12).

Se alguém está em dúvida quanto ao sucesso da escola, Durant é muito perspicaz: “Não foi difícil o instrutor do rei dos reis conseguir alunos, mesmo na hostil cidade de Atenas. Quando, aos 53 anos, Aristóteles fundou sua escola, o Liceu, foram tantos os alunos que acorreram que se tornou necessário estabelecer regras complicadas para manter a ordem. Os próprios estudantes determinaram as regras e elegiam, a cada dez dias, um deles para supervisionar a Escola. Mas não devemos pensar que ela fosse um lugar de disciplina rígida; ao contrário, o retrato que chega até nós são de estudantes fazendo refeições em comum com o mestre e aprendendo com ele enquanto passeavam de uma ponta a outra da Alameda que acompanhava o campo de atletismo” (DURANT, p. 59-60).

Temos de nos lembrar que, naquele momento, a Academia ainda estava em pleno vigor em Atenas. Seria, o Liceu, pois, um concorrente? Will Durant acredita que não: “A nova Escola não era uma simples réplica daquela que Platão havia deixado. A Academia se dedicava, acima de tudo, à matemática e à filosofia especulativa e política; o Liceu tinha, mais um tendência para a biologia e as ciências naturais” (DURANT, p. 60). Como já dissemos, Aristóteles é praticamente o pai da ciência.
Durant nota que “certa vez, ele [Aristóteles] teve à sua disposição mil homens espalhados pela Grécia e pela Ásia, recolhendo para ele espécimes da fauna e da flora de todos os países. Com essa abundância de material, ele pôde criar o primeiro grande jardim zoológico que o mundo até então já vira. Nunca é demais salientar a influência dessa coleção sobre a sua ciência e sua filosofia” (DURANT, p. 60). Acreditamos que o bosque em que o Liceu se localizava tenha sido muito propício para tais propósitos. Além disso, essa informação ratifica a ideia de que tenha sido esse o memento da compilação das Constituições. Notemos, por fim, que esse empreendimento de coleta de dados já havia sido empreendido por Aristóteles na ilha de Lesbos, junto a seu discípulo Teofrasto.
Percebamos que ciência custa caro. É preciso viajar, pesquisar, conseguir materiais, contratar ‘pesquisadores’. É por isso que Durant levanta a questão: “Onde Aristóteles conseguia os fundos para financiar tais empreendimentos? Ele mesmo, àquela altura, era um homem de vultosos rendimentos; e pelo casamento passara a partilhar da fortuna de um dos mais poderosos homens públicos da Grécia. Ateneu (sem dúvida que com um certo exagero) relata que Alexandre deu a Aristóteles, para equipamentos e pesquisas físicas e biológicas, a soma de oitocentos talentos (em poder aquisitivo atual, cerca de quatro milhões de dólares) [...]. Trabalhos como o digesto de 158 constituições políticas, preparado para Aristóteles, indicam um considerável corpo de auxiliares e secretários. Em suma, temos o primeiro exemplo, na história europeia, do financiamento em larga escala da ciência pelo erário público” (DURANT, p. 60). Sproul não fica atrás em matéria de notar tal fato: “Alexandre também se interessava pela aquisição de conhecimento. Há quem diga que a expedição científica mais ricamente financiada por um governo antes do moderno programa espacial americano foi a que acompanhou as expedições militares de Alexandre. Praticamente um exército de cientistas marchou com seus soldados com o propósito expresso de coletar, classificar e estudar espécimes da flora e da fauna” (SPROUL, p. 42).

A importância do Liceu é tão grande que Bini nota o seguinte: “...o curriculum para o aprendizado fixado por Aristóteles nessa época para o Liceu foi a base para o curriculum das Universidade europeias por mais de dois mil anos, ou seja, até o século XIX” (ARISTÓTELES, p. 13). Não é, pois, exagero dizer que Aristóteles é um dos homens mais influentes da história da humanidade.

A OBRA DE ARISTÓTELES

Primeiramente, Aristóteles tem de ser louvado pela vasta gama de assuntos que escreveu, e de forma relevante, inclusive. Nash reconhece: “Aristóteles foi o primeiro pensador cosmopolita. Estava interessado em quase tudo. Ele dividia o conhecimento humano em suas categorias básicas e escreveu sistematicamente sobre a maioria delas” (NASH, p. 103). Adler e Durant também versam sobre a vastidão da produção de Aristóteles: “Os assuntos discutidos por Aristóteles em seus tratados e os vários estilos adotados por ele na apresentação de suas descobertas também ajudaram a estabelecer os ramos e as abordagens da filosofia nos séculos posteriores. Há, antes de tudo, as chamadas obras populares – sobretudo diálogos, dos quais nos chegaram apenas fragmentos. Depois, há as coleções de documentos. A maior que conhecemos teria sido uma coleção de 158 Constituições de Estados gregos. Apenas uma delas sobreviveu, a Constituição de Atenas, que foi encontrada em um papiro em 1890. Por fim, há os grandes tratados, alguns dos quais [...] são obras puramente filosóficas, teóricas ou normativas, algumas delas [...] são misturas de teoria filosófica e investigação científica primitiva; outros, como os tratados biológicos, são sobretudo obras científicas da área de história natural” (ADLER, p. 288) e “Os trabalhos escritos de Aristóteles chegam às centenas [...]. O que resta é apenas uma parte, constituindo, no entanto, uma biblioteca completa – imaginem a amplitude e a grandeza do todo. Primeiro, vêm os trabalhos sobre a lógica [...]; eles foram reunidos e editados mais tarde pelos peripatéticos sob o título geral de ‘Organon’ de Aristóteles – isto é, o órgão ou o instrumento para o pensamento correto. Depois vêm os trabalhos científicos [...]. Em terceiro, vêm os trabalhos relativos à estética [..]. Em quarto, os trabalhos mais estritamente filosóficos [...]. Temos aqui, evidentemente, a Encyclopedia Britannica da Grécia: todos os problemas abaixo e ao redor do sol têm um lugar nela; não admira que existam mais erros e absurdos em Aristóteles do que em qualquer outro filósofo que tenha escrito alguma coisa” (DURANT, p. 61).

Sim, Aristóteles, por tanto falar, estava mais sujeito a errar. O que, evidentemente, é matéria de muito erro são seus postulados científicos. Várias afirmações que ele fez são hoje ampla e seguramente contestadas. Entretanto, ouçamos, mais uma vez, a Will Durant: “... iríamos cometer uma injustiça para com Aristóteles se fôssemos ignorar as limitações quase fatais do equipamento que acompanhava aqueles recursos e facilidades sem precedentes” (DURANT, p. 60). Na verdade, era um problema da própria Grécia e seu sistema social a inabilidade tecnológica, afirma Durant: “foi na invenção industrial e técnica que a Grécia ficou muito atrás do padrão geral de suas realizações sem paralelo. O desdém grego pelo trabalho manual impedia que todos, exceto o escravo indiferente, tivessem um conhecimento direto do processo de produção, aquele estimulante contato com a maquinaria que revela defeitos e prefigura possibilidades; a invenção técnica só era possível para aqueles que não se interessavam por ela e não podiam obter dela qualquer recompensa material [... E assim, enquanto o comércio grego conquistava o mar Mediterrâneo e a filosofia grega conquistava a mente mediterrânea, a ciência grega estava perdida e a indústria grega continuava quase que no ponto em que a indústria egéia estivera quando os gregos invasores havia caído sobre ela em Cnosso, Tirinto e Micenas, mil anos antes*6. [...] Apesar de tudo, a imensa quantidade de dados reunidos por ele e seus assistentes tornou-se a base do progresso da ciência, o livro didático do conhecimento durante dois mil anos; uma das maravilhas do trabalho do homem” (DURANT, p. 61).

Bom, o ‘espírito científico’ refletia em sua forma de exposição que fazia com que ele diferisse de seu antigo e célebre mestre: “Enquanto Platão era poeta e criador de mitos, os escritos de Aristóteles são sóbrios e pormenorizados como os verbetes de uma enciclopédia. Em compensação, muito do que ele escreveu estava baseado em estudos naturais realizados com extrema diligência” (GAARDER, p. 121-122).
Para delírio dos filósofos da linguagem, Aristóteles desenvolveu uma série de termos importantíssimos para nossa reflexão acadêmica. Gaarder reconhece: “A importância de Aristóteles para a cultura europeia está também no fato de ele ter criado uma linguagem técnica usada ainda hoje pelas mais diversas ciências. Ele foi o grande sistematizador, o homem que fundou e ordenou as várias ciências” (GAARDER, p. 122) e Durant é ainda mais específico: “Em vez de dar termos à literatura, como fez Platão, ele construiu a terminologia da ciência e da filosofia; praticamente não podemos falar de qualquer ciência, hoje, sem empregar termos que ele inventou; eles jazem como fósseis no substrato de nossa linguagem: faculdade, média, máxima (que significa, em Aristóteles, a principal premissa de um silogismo), categoria, energia, realidade, motivo, fim, princípio, forma – estas indispensáveis moedas do pensamento filosófico foram cunhadas em sua mente” (DURANT, p. 62).

ÚLTIMOS ANOS E CONFLITOS POLÍTICOS

Os dias felizes no Liceu haviam de terminar. “Depois que Alexandre, o Grande, morreu, em 323 a. C., surgiu uma forte onda de sentimento antimacedônio na Grécia, que apanhou Aristóteles em seu refluxo por causa da sua ligação com Alexandre” (SPROUL, p. 42). Nash nos informa que buscavam vingança contra os aliados do rei: “Amargurados com os sofrimentos suportados durante o reinado de Alexandre, muitos atenienses buscaram vingança contra as pessoas mais próximas do rei” (NASH, p. 104). Durant nos descreve o cenário político da cidade: “Atenas delirou de júbilo patriótico; o partido macedônio foi derrubado, e a independência ateniense proclamada” (DURANT, p. 88).
Bini retrata a problemática, o terreno minado que Aristóteles pisava, de maneira espetacular: “A morte prematura de Alexandre em 323 a. C. trouxe à baila, novamente, como trouxera em 338 a. C., na derrota de Queroneia, um forte ânimo patriótico em Atenas, encabeçado por Demóstenes [...] Isso, naturalmente, gerou um acentuado e ardente sentimento antimacedônico [...]. Nosso filósofo viu-se, então, em uma situação bastante delicada, pois não apenas residira em Pela durante anos, cuidando da educação do futuro senhor do Império, como conservara uma correspondência regular om Antipater (braço direito de Alexandre) [...]. As constantes e generosas contribuições de Alexandre ao acervo do Liceu (biblioteca e museu) haviam passado a ser observadas com desconfiança, bem como a amizade ‘suspeita’ do aristocrático e conservador filósofo, que nunca ocultara sua antipatia pela democracia ateniense” (ARISTÓTELES, p. 13).
Não bastasse as divergências políticas, o próprio Liceu pode ter sido atrativo de problemas por conta da ‘concorrência’, conforme amplia Edson Bini: “Se somarmos ainda a esse campo minado sob os pés do Estairita o fato de o Liceu ser rivalizado pela nacionalista Academia de Espeusipo e a democrática Escola de retórica de Isócrates, não nos espantaremos ao constatar que muito depressa os cidadãos atenienses começaram a alimentar em seus corações a suspeita de que Aristóteles era um traidor” (ARISTÓTELES, p. 13-14).
Berti ainda amplia o quadro informando que “Aristóteles foi acusado de insultar as crenças religiosas” (PRADEAU, p. 45). Sproul nota a mesma questão: “A exemplo de Sócrates antes dele, Aristóteles foi acusado de impiedade” (SPROUL, p. 42). Durant amplia: “Eurimedon, um sumo sacerdote, apresentou uma acusação contra Aristóteles, de que ele ensinara que orações e sacrifícios de nada adiantavam” (DURANT, p. 88).

Aristóteles resolve abandonar, mal sabia que era pela última vez, Atenas. Nash nos informa que ele estava bem ciente do caso de Sócrates e declarava a analogia: “Aristóteles deixou Atenas pela última vez, e justificou sua partida repentina dizendo que queria poupar Atenas do embaraço de pecar outra vez contra a filosofia, isto é, tendo matado o grande filósofo, Sócrates e, agora, atentando contra ele” (NASH, p.104). Durant o justifica: “Não havia covardia neste ato; uma pessoa acusada, em Atenas, tinha sempre a opção de preferir o exílio” (DURANT, p. 88)*7.

Deixemos com Beni, aquele que mais informações nos dá sobre o Estagirita, o relato de como se deu o fim desse nobríssimo filósofo: “Abandonou seu querido Liceu e Atenas em 322 ou 321 a. C., transferindo-se para Cálcis, na Eubeia, terra de sua mãe, onde vivera pouquíssimo. Morreu no mesmo ano, aos sessenta e três anos, provavelmente vitimado por uma enfermidade gástrica de que sofria há muito tempo. Diógenes Laércio supõe, diferentemente, que Aristóteles teria se suicida tomando cicuta, exatamente o que Sócrates tivera que ingerir após sua condenação à morte” (ARISTÓTELES, p. 14). Durant nos informa que Diógenes Laércio supõe que Aristóteles tenha se suicidado justamente por conta da decepção que passara: “o velho filósofo, decepcionadíssimo com o fato de tudo ter se voltado contra ele, cometeu suicídio bebendo cicuta” (DURANT, p. 88).

A TRANSMISSÃO DE ARISTÓTELES

Berti nos informa que as publicações que temos não foram engendradas por Aristóteles: “Aristóteles não publicou, ele próprio, os textos de seus cursos; eles só foram editados mais tarde, na segunda metade do século I. a. C., por Andronicus de Rhodes, provavelmente em Roma” (PRADEAU, p. 45). Podemos nos aprofundar nessas informações.
Nash é precioso em informações a esse respeito: “Depois da morte de Aristóteles, sua biblioteca, incluindo manuscritos de seus próprios escritos*8, foi passada ao seu sucessor, Teofrasto. Quando Teofrasto morreu, a biblioteca foi escondida em uma caverna em algum lugar da atual Turquia. A localização da biblioteca enterrada pare ter sido esquecida até que, cerca de cem anos depois, foi, redescoberta. Durante esse período, os manuscritos sofreram muito dano. A manipulação incompetente produziu ainda mais estragos. Finalmente Andrônico de Rodes, trabalhando em Roma, assumiu a tarefa de colocar os manuscritos em ordem. Foram então publicados no ano 70 d. C.” (NASH, p. 104).
Nash nos informa que essas muitas edições do material aristotélico tornaram seus escritos muito difíceis de serem lidos: “O que sobreviveu, além de pequenos fragmentos de seus diálogos, foram as obras técnicas de Aristóteles que refletem o material ensinado no Liceu [..] Elas foram bastante editadas por Andrônico e por posteriores redatores; material de uma variedade de fontes e manuscritos foi combinado, editado e sintetizado. Quer a culpa caiba quer não totalmente a Andrõnico, o produto dos cortes e divisões pouco fez para facilitar o entendimento do pensamento de Aristóteles” (NASH, p. 104-105).
Tal dificuldade nos textos levanta suspeitas de sua autoria, como aponta Adler: “Sobreviveram, porém, ensaios ou tratados curiosamente difíceis a respeito de diversos assuntos. Obviamente, Aristóteles era um pensador claro, mas a dificuldade das obras que sobreviveram levou os estudiosos a sugerir que eram originalmente notas para aulas ou para livros – feitas pelo próprio Aristóteles ou por um aluno que assistira às aulas do mestre. Talvez nunca descubramos a verdade. De qualquer modo, o tratado aristotélico criou um novo estilo filosófico” (ADLER, p. 287-288).
Entretanto, antes que alguém venha a desprezar os escritos, ignorando sua genialidade e a possibilidade de serem realmente desta grande alma, Durant arremata a questão: “é possível que os escritos atribuídos a Aristóteles não fossem seus, mas em grande parte, compilações de estudantes e seguidores que embalsamaram nas anotações que fizeram a substância sem artifícios de suas palestras. Parece que Aristóteles não publicou, enquanto vivo, quaisquer trabalhos técnicos, exceto os relativos à lógica e à retórica; e que a forma atual dos tratados de lógica se deve a uma editoria posterior [...]. Em todo caso, podemos estar certos de que Aristóteles é o autor espiritual de todos esses livros que trazem seu nome: de que a mão poderá ser, em certos casos, de outra pessoa, mas a cabeça e o coração são seus” (DURANT, p. 62).

Bini apresenta o motivo de talvez termos perdido ainda mais textos aristotélicos: “É quase certo que boa parte da perda irreparável da obra aristotélica tenha sido causada pelo criminoso incêndio da Biblioteca de Alexandria, ocorrido por volta do ano 200 (d. C.)” (ARISTÓTELES, p. 18). Gaarder nos diz o que temos, afirma a hipótese (não como hipótese) de os escritos serem apontamentos feitos para as lições no Liceu, e elenca mais um motivo de possivelmente não termos melhores textos, encerrando esta exposição da pessoa de Aristóteles: “Registros da Antiguidade dão conta de não menos que cento e setenta títulos assinados por Aristóteles. Destes, quarenta e sete chegaram até nossos dias. Não se tratava de livros completos. A maior parte dos escritos de Aristóteles compõe-se de apontamentos feitos para suas aulas. Também na época de Aristóteles, a filosofia era essencialmente uma atividade oral” (GAARDER, p. 122).

[comece a estudar a filosofia de Aristóteles por aqui]

------------------------------------------------
*1 Bini é o único que sugeriu alguma dúvida: “O ano de seu nascimento é duvidoso, estima-se que tenha sido em 385 a. C., ou, mais provavelmente, 384 a. C.” (ARISTÓTELES, p. 9).
*2 Nash dá a mesma informação: “A vida de Aristóteles começou na colônia grega de Estagira. Seu pai era médico na corte do rei da Macedônia, o qual foi o avô do homem que seria conhecido como Alexandre, o Grande” (NASH, p. 103).
*3 Há controvérsias sobre quando, exatamente, Aristóteles teria se mudado para Atenas. Ronald Nash aponta Aristóteles indo à cidade da democracia aos 14 anos (NASH, p. 104). Bini também aponta uma certa dúvida: “O fato indiscutível e relevante é que aos dezessete ou dezoito anos o jovem Estagirita transferiu-se para Atenas e, durante cerca de dezenove anos, frequentou a Academia de Platão”. Porém, é Durant que nos informa sobre questões mais dúbias em relação a este período de juventude do Estagirita. “Temos várias opções quanto à história de sua juventude. Uma narrativa o apresenta jogando fora o seu patrimônio numa vida agitada, entrando para o exército para evitar a fome, voltado a Estagira para praticar a medicina e indo para Atenas aos trinta anos de idade para estudar filosofia com Platão. Uma história mais digna o leva a Atenas aos dezoito anos e o coloca logo sob a tutela do grande Mestre; mas mesmo nessa descrição mais provável existem sinais suficientes de um jovem imprudente e irregular, vivendo uma vida agitada. O leitor escandalizado poderá consolar-se ao observar que em ambas as histórias o nosso filósofo lança âncoras, finalmente, nas tranquilas alamedas da Academia. Com Platão ele estudou oito – ou vinte – anos; e, de fato, o penetrante platonismo das especulações de Aristóteles, - mesmo daquelas mais antiplatônicas – sugere o período mais longo” (DURANT, p. 57).
*4 A versão de Durant diz o seguinte: “Aristóteles fundou uma escola de oratória para rivalizar com Isócrates; e que teve entre os seus discípulos nessa escola o rico Hérmias, que pouco depois iria se tornar autocrata da cidade-estado de Aterneus. Depois de atingir aquela eminência, Hérmias convidou Aristóteles para sua corte; e no ano de 344 a. C., recompensou seu professor por favores prestados dando-lhe uma irmã (ou sobrinha) em casamento. [...] Aristóteles, apesar de seu gênio, viveu bem feliz com a mulher e se referiu a ela em termos muitíssimo afetuosos em seu testamento” (DURANT, p. 58).
*5 A título de completude, resolvemos expor Berti falando coisas muito semelhantes aos demais: “onde fundou uma escola instalada no jardim consagrado a Apolo Lício e que por isso se chamou Liceu; nesses lugares se encontrava também um espaço onde deambular, que se chamava peripatos, o que permitiu mais tarde empregar a denominação de escola ‘peripatética’” (PRADEAU, p. 45).
*6 Essa informação de Durant é estranha quando vemos os documentários do Discovery Channel sobre a Grécia e descobrimos seus grandiosíssimos feitos de engenharia. Talvez Durant esteja falando que os gregos não empregavam essas técnicas para a produção de ferramentas científicas; ou esteja dizendo que na filosofia avançaram muito mais do que na ciência. O fato é que é indubitável, entretanto, que eram bem avançados, e suas grandes e magníficas construções testemunham, coadunam, a favor dessa afirmação.
*7 Observem que no capítulo 26 da Apologia de Sócrates parece ter surgido essa proposta para o grande mestre de Atenas.
*8 Parece que, já na época em que estudou na Academia, Aristóteles possuía um grande acervo, conforme nos informa Will Durant: “Aristóteles havia gasto dinheiro a rodo na coleção de livros (isto é, naquela época sem tipografia, manuscritos); foi o primeiro, depois de Eurípedes, a organizar uma biblioteca; e a fundação dos princípios de classificação bibliográfica esteve entre suas muitas contribuições para a cultura” (DURANT, p. 57).


REFERÊNCIA

ADLER, Mortimer J; VAN DOREN, Charles. Como Ler Livros. Tradução de Edward Horst Wolff e Pedro Sette-Câmara. São Paulo: É Realizações, 2010, 432p.

ARISTÓTELES. Retórica. Tradução, textos adicionais e notas de Edson Bini. São Paulo: EDIPRO, 2011, 272p.

BERTI, Enrico. Aristóteles _ PRADEAU, François. História da Filosofia. Tradução de James Bastos Arêas e Noéli Correia de Melo Sobrinho. Petrópolis: Vozes; Rio de Janeiro: PUC-Rio. 2ª ed., 2012, 624p.

CHALITA, Gabriel. Vivendo  Filosofia. São Paulo: Atual, 2002, p. 304.

DURANT, Will. A História da Filosofia. Tradução de Luiz Carlos do Nascimento Silva. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record. 4ª ed., 2001, 406p.

GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da filosofia. Tradução de João Azenha Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 560 p.

NASH, Ronald H. Questões Últimas da vida: uma introdução à filosofia. Tradução de Wadislau Martins Gomes. São Paulo: Cultura Cristã, 2008. 448 p.

PLATÃO. Apologia de Sócrates. Tradução e Apêndice de Maria Lacerda de Moura; Introdução de Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011, 88p.


SPROUL, R. C. Filosofia para iniciantes. Tradução de Hans Udo Fuchs. São Paulo: Vida Nova, 2002, 208 p.

Nenhum comentário:

Postar um comentário