quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

O que pensar sobre Jogos de Azar?



INTRO

Uma questão ética relevante para ser discutida é a questão da pertinência de um cristão se envolver em jogos de azar. É viável para o cristão se envolver com isso? É pecado?
Existe, na cultura cristã, a afirmação taxativa de que é. E a maioria das pessoas que conheço afirmam que aprenderam que é errado. Mas se pergunto quais são as fontes bíblicas de tal ensino, grande parte não sabe responder, enquanto que outros respondem com argumentos muito duvidosos. Nós, como reformados, assumindo a sola scriptura, não podemos nos conformar com o ensino ‘tradicional’. Ou temos um ensino bíblico sobre o tema, ou não o proibamos, nem falemos que Deus não gosta, quando ele não se pronunciou.
Primeiro, para não haver confusão, vamos definir o que queremos dizer por ‘jogos de azar’. Em grande parte, o erro que nos parece haver neles (já antecipando nossa posição) está incluso em sua definição. Para evitar tal equívoco, tomemos uma definição. Nas palavras de Champlin, "jogo é um risco que envolve dinheiro, que se pode ganhar ou perder mediante uma aposta" ..."(R.N. CHAMPLIN, Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, v.3, p.568-9).
Colocarei aqui aqueles argumentos que considerei bons. Li alguns artigos, e em boa parte, vi argumentos bem falaciosos. Não consegui perceber nestes que apresentarei. Também observaremos algumas objeções comuns, bem como traremos à baila suas devidas (ou possíveis) refutações. Percebam que são argumentos cumulativos. Ou seja, o que pode escapar em um é respondido em outro.

ARGUMENTOS E OBJEÇÕES

1)      Argumento do Vício.
O primeiro bom argumento que vi é que o jogo envolve o vício, e este vício em particular, traz grandes mazelas sociais. Pessoas se envolvem com jogos de tal forma que perdem tudo!  Depois disso, as conseqüências são muito amplas para se colocar em um texto como esse. Mas vários tipos de distúrbios sociais poderiam ser mencionados: como a miséria e mendicância; ou o envolvimento com crimes, por conta da situação que alguém foi levado por conta de jogos; ou ainda, como último exemplo, em problemas familiares por conta de gastar recursos com jogos ao invés de empregá-los em necessidades da família.
Qualquer vício é, obviamente, desencorajado e proibido pelas Escrituras. Pertinente, neste momento, é o texto de 1 Coríntios 6:12:
 ‘Todas as coisas me são lícitas, mas nem tudo me convém. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas’.
 Wiersbe, comentando sobre esse texto, observa que esse ‘todas as coisas me são lícitas’ era um ditado dos liberais morais de Corinto. Paulo concorda. Todas as coisas me são possíveis, alcançáveis, mas nem todas me são convenientes, ou seja, próprias, corretas. ‘Posso’ é uma palavra que pode ter, pelo menos, dois sentidos. ‘Posso’ de ‘capacidade’, ‘habilidade’; ou ‘posso’ de ser permitido. Podemos todas as coisas no primeiro sentido, mas não no segundo.
Este mesmo comentarista observa que Paulo estava argüindo sobre a liberdade cristã, e entende que Paulo estava combatendo a idéia de ser livre para entrar em outro vício. É o que fica explícito na proposição ‘não me deixarei dominar por nenhuma delas’.
Portanto, vício é pecado.
Objeção: Alguém pode replicar que joga e não é viciado, ou que jamais se viciará. Bom, primeiro que tais alegações são muito suspeitas. O viciado nem sempre percebe que está viciado. Às vezes demora um bom tempo para admitir. No programa dos 12 passos do AA (Alcoólicos Anônimos), o primeiro passo é admitir o vício. Portanto, alegar que não é viciado nem sempre é sinônimo de que, de fato, não o é.
Mais difícil ainda é garantir que não vai se viciar. Pessoas que ficam viciadas também pensam assim. Ou alguém pensa que todo mundo que está escravizado a algum vício começou pensando e querendo se viciar?
Por fim, ainda que haja uma forma de garantir não se viciar, o jogo, praticado como um ato público é um testemunho e um incentivo para mais fracos (principalmente para quem tem um papel de liderança, no qual poderá ser imitado), propensos ao vício, caírem na cilada. Portanto, tal pratica poderia levar outras pessoas ao pecado.
Aqui, a questão é muito parecida com a bebida, e tem os mesmos argumentos desmotivadores. Primeiro, para se viciar, tem de começar. Uma vez iniciado (na bebida ou nos jogos), abre-se as portas para a possibilidade de se viciar. Mesmo assim, bebida não é pecado em si (ficar bêbado é). Se alguém consegue beber sem vício e sem embriagar-se, ainda assim deve ser cauteloso (se não omisso para com seu prazer), pois seu gesto pode incentivar outros mais fracos a beberem, e caírem no vício.

2)      Argumento da Forma de Angariar Recursos

Um dos fortes (e controvertido) argumento usado é o de como devemos obter nossos bens, recursos, posses, etc. Claramente Moisés declara em Gênesis 3:19 “No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela fostes formado; porque tu és pó e ao pó tornarás”. Ninguém, sensato, pensa que o suor funciona como margarina. A expressão significa que o homem vai conseguir os recursos de subsistência mediante seu trabalho. Essa é uma maldição na qual Deus encerrou toda a humanidade. Portanto, jogar, é tentar granjear recursos sem os esforços que Deus nos incumbiu de ter. É tentar escapar do juízo de Deus, o que só acarretará mais juízo.
E a analogia da fé só tem a confirmar tal postulado. Efésios 4:28 (NVI):
“O que furtava não furte mais; antes trabalhe, fazendo algo de útil com as mãos, para que tenha o que repartir com quem estiver em necessidade”. Alguém pode objetar que o texto refere-se apenas à antítese entre conseguir por trabalho ou por furto. Mas não é só isso que o texto ensina. Ele diz que os recursos que a pessoa terá será oriundo do seu esforço (não necessariamente um serviço braçal). É assim que a Bíblia legitima o ganho.
1 Tessalonicenses 4:11-12 ensina a mesma coisa:
“Esforcem-se para ter uma vida tranqüila, cuidar dos seus próprios negócios e trabalhar com as próprias mãos, como nós os instruímos; a fim de que andem decentemente aos olhos dos que são de fora e não dependam de ninguém.”
Claramente, juntando todos estes textos, percebemos uma ética bíblica em que os recursos devem ser obtidos pelo esforço, pelo trabalho. Em momento algum se recomenda angariar algo por outra forma além do labor.
Cumprindo esse itinerário divino, temos a promessa de que seremos sustentados. Obviamente, Deus não promete sustentar o negligente, o ocioso.  Em 1 Timóteo 6:17, Paulo diz que Deus ‘tudo nos proporciona ricamente para nosso aprazimento’ (RA), e em Filipenses 4:19 o mesmo autor diz “E o meu Deus, segundo a sua riqueza em glória, há de suprir, em Cristo Jesus, cada uma de vossas necessidades”.
Assim, temos o modo de obter sustento e recursos, e temos a promessa de que Deus nos sustentará. Onde é que jogos podem entrar aqui. Ao que me parece, jogar seria não confiar e/ou não estar satisfeito com a providência divina.
Objeção: Alguém poderia dizer: mas, com essa mentalidade de que tudo que temos deve ser adquirido pelo suor de nosso trabalho, então não podemos receber presente. Mas essa é uma má aplicação da regra que acabamos de estipular (percebendo-a na Palavra). Receber um presente, primeiro, não é apostar dinheiro (o que já elimina boa parte do pecado); e, mais em conexão com esse tópico, o presente foi obtido com o suor do trabalho de alguém (naturalmente, se soubermos que provém de fontes ilícitas, não podemos aceitar).
A regra que descobrimos é que os bens devem ser obtidos pelo esforço. Um presente deve ser oriundo da mesma fonte. Ganhar ‘uma bolada’ num jogo de azar não é receber um presente, um ato voluntário em que alguém oferece um recurso que conseguiu mediante esforço. Portanto, é uma falsa analogia.

3)      Argumento da Confiança na Sorte
Um dos grandes problemas que os Reformadores apontaram em relação aos jogos é que, quando neles, o cristão tinha a tendência em acreditar em algo chamado ‘sorte’. Primeiramente, sorte não existe. Isso está bem claro no texto de Provérbios 16:33: “A sorte se lança no regaço, mas do Senhor procede toda decisão”.
Acreditar em ‘sorte’ é negar princípios bíblicos inegociáveis das doutrinas da providência e da soberania de Deus.
Objeção: Uma objeção comum é a de que jogaremos confiando na providência de Deus. Mas isso seria tentá-lo. É fazer algo que ele não ordenou (alguns diriam: ‘proibiu’, mas, por hora, preferimos ser mais cautelosos) e esperar que ele o abençoe. Uma situação hipotética semelhante seria alguém encher a cara, depois dirigir em alta velocidade para chegar rápido em casa, e esperar que Deus o abençoe com uma apressada caminhada segura. Pra começar, Deus não mandou ficar bêbado. Pra começar, Deus não mandou beber. Não se pode ‘esperar em sua providência em ocasiões assim’.

4)      Argumento da Motivação.
Alguns autores bem observam que os jogos alimentam a ganância (ou, se alimentam dela). Nada que estimule o amor e o apego ao dinheiro é aconselhado na Bíblia. Pelo contrário, ela nos ensina não superestimar o dinheiro. Veja o texto de 1 Timóteo 6:10:
“Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores”. Olha que perigo! E, cá entre nós, é meio difícil (para não dizer impossível) alguém se envolver com esses jogos e não ter sua ganância estimulada.
Objeções: Caso alguém diga que não joga por ganância, então perguntaríamos: ‘por que joga, então?’ Se não está tão afim de ganhar dinheiro assim, abandone logo esse jogo!
Se alguém disser que joga para conseguir recursos para fins caridosos, só está usando uma ética jesuíta completamente anti-bíblica, de que os fins justificam os meios. Apontar para um fim bom não valida um meio mal. Para convencer quem contende, basta fazê-lo perceber que se envolver com o tráfico para angariar recursos em prol de atividades filantrópicas é completamente condenável. Se jogos de azar são errados, a situação fica sendo a mesma.
5)      Argumento da Mordomia Cristã
R. C. Sproul, no livro ‘Boa Pergunta’, usa o argumento da mordomia. Jogos são um péssimo emprego dos nossos recursos. As chances de ganho são extremamente mínimas. A grande maioria dos jogadores nunca vão ganhar, e, num montante, terão desperdiçado muito dinheiro. Ainda mais em jogos onde pode-se perder muita coisa.
Objeção: Alguém poderia levantar a questão de que o investimento na bolsa de valores dá na mesma. Na verdade, isso me parece aquela clássica falácia de tentar desmentir um erro com outro. Porém, nem isso esta objeção consegue ser. Pois, o investimento na bolsa não é uma aposta na sorte. É algo em que existe uma parte dependente da competência analítica do investidor. Mas, ainda que esse argumento não seja suficiente, no máximo, teríamos de admitir que investir na bolsa também é errado, e não que tanto ela quanto jogos de azar são certos.

CONCLUSÃO
Muitos textos são usados equivocadamente para acusar este pecado. Isso mesmo, pecado. Concatenando os argumentos, podemos chegar à conclusão de jogos de azar são pecaminosos. Eles envolvem vício; tentam burlar a forma prescrita por Deus de obter recursos; estimulam a confiança na sorte; fomentam a ganância; e são uma péssima mordomia do tempo e recursos.  Esses cinco argumentos, concomitantemente mencionados, inescapavelmente, ao que nos parece, encerra o jogador de jogos de azar em uma situação de pecado.

Outros argumentos menos convincentes ainda poderiam ser citados (como o fato de que os jogos estão, muitas vezes, ligados a financiamento de crimes, ou associados a eles de alguma forma – como a prostituição em cassinos). Entretanto, mencionamos os que mais nos convenceram. E esperamos que os cristãos que lerem não se envolvam mais com isso!

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Para uma formação política conservadora...


Há períodos em que as pessoas se metem a expressar um pouco mais suas opiniões, e um deles, certamente, é o de eleições. Embora a democracia pareça ser o melhor que podemos oferecer, ela traz seus problemas, e um deles é o de dar voz a idiotas. Com a maior cara deslavada muitos que sabemos não serem nem um pouco devotos às letras assumem o papel de formadores de opinião e se debruçam sobre as redes sociais em busca de proselitismo político. Claro, muitos, com a pouca informação que têm, buscam apenas expressar, corajosamente, o que pensam ser melhor para o país e para seu próximo*. Esse é um dos problemas que Aristóteles via em dar voz política a todo e qualquer ser humano adulto. Muitos formam suas opiniões de forma volúvel e enganada, e, pra piorar, não têm condições de averiguar se estão ou não errados*, mas isso é discussão para outro momento.
Com este pequeno artigo pretendemos apenas disponibilizar uma antítese para, principalmente, os cristãos e amigos repensarem seus posicionamentos. Não queremos nos delongar em explicações do porquê a filosofia esquerdista assumiu as cátedras universitárias no Brasil, mas apenas observar que nas faculdades não se estuda nada de direita e, quiçá, alguma coisa liberal. Os pensadores populares e eruditos 'não-canhotos' são simplesmente demonizados nos ad hominem mais infantis do mundo, incluindo calúnias e difamações. É pior do que o index católico de outrora. É um index velado. E o pior é que até mesmo cristãos não percebem que muitos dos conceitos absorvidos, politicamente corretos, estão muito longe de serem compatíveis com sua fé. Por essa e por outras, chamamos o que apresentaremos a seguir de antítese ao pensamento hodierno brasileiro, aquilo que se verá no facebook e afins. Conheçam o outro lado da moeda. É o mínimo que alguém de respeito e com um pouco de nobreza e honestidade deveria fazer.
E para os cristãos, pensem no seguinte: vocês conhecem algum teólogo ou pensador importante que concorde com seu ponto de vista? Já mostramos que a tradição tem sim um importante valor para todo cristão*, e se nenhum santo, chamado por Deus para se dedicar à arte de pensar, compactua com suas posições políticas, é, no mínimo, uma suspeita, um indício de que você não está caminhando bem...

Bom, segue uma lista de importantes fontes para pesquisa na qual é imperativo que, pelo menos os cristãos, debrucem-se a estudar antes de ficar dando uma de palpiteiro irresponsável e advogado do diabo nas redes sociais:

Há colunistas na internet, da Veja, que DEVEM ser vistos (e esqueçam as falácia genética* que descredibilizam o que é dito por estar na Veja e julguem as informações... essa é só mais uma artimanha de vermes manipuladores), dentre os quais temos preferências por esses:


Esses três escrevem textos rápidos e sempre atualizados. Não deixe de dar uma olhada neles toda semana, e assim que surge uma bomba na mídia. Os dois primeiros são conservadores e o terceiro um liberal.

Se quiser uma incursão mais profunda em diversos temas há dois sites que você deve acessar. Eles trazem textos mais longos (nem sempre e, via de regra, só um pouquinho), mas muito úteis e bem escritos:


Por fim, um site com artigos de graus diferentes (alguns grandinhos, outros bem curtos), mas que deve sempre ser consultado também, principalmente pela sagacidade do autor. Destacamos os 'jogos esquerdistas', as 'rotinas' e as 'propagandas'. É indispensável para a reflexão política conservadora, de direita, no Brasil:


Caso você queira discutir política e não deu uma boa olhada em nenhum desses links, parabéns, você é um irresponsável e um atraso para a sociedade. Para os cristãos, em particular, diremos mais: você é uma vergonha para a fé que professa e faz um desfavor às causas cristãs quando se mete a dar palpites, a tagarelar, de forma tão vil!
E para você que realmente se interesse em informar-se melhor, em conhecer a antítese, em ser uma influência política responsável, não precisará de mais do que isso. Claro, há muitos outros blogs e sites que merecem consideração. Mas nós nos contentamos, visto que não nos tornaremos especialistas nessa área, a nos valer desse material. Faça o mesmo.

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* Isso na melhor das hipóteses pois, via de regra, o que temos é uma cambada de porcos políticos pensando apenas em seu próprio umbigo, como apontamos neste artigo: http://panaceiateoreferente.blogspot.com.br/2014/09/politica-zoonomica-burro-porco-sapo.html
* Escrevemos sobre o pensamento político de Aristóteles. Se quiser dar uma conferida, digite isto em sua url: http://panaceiateoreferente.blogspot.com.br/2014/06/compreendida-necessidade-deauxilios.html
* Fizemos isso aqui: http://panaceiateoreferente.blogspot.com.br/2013/09/aprenda-ler-biblia-qual-relevancia-dos.html
* Mencionamos essa falácia especificamente neste artigo: http://panaceiateoreferente.blogspot.com.br/2014/04/o-que-pensar-sobre-os-mitos.html

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Política Zoonômica: burro, porco, sapo, barata e elefante nos ensinando política


Durante algumas conversas com amigos e familiares notamos uma mentalidade política digna de um energúmeno, ou de um animal. A propósito, há um típico animal que bem caracteriza essa mentalidade estúpida a qual estamos nos referindo: burro. O burro (substantivo) que de burro (adjetivo) não tem nada, é aqui usado de forma um tanto quanto indevida. Não obstante, outros animais podem servir como excelente ilustração para o que intentamos denunciar nesta breve reflexão.

O primeiro animal que chamaremos é o porco. Falamos daquele porco que é levado a engordar para, então, transformar-se num saboroso alimento. E o que tem o porco com a política? Não, não estamos valendo-nos de hipocatástase para uma mera ofensa à 'sujeira' que é a vida da maioria dos políticos de nosso país. O buraco é mais embaixo.
O porco nesse processo de engorda está, em certo sentido, muito contente com sua situação. Ele é tratado muito bem. Tem o que quer. Come coisa boa. Sua saúde é prioridade. Afinal, se ele ficar doente, pode morrer, ou mesmo sua carne ser desvalorizada. Precisamos dele bem forte, saudável e feliz. Quem sabe o pobre porquinho até sugira que o amemos. Que gostamos dele demais. As evidências? É só ver como o tratamos bem... óbvio, quem está 'do lado de cá' sabe muito bem que não é bem assim... Depois de um tempo ele será abatido.
Pois bem, essa mentalidade de porco subjaz às reflexões políticas de muitos (senão a maioria) dos brasileiros. Cada um mira um benefício imediato, particular, e luta politicamente única e exclusivamente em prol desse ponto. Se tal demanda for atendida, temos um candidato considerado razoavelmente bom, ou, pelo menos, bom o suficiente para brigarmos por ele com unhas e dentes. É, nada mais nada menos do que uma política egoísta e vil. Alguns trabalhadores querem um aumento de salário que valha a pena, que não seja subjugado à inflação. Justo. Outros querem que sua classe em especial seja mais valorizada. Em muitos casos (particularmente pensamos em professores e policiais - jamais em vereadores e deputados!), justíssimo. Outros querem a remediação de um problema específico, imediato, como, por exemplo, a construção de um hospital aqui e acolá. Nada mais necessário! Porém, política não pode, de forma alguma, se restringir a isso. E é aqui que nosso porquinho abre a janela da compreensão.
Suponhamos que um governo com projetos nefastos, distópicos até, prometa, com alto grau de confiabilidade (angariado de alguma forma... ei, estamos supondo aqui! hehe), atender à alguma demanda. À sua, em particular, que está lendo esse artigo e (não vá se ofender) pensa como um porco. Suponhamos que você seja um bom e honesto trabalhador que precisa sustentar sua família com a renda de míseros dois salários frente à uma inflação escandalosa. Algo tem que ser feito, não é mesmo? Quem discorda que essa situação é ruim? Ninguém! Mas, alto lá, camarada, as coisas, como acontece com o porco, podem não ser o que parecem. Mesmo que essas demandas a curto prazo sejam cumpridas, o que acontecerá a longo prazo? Já pensou nisso?
Continuemos a supor [qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência...] que o candidato ao cargo político que atenderá à sua demanda tem um projeto muito maior. Ele irá aumentar os salários, controlará a inflação. Economicamente muito agradável. Todavia, ele vai além. Ele irá fomentar a criminalidade através de projetos de vitimização de bandidos* e demonização da polícia. Ele irá aprovar leis que estão nitidamente contra a moral da maioria dos cidadãos, inclusive a sua. Por exemplo, ele irá aprovar o casamento gay; o kit gay nas escolas*; um projeto de lei escabroso como a PL122*; a pedofilia; a zoofilia (comer-se-á animais além do sentido gastronômico); imporá censura (não que você, big pig, vá se importar, já que não tem nada a reclamar, afinal, seu bolso e seu estômago estão cheios, apesar da cabeça vazia); expropriará bens (não os seus, fica tranquilo)*; enaltecerá bandidos; aprovará o aborto; liberará as drogas; perseguirá cristãos que não coadunem com a moralidade moribunda que estão a propor... etc! Ainda que você não se incomode com alguns pontos aqui, não é o caso. O importante é perceber que a satisfação imediata de uma demanda pode sair caro. Pode tratar-se tão simplesmente de uma engorda. Principalmente se, posteriormente, tivermos uma 'maravilhosa revolução' que vá deixar a população numa situação 'paradisíaca' como a de Cuba, China, Coreia do Norte... E se você, pobre miserável, pensa que isso não pode acontecer, é mais ingênuo que um porco.

A propósito, outro bicho pode fazer-nos o favor de ilustrar mais um pouco da ingenuidade da mentalidade política do brasileiro. Vamos falar da mente de sapo*. Dizem que, se colocarmos um sapo na água quente, ele pula fora na mesma hora. Entretanto, se colocarmos o anfíbio na água fria e formos esquentando-a aos poucos, o sapo ficará lá até morrer. Pois bem, essa é a mentalidade complementar à do porco. O porco político não percebe que está sendo engordado para o abate, e nem o sapo político percebe que as coisas estão esquentando e que logo ele será prejudicado. Essa bitolação é amplamente beneficiada com a inserção paulatina, gradual, de políticas que, mesmo que o cidadão não goste, não irá reclamar. E não irá, principalmente, se sua demanda imediata for atingida. Enquanto isso, escondido, um câncer social cresce e, quando ele menos perceber, verá uma sociedade completamente diferente da que aprecia para, na melhor das hipóteses, murmurar saudosista, nostálgico, que no seu tempo não era assim. E isso na melhor das hipóteses.
Na pior, já que estamos falando de bichos, acontece um efeito 'Kafka'. Franz Kafka foi um autor de contos e romances, de originalidade tcheca. Ele escreveu um clássico muito bacana chamado 'A Metamorfose'. Nesse pequeníssimo livro, a personagem principal acorda e descobre-se uma barata gigante! Aos poucos vai perdendo a fala... não queremos revelar todo o enredo aqui. Claro, a família vai à loucura quando o vêem daquele jeito. Mas com o tempo se acostumam àquela aberração, e logo estão a discutir as coisas mais triviais possíveis! E o que isso tem a ver com o que estamos falando? Pois bem, é muito simples. Como se não bastasse a mentalidade de sapo, outros tantos são vítimas do 'efeito kafka'*. As coisas que deprecia são apresentadas aos poucos e constantemente (principalmente em novelas...). Gradualmente vai se tornando cada vez mais cotidiano até virar comum e, pouco depois, cai nas redes politicamente corretas e se torna praticamente compulsório aceitar aquilo que outrora era repugnante. E o mais legal é que, para implantar de vez a nova mentalidade, ela é encarada e anunciada como progresso, ao passo que condená-la é ter uma 'mente medieval', retrógrada, obsoleta...

Mas tudo bem para os planos maquiavélicos de partidos nefastos. Não há problema algum em sua política. Até mesmo as aberrações cometidas são logo esquecidas. No país onde temos porcos, sapos e baratas a única coisa que não tem é um bom elefante...

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* Um exemplo disso está aqui, no que já escrevemos outrora: http://panaceiateoreferente.blogspot.com.br/2014/05/o-que-pensar-sobre-proposta-de.html
* Veja um vídeo denunciando essa patacoada: https://www.youtube.com/watch?v=gNJKJLCPrT4
* Apesar dos palavrões, esse vídeo, por ocasião de uma 'revolta gay' contra o Mackenzie vale a pena ser visto pelos argumentos consistentes: https://www.youtube.com/watch?v=8kzP-MWFiZs
* Para entender como isso poderia acontecer, veja esse vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=CfCJ6WHRlIE
* Essa ouvimos, pela primeira vez, da parte do Danilo Gentilli em entrevista com Ron Paul, com quem, claro, não concordamos em muitos pontos, o que não é matéria de discussão agora. Quem quiser dar uma olhada na entrevista, está no seguinte endereço: https://www.youtube.com/watch?v=QFO_Bg0QVK4
* Tudo bem seu achares meio forçada minha inserção desse exemplo como analogia dos bichos. É que achamos muito propício e pertinente para a ocasião.

domingo, 7 de setembro de 2014

Produção Cultural no século XVI

RESSALVAS E INTRODUÇÃO

Claro, sabemos que o termo 'cultura' é, por demais, delicado. Talvez não haja palavra mais ampla, ambígua e controversa, na língua portuguesa, do que 'cultura'. Ao declarar nosso propósito de esboçar um panorama histórico-cultural do Brasil já fomos logo sendo advertidos por um amigo a nos deter, afinal seus professores gastavam anos em empreitas afins e etc. Mas estávamos falando de coisas diferentes. Enquanto ele queria usava a palavra com a conotação de todo tipo de produção técnica e estética, dentre outras coisas, nos referíamos à produção filosófico-literária. Particularmente nos deteremos na literatura.
O professor Fabiano nota que literatura não é um fenômeno estético avulso, etéreo, engendrado na mente dos gênios em suas torres de marfim, distantes da realidade. Antes, a literatura é um fenômeno cultura, histórico e social. Fabiano nota como a literatura é reflexo do momento histórico*. Pretendemos tornar isso evidente no que se segue.

O SÉCULO XVI E A LITERATURA NO BRASIL: o quinhentismo

A literatura produzida no século XVI, ou seja, dos anos 1500 em diante, é comumente chamada de 'quinhentismo'. Mas o professor Fabiano não está satisfeito com essa denominação, visto que há outros 'quinhentismos' afora que não guardam essas características que aqui havemos de ver. Antes de prosseguir, uma pequena digressão.
Já sabemos o básico do que se passou no Brasil no século XVI. Vimos que nos trinta primeiros anos não temos uma colonização efetiva. Tudo que temos é uma interação inicial entre brancos e índios e, posteriormente, o 'contrato' dos índios para a extração do pau-brasil. Isso durou os 30 primeiros anos. Fabiano nota que, como a extração não era uma atividade agrícola, e como não havia povoamento, não há, pois, o desenvolvimento de uma cultura e, consequentemente, não há um desenvolvimento de uma literatura propriamente dita. A única coisa produzida é uma literatura que fala sobre o Brasil, sobre a terra descoberta.
Essa é, a propósito, basicamente a literatura produzida aqui. Mesmo após a colonização, a situação cultural não mudou muito. Chamamos a este tipo de literatura de 'Literatura de Informação'. Fabiano nota que ela tem mais valor historiográfico do que literário, mas como é a primeira literatura produzida por aqui, temos de nos deter sobre ela.
A característica marcante da Literatura de informação é sua natureza descritiva, precipuamente a respeito da natureza. O professor Fabiano caracteriza este item como Nativismo Descritivo. Havia uma perspectiva toda esperançosa para com o Brasil e as possibilidades exploratórias. Isso nos leva a destacar mais uma característica. Essa literatura guardava uma visão paradisíaca do Brasil. Tinham nossas terras como um paraíso perdido, uma visão edênica do país. A professora Cunha não se furta em notar que havia, evidente, um deslumbramento para com as riquezas naturais.
O primeiro texto desta estirpe é, óbvio, a carta* sobre o descobrimento, de Pero Vaz de Caminha, informando ao rei D. Manoel, sobre a 'descoberta' do Novo Mundo. Mas muitos outros viajantes prestaram seus relatos. Segundo Del Priori e Venancio, "a mais clara informação sobre a natureza e sobre os moradore da terra de Santa Cruz nasceu da pena de um sensível senhor de engenho baiano, Gabriel Soares de Souza" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 98-99), que lançou uma obra documental em 1587. É certo que não teremos condições de mencionar e trabalhar os vários nomes que compõe esse tipo de literatura. Basta sabermos que houve textos variados nesse encalço.
É bom observarmos que na literatura de informação tínhamos tanto descrições ufanistas sobre os recursos naturais e sobre a Natureza de um modo geral; como, relatos históricos, deixando a corte lusitana a par do que se passava por aqui.

Mas logo haveria produção cultural dos próprios brasileiros. E, para provar a tese do professor Fabiano de que a literatura segue e é reflexo da realidade (bem como interage com ela de forma influente, de modo a podermos sugerir uma simbiose), onde mais se plantou a cana de açúcar é onde teremos as maiores proliferações culturais: nordeste brasileiro. Deixemos isso para o século XVII. Por enquanto, além da supra-referida literatura de informação, havia outro tipo de produção cultural aqui na Terra de Vera Cruz: a literatura catequética, religiosa, 'evangelística', dos padres que aqui aportaram com intuito de proclamar a Cristo entre os gentios e pagãos: os indígenas*.
O professor Fabiano nos diz que essa literatura é produzida a partir de 1550, que é, como já vimos, quando Tomé de Souza vem para o Brasil, instala o Governo Geral, e traz uma remessa dos primeiros padres jesuítas. O professor diz que crônicas, poesias e peças são produzidas. Um dos nomes famosos que chegaram nessa primeira remessa, segundo Del Priori e Venancio (p. 29) é o do padre Manoel de Nóbrega, que logo tratou de fundar uma escola que tornou-se base para a missão. Este padre tem um texto famosos sobre a conversão do índio e é interessante de ser pesquisado*.

Entretanto, Fabiano admite, o Padre José de Anchieta é o principal nome no século XVI. "Nascido na ilha de Tenerife, a maior das Canárias, Anchieta veio para cá como noviço em 1553, aos 19 anos, depois de ter iniciado seus estudos na Universidade de Coimbra. Só se ordenou padre treze anos depois, em 1566, aos 32 anos" (CÉSAR, p. 44). Ele está em todos os acontecimentos fundamentais nesse século. A professora Cunha diz que José de Anchieta foi sagaz em sua estratégia. Entrou em contato com os índios, aprendeu sua língua e até fez uma gramática tupi-guarani! Após adentrar-se à sua cultura, ele começa a implantar, segundo a professora, um processo de transformação cultural. Textos teatrais e poéticos foram usados em prol da catequização do índio. O teatro envolvia o índio e era muito eficaz. César complementa as informações sobre sua produção literária: "Além de uma quantidade enorme de cartas, poemas, dramas e sermões, o jesuíta escreeu a Gramática da língua  mais usada na costa do Brasil e o catecismo bilíngui (tupi e português) intitulado Diágolo da fé*, este por volta de 1560, sete anos depois de chegar ao Brasil" (CÉSAR, p. 44).
Del Priori e Venancio nos contam sobre Anchieta "produzindo um dos primeiro livros escritos entre nós e publicado, num impecável latim, em Lisboa em 1563. Tratava-se de um poema épico sobre o governador Mem de Sá com cinematográficas descrições sobre suas crueldades em relação aos indígenas" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 98). A literatura dos padres, como se vê, também não deixou de servir como relato histórico, pois reportavam fenômenos sociais e culturais que viam e que têm grande valor para o conhecimento do que se passou naqueles tempos em nossas terras.
Terminemos com a morte de Anchieta, pois, informada por Elben M. Lenz César: "José de Anchieta morreu no dia 9 de junho de 1597, aos 63 anos, numa pequena colina na cidade hoje denominada Anchieta, no Espírito Santo. Seu corpo foi carregado até Vitória, por seus fiéis, quase todos indígenas" (CÉSAR, p. 48).


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* Haveremos de dissertar com mais cautela sobre isso em outra oportunidade, fora dessa série. Fazê-lo aqui desvirtuaria os propósitos da série que busca apenas tornar nossa história política e literária conhecida ao público.
* Quem quiser lê-la, segue o link: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=17424
* Isso também prova a tese de Fabiano, e as ações humanas são refletidas na pena e no papel. A literatura de informação também é reflexo dos interesses e da filosofia dos portugueses na época. Fica evidente que a produção literária é produto na realidade sócio-cultural em que se encontram os homens.
* Quem quiser dar uma lida em seu texto, segue o link: http://www.ibiblio.org/ml/libri/n/NobregaM_ConversaoGentio_p.pdf.
* "causa uma desagradabilíssima surpresa a omissão de Anchieta quanto à ressurreição de Jesus. [...] No Diálogo da fé, a história de Jesus termina no túmulo de José de Arimateia, embora na última resposta se diga que 'o Senhor Jesus se preparava para viver de novo'. É claro que Anchieta cria na ressurreição gloriosa de Jesus, mas, de fato, não a mencionou em parte alguma de seu catecismo" (CÉSAR, p. 45). Uma vez que Anchieta foi tão importante e influente no século XVI, pode ter deixado marcas indeléveis no espírito brasileiro, como sugere ainda César: "Talvez essa omissão, muito provavelmente involuntária, explique em parte a preferência que o brasileiro, de modo geral, tem pela morte de Jesus em detrimento de sua ressurreição. Sempre há mais comemoração na sexta-feira da paixão do que no domingo da ressurreição" (CÉSAR, p. 46).

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BIBLIOGRAFIA

CÉSAR, Elben M. Lenz. História da Evangelização do Brasil: dos jesuítas aos neopentecostais. Viçosa: Ultimato, 2000,  192p.

CUNHA, Greice da. Literatura - Aula 01: Quinhentismo, Barroco e Arcadismo. Acessado no dia 02/09/2014 em: https://www.youtube.com/watch?v=PYILDWC_PSI

DEL PRIORI, Mary; VENANCIO, Renato. Uma Breve História do Brasil. São Paulo: Editora Planeta, 2010, 320p.

FABIANO. Literatura do Brasil. Aula 2 - Literatura e Situação Colonial. Acessado no dia 02/09/2014 em: https://www.youtube.com/watch?v=EoxeGMYIbas

FABIANO. Literatura do Brasil. Aula 3 - Literatura de Informação. Acessado no dia 02/09/2014 em: https://www.youtube.com/watch?v=iZzOadlZ5rQ





quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Brasil, Holanda, União Ibérica e o Fim da Economia do Açúcar



Dom Sebastião, louvado rei lusitano, acabara rumando-se para a África e morrera numa batalha e 1578. O problema é que ele não tinha herdeiros, e o trono luso precisava ser ocupado. Um parente próximo, o cardeal Dom Henrique, assume o trono. Entretanto, Dom Henrique vem a falecer em 1580 e o trono fica vago. Felipe II, da Espanha, aproveita e se apossa do trono português.
Claro, não houve resistência. Aliás, como observa Woloski, os burgueses e comerciantes portugueses até almejavam tal união ibérica, visto que, com isso, participariam das empreitas econômicas na América-Latina, explorada pelos espanhóis. E, como se tal perspectiva não bastasse, continua o professor, ainda teriam a proteção da 'invencível armada', o exército naval mais poderoso do mundo, e que pertencia aos Espanhóis.
Assim, Woloski informa, em 1581 Felipe II assinou o Tratado de Tomar, e Portugal foi reconhecido não como colônia espanhola, mas como parte do reino unido da Espanha. Como Espanha e Portugal situam-se na Península Ibérica, temos, pois, essa união sendo denominada de União Ibérica.

Quais as consequências desse fenômeno político para o Brasil? Primeiramente, elimina-se o Tratado de Tordesilhas. Agora toda a América pertencia a um só país. Mas, de negativo, o professor Woloski observa que a Espanha não estava muito interessada na gestão do Brasil, e, agora, sem uma corte lusitana efetiva o país tinha sido entregado meio que à própria sorte. Tanto é que a economia do açúcar despencou. Pirataria e contrabando tornaram-se rotina. Del Priori e Venancio têm um exemplo interessante: "Entre 1602 e 1607, o oitavo governador do Brasil, d. Diogo Botelho, encontrou um tal descalabro na figura de funcionários que lesavam o fisco e exerciam tranquilo contrabando, que efetuou várias demissões na capitania de Pernambuco. A incompetência judicial que então se instalava iria somar-se à distância física entre o centro de decisões administrativas, Lisboa, e as cidades litorâneas brasileiras. [...] O braço da lei não atingia as áreas remotas. As próprias leis eram profusas e confusas. [...] A administração judiciária concentrava-se em algumas vilas e cidades, deixando o resto da Colônia nas mãos da justiça privada e do mandonismo local" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 42). A situação estava bagunçada, afirmam os autores, e cada Governador Geral vinha com um novo Regimento, e situação judicial tornara-se caótica.
A coisa estava tão feia que Woloski sugere que a invasão holandesa se deu, ou foi facilitada, justamente por conta desse desleixo espanhol para com o Brasil.

INVASÃO HOLANDESA

Precisamos fazer uma digressão. Fábio Costa nos lembra que a Holanda era colônia espanhola. Entretanto a Holanda já gozava de prestígio, e estava plenamente desenvolvida como nação. Dentre outras coisas, gozava de muitos benefícios com o comércio do açúcar brasileiro. Mas fora reivindicar independência justo quando a Espanha detinha a posse de Portugal e, com isso, de todas as suas colônias. O resultado, claro, foi um embargo comercial entre Holanda e Brasil. Renato Venancio e Mary del Priori ressaltam: "a empresa do açúcar era complexa e envolvia terras, técnicas e homens. No século XVII, ia de vento em popa. Isso tudo eera alvo de grande cobiça por parte dos holandeses. Sobretudo porque, durante a Unificação Ibérica (1580-1640), encontravam-se interditados de realizar negócios no Brasil. Afinal, a luta pela independência das Províncias Unidas [Holanda] era uma luta contra os Felipes espanhóis, o que, automaticamente, tornava os flamengos inimigos dos portugueses. Felipe II dera ordens expressas a respeito deste particular: 'Nenhuma nau, nem navio estrangeiro' poderia comerciar em portos do Reino ou das Conquistas sem licença expressa e assinada pelo rei. Se, durante anos, holandeses comerciaram em nosso litoral, alguns deles tendo se tornado senhores de engenhos [...] agora viam a possibilidade de tomar conta da empresa do açúcar como um todo. E isso sem ter que pagar tarifas ou licenças à Coroa portuguesa (ou espanhola, a partir de 1580) e passando, além do mais, a controlar o refino e o comércio colonial do produto" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 53).
Tal situação era prejudicial demais para a Holanda. Agora, como país independente, ela precisava de suas colônias para seguir no encalço das duas grandes potências da época, que agora eram uma só nação. Então os flamengos resolvem envolver-se na expansão marítima com duas empresas: a Companhia das Índias Orientais e a Companhia das Índias Ocidentais*. A segunda ruma para o Brasil para tentar uma colônia por aqui.
Segundo Boris Fausto, não era apenas o interesse no açúcar, mas também no controle do comércio de escravos, tanto que a invasão no nordeste brasileiro progredia em paralelo às invasões na costa africana. Era quase uma investida simultânea, nos dá a entender o historiador.
César faz a seguinte observação, que vale a pena ser mencionada: "A ocupação do Nordeste brasileiro fazia parte de uma guerra contra a Espanha, uma guerra chamada então de guerra religiosa, guerra justa e guerra mundial. [...] A guerra entre Holanda e Portugal terminou, como diz o historiador e pastor Frans Leonard Schalkwijk [uma das maiores autoridades brasileiras sobre o assunto], 'com uma vitória holandesa na Ásia, um empate na África e uma vitória portuguesa no Brasil'" (CÉSAR, p. 51).
Pelo açúcar e pelos escravos, aqui aportaram os holandeses em 1624, na Bahia. Dominando a terra, cobraram impostos e proibiram o catolicismo. Claro, sem o apoio dos nobres, fatigados pelos impostos, e da igreja, logo tinham o povo todo contra si, e, junto aos portugueses, esses criaram uma revolta e expulsaram os holandeses em 1625. A investida holandesa estava perdida! Muito recurso havia sido gasto nessa empreita e agora a Holanda voltava com o 'rabinho entre as patas'.
Mas algo espetacular aconteceu! Um navio carregado de ouro, espanhol, fora interceptado (em 1627, segundo Fábio Costa)! Ali a Holanda retomara os recursos para uma nova investida que vai acontecer em 1630. Dessa vez, em Pernambuco. E aqui obtiveram sucesso.

Fábio Costa nos conta sobre uma divisão em etapas da conquista flamenca. Na primeira etapa, de 1630 a 1637, temos a 'Conquista Rápida'. Antes de falar dela, precisamos observar uma subdivisão proposta por Venancio e del Priori, que, paradoxalmente é chamada de 'guerra lenta': "Entre 1630 e 1632, os flamengos ficaram à mercê da guerra lenta: uma guerra feita, de emboscas e assaltos, levados a termo por esquadrões compostos por negros, índios e soldados da terra, que os mantinham nas praças fortes do litoral, mas que deixavam os engenhos e a produção de açúcar fora de seu alcance" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 53-54). Bom, afora esses dois primeiros anos, temos a já mencionada 'conquista rápida'. Segundo Fábio Costa, os senhores de engenho não estavam satisfeitos com as destruições das lavouras e acharam interessante a proposta de empréstimo dos holandeses para o replantio. Logo contribuíram para que os holandeses se estabelecessem.
Se a Espanha não fez nada para ajudar? Até que fez, porém sem muita eficiência, como Venancio e del Priori nos mostram: "Enfraquecida pela Guerra de Trinta Anos (1618-48), que trava contar os protestantes, a Espanha, por meio do protegido de Felipe IV, o conde duque de Olivares enviou para a colônia minguados reforços. Lisboa pouco podia interferir, fazendo-se a resistência à custa e nas costas dos lusos-brasileiros" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 54).

A segunda fase é a da Acomodação, onde temos o governo de Maurício de Nassau, de 1637 a 1644. A propósito, Maurício de Nassau foi enviado pra cá justamente com o propósito de consolidar a dominação holandesa, como nos informam Venancio e del Priori: "Preocupados em consolidar o domínio da terra e reconstruir a economia, os dirigentes da Companhia das Índias Ocidentais enviam para cá João Maurício, conde de Nassau-Siegen, com o título de governador-geral do Brasil [1637], apressando-se em esmagar os últimos focos de resistência" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 54).
E como terá sido a administração de Nassau por aqui? O professor Fábio Costa, ciente das loas que se lhe tecem, resolve contrariar as informações da mainstream, e diz ter sido um momento de crise econômica devido aos conflitos religiosos e questões mercadológicas concernentes a importação de itens. Entretanto, não é o que os relatos nos dizem e aqui sentimos ter de discordar do professor Costa. Primeiramente, os engenhos abandonados foram logo ocupados: "Os vazios criados pelo abandono dos engenhos foram preenchidos por holandeses, judeus e luso-brasileiros, graças ao financiamento providenciado pela Companhia. Criou-se, assim, um grupo de novos proprietários interessados no sucesso da empreitada flamenga" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 55).
Woloski anda na mesma entoada para observar que ele pacificou os rebeldes insatisfeitos pela gestão luso-espanhola, mui conturbada e desleixada; propôs empréstimos para a recuperação das lavouras, angariando o favor dos senhores de engenho; promoveu melhorias urbanas e, por fim, promoveu, também, as artes, trazendo importantes artistas do renascimento holandês (Woloski cita Franz Post).

Outro item importante mencionado pelo professor Woloski é o fato de que Nassau concedeu liberdade religiosa, embora sendo protestante, permitindo o catolicismo.
O judaísmo também encontrava mais espaço por aqui, como informam Del Priori e Venancio: "os judeus que iriam se instalar em Pernambuco quando da invasão holandesa, de 1630 a 1654, encontraram melhores condiç~eos para exercer sua religiosidade" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 37), chegando a construir sinagoga! Adiante os autores deixam claro: "Nesse governo, a liberdade religiosa era para todos. Católicos eram livres para exercer seu culto e manter relações com a sede episcopal da Bahia. Sinagogas e escolas hebraicas funcionavam no Recife e foram as primeiras da América. O protestantismo, considerado a verdadeira religião, lutava para instalar-se no Brasil. A chave para sua compreensão era a subordinação de todos os aspectos da vida aos sagrados mandamentos. A formação de paróquias protestantes estendeu-se pela conquistas territoriais, com a catequese e o ensino ocupando muitos pregadores*" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 38). Claro, nesse aspecto, como era de se esperar, César é mais completo: "No Brasil holandês, dava-se muita importância à fé e à conduta dos fiéis. Era o reflexo da Reforma Protestante de 100 aos atrás e de um movimento mais recente conhecido como puritanismo holandês. A Bíblia era a norma credenti et agendi, isto é, norma de fé e comportamento. Era preciso tratar os escravos com mais humanidade, era preciso cuidar das viúvas e dos órfãos, era preciso proteger o meio ambiente, era preciso observar o domingo, era preciso conhecer de perto os dez mandamentos da lei de Deus, era preciso consolar os doentes, era preciso dar alguma liberdade de culto aos não-protestantes, era preciso controlar a taxa de juros, era preciso ter momentos de lazer (pois 'trabalhar demais era roubar a si mesmo'), era preciso aproximar-se da Mesa do Senhor prévia e devidamente preparado etc." (CÉSAR, p. 52). Esses fato não nos permite concordar de maneira alguma com Fábio Costa, que colocou como motivo para sua especulação sobre a existência de um fracasso econômico na Holanda Americana de Nassau os conflitos religiosos.
Nesse ínterim ministrava no Brasil o padre Antônio Vieira, sobre quem falaremos outrora. O professor Fabiano nos relata que em 1640 ele faz um belo sermão chamado “Sermão para o Bonsucesso das armas de Portugal contra as de Holanda”, conclamando os brasileiros a lutarem contra os Holandeses, dizendo que se estes dominassem o Brasil, as coisas ficariam muito ruins por aqui. Entretanto, mesmo ele, depois, veio a reconhecer a boa administração, inclusive pacífica, de Nassau no nordeste. De fato, Nassau foi figura mui carismática: "O período áureo do Brasil holandês, tanto para os holandeses como para os lusos-brasileiros, durou oito anos e está compreendido entre janeiro de 1637 e maio de 1644. Coincide com o governo do Conde João Maurício de Nassau-Siegen, membro e frequentador assíduo da Igreja Reformada. Quando Nassau se retirou, até os portugueses pediram a sua permanência. [...] Se ele tivesse ficado, talvez o Nordeste brasileiro viesse a falar holandês e a maioria da população se tornasse cristã reformada. Até o jesuíta padre Antonio Vieira era a favor do parecer que entregava Pernambuco aos holandeses" (CÉSAR, p. 51).

Antecipamos nosso próximo ponto. A próxima etapa foi a da retirada de Nassau e uma crise na colônia holandesa. Primeiramente temos que nos voltar para a Europa. Em 1640 temos a reivindicação de Portugal de independência. Rodrigo Woloski nota que os burgueses não viram, durante a União Ibérica, a prosperidade prometida pelos espanhóis que, por sua vez, cobravam altos impostos deles e isso lhes fez movimentar uma revolta. A partir daí, de 1640 a 1688 temos a Guerra da Restauração, onde os lusitanos limpam suas terras dos vestígios espanhóis. Mas já em 1640 temos o rompimento da União Ibérica. Segundo Fábio Costa, Portugal, em 1640, pediu ajuda para a Holanda para se livrar do domínio espanhol. Claro, a Holanda, em franca oposição à Espanha, aceitou. Principalmente porque Portugal prometeu, segundo Costa, que deixaria os flamengos livres no nordeste brasileiro. Entretanto, Portugal não cumpriu para com sua promessa. Logo, logo estavam financiando grupos para combater os holandeses em terras brasileiras.
Del Priori e Venancio ainda nos falam de uma crise no preço do açúcar que culminou em problemas na economia colonial: "O colapso do preço do açúcar na bolsa de mercadorias de Amsterdã entre 1642 e 1644 destruiu o otimismo que Nassau encorajara em sua verdejante Maurícia. Enquanto o recém-instalado governador-geral incentivava o financiamento e a melhoria dos engenho , estimulando, entre outros aspectos, a implementação de uma polítrica e livre comércio na qual a Companhia ficava restrita ao monopólio do pau-brasil, de escravos e de munição, na Europa, o açúcar se desvalorizava. Com [...] infernal cadeia de mazelas, seguiu-se a bancarrota. Em 1642, com Nassau ainda no comando, começaram a chover notícias sobre a ruína de comerciantes do Recife, ruína que empurrara para a falência grandes mercadores flamengos. [...] Para culminar, as ações da Companhia despencaram" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 55-56).
Então Nassau é convidado a partir: "em 1640, d. João IV assumira o trono e [..com a perda dos territórios no Oriente, o Brasil ganhava importância. Enquanto isso, na Holanda, insatisfeitos com as despesas e prejuízos, os diretores da Companhia exigiram o retorno de Nassau. Ele regressou em 1644" (DEL PRIORI, VENANCIO, p.56). A partir daí a coisa piorou cada vez mais. Woloski nos conta que os novos governadores da Companhia das Índias Ocidentais não seguiram as políticas de Nassau, e passaram a cobrar os empréstimos feitos, a cobrar impostos e a militar contra a liberdade religiosa."Em junho de 1645, um ano depois da retirada de Nassau, mais de 200 soldados holandeses e índios potiguares mataram o padre André de Soveral e outros setenta fiéis durante a missa dominical realizada na Capela Nossa Senhora das Candeias [...]. Três meses depois ocorreu outro martírio, desta vez a dezoito quilômetros de Natal [...]. Algumas dessas vítimas foram beatificadas pelo papa João Paulo II mais de 350 anos depois em março do ano 2000" (CÉSAR, p. 51-52). Claro, pois, a colônia foi ficando cada vez mais conturbada.
 As tropas organizadas dos portugueses, somados aos devedores aos holandeses que passaram para o lado deles organizava-se e acabara forçando os holandeses à guerra. "Encontraram pela frente soldados enfraquecidos pela partida de seu chefe militar, Nassau, e desestimulados pelo atraso no pagamento de soldos. Multiplicavam-se as deserções. A guerra foi declarada em 1646. Duas batalhas campais, em Guararapes,selaram, entre 1648 e 1649, o destino dos holandeses" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 56-57).

Para quem pensa que não podia piorar, veja isto. "Portugal resolveu intervir num momento em que os holandeses confrontavam a Inglaterra de Cromwell. Uma guerra iniciada em 1652 absorveria todas as forças, armas e esquadras das Províncias Unidas. Lá, não apenas discordâncias haviam enfraquecido a Companhia, como um grupo de burgueses interessados na via pacífica ocupava o governo. E percebera-se, com rapidez, que o Brasil ocupado era pior negócio do que enquanto colônica portuguesa. Através do comércio com Portugal, muito ainda se poderia lucrar" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 57). Logo, em 1654, o Recife está tomado de volta, contam-nos os historiadores.
Como é que a história terminou? Bom, a entre Inglaterra e Holanda vai terminar em 1660. Os conflitos entre os holandeses e portugueses acabam cessando também. E até que não ficou ruim para os flamengos: "A resolução do conflito passou por interferência inglesa. Recém-reconduzido ao trono, em 1660, Carlos II Stuart casou-se com Catarina de Bragança. O tratado de paz firmado com a Holanda, em Breda, deixava a totalidade do Brasil a Portugal, mediante largas concessões no Oriente, uma importante indenização e a possibilidade para os flamengos de seguir fazendo comércio nas costas brasileiras" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 57).

CONSEQUÊNCIAS DA UNIÃO IBÉRICA E INVASÕES HOLANDESAS

Schiavone nos conta que, os holandeses, expulsos, foram plantar cana de açúcar nas Antilhas. E, segundo Del Priori e Venancio, não foram só eles: "comerciantes judeus e agricultores holandeses transferiram para as Antilhas o conhecimento de técnicas agrícolas aprendidas no Brasil. A tendência foi acompanhada por franceses e ingleses, e a presença de um maior número de produtores no mercado mundial empurrou a economia da Colônia para uma grande crise" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 57-58).
 A coroa portuguesa retoma a produção açucareira, precipuamente a região mais rica, o nordeste açucareiro. Porém a crise continua pois o açúcar holandês é mais barato e melhor que o nosso(Woloski nos conta que os holandeses sabiam refinar o açúcar, ao passo que os luso-brasileiros, não) e é nosso concorrente direto. Além disso, salienta Costa, eram, antes, eles quem negociava e revendia na Europa. Portanto, até nisso estavam mais preparados. Pra piorar a situação, a condição das terras não estava das melhores, conforme Del Priori e Venancio: "As guerras do açúcar tiveram sérias consequências para o Nordeste.  Em curto prazo, deixaram ruínas. Colheitas destruídas, gado capturado, escravos aquilombados. Foram necessárias dezenas de anos para que Pernambuco voltasse a integrar a empresa do açúcar" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 57). Eles tinham um açúcar melhor; preços melhores; melhor 'departamento de venda'; terras em melhores condições... era óbvio que Portugal não podia mais depender do açúcar.

E a Igreja Reformada que os holandeses trouxeram? "Embora tenha desenvolvido um trabalho missionário principalmente entre os indígenas, a Igreja Reformada Holandesa se estabeleceu no Nordeste brasileiro não como resultado do anúncio do evangelho. Ela foi transpalntada para cá por ocasião da ocupação holandesa, em 1630, e desapareceu em seguida à expulsão dos invasores em 1654" (CÉSAR, p. 50).

 Assim, a coroa lusa busca uma nova fonte de riqueza, a exploração de um novo recurso a ser explorado. Surgem então, como exploradores, os Bandeirantes.Os bandeirantes eram aventureiros, e comerciavam escravos capturados e produtos exóticos. Receberam investimento para buscar o tão sonhado ouro brasileiro. Já no final do século XVII encontraram ouro na região central do Brasil, particularmente onde hoje chamamos de Minas Gerais. Há, assim, um deslocamento da economia do litoral para o centro do Brasil.

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*"Fundada em julho de 1621, a Companhia das Índias Ocidentais [...] era irmã mais nova da Companhia das Índias Orientais, nascida 19 anos antes. Um dos seus mentores [...] defendia a formação de colônias agropecuárias de evangélicos no Novo Mundo [...] a exemplo da sonhada Nova Genebra de João Calvino. Os holandeses já haviam fundado a Nova Armsterdam em 1614 e os peregrinos ingleses do Mayflower, a Nova Inglaterra em 1620, ambas ao norte de onde ficam hoje os Estados Unidos. Porque não fundar também a Nova Holanda aqui no Nordeste? [...] A companhia das Índias Ocidentais não era uma companhia religiosa e missionária, como a Companhia de Jesus [...]. Era uma companhia secular, com o propósito de enriquecer os seus sócios. Mas à semelhança dos navegadores e colonizadores dos países católicos (Espanha e Portugal), havia também propósitos acentuadamente religiosos e missionários" (CÉSAR, p. 50).
* Duas citações de César valem a pena ser mencionadas aqui. Dizem respeito às investidas protestantes no Brasil-Holandês. Primeiro, quanto às igrejas e ao número delas por aqui ele notifica-nos que, "por considerarem cristãos os templos católicos já existentes, os reformados quase não construíram templos em Recife e na zona ocupada. Usavam os templos católicos depois de retirarem deles as imagens, os altares e o paramentos sacerdotais. [...] Estima-se em 22 o número de igrejas no Brasil holandês, todas jurisdicionadas, a princípio, ao Presbitério de Amsterdam" (CÉSAR, p. 53).

Quanto ao trabalho evangelístico propriamente dito é interessante observar isto: "Pelos cálculos de Frans Leonard Schalkwijk, 17% do trabalho pastoral no Brasil holandês era dedicado aos indígenas. [...] A maior parte dos tupis havia sido cristianizada e batizada pelos jesuítas, mas eles geralmente 'não podiam dar a razão de sua fé nem o fundamento da sua salvação'. Os ministros reformados não os batizavam outra vez. Todavia exigiam dos adultos não batizados uma profissão de fé em Jesus Crisot antes do batismo" (CÉSAR, p. 54).

BIBLIOGRAFIA

CÉSAR, Elben M. Lenz. História da Evangelização do Brasil: dos jesuítas aos neopentecostais. Viçosa: Ultimato, 2000,  192p.

COSTA, Fábio. História do Brasil - Aula 1: Navegações Portuguesas e Período Pré-colonial. Acessado no dia 23/07/2014, em: https://www.youtube.com/watch?v=5tuK1c_51rw.

DEL PRIORI, Mary; VENANCIO, Renato. Uma Breve História do Brasil. São Paulo: Editora Planeta, 2010, 320p.

FAUSTO, Bóris. A História do Brasil por Bóris Fausto. Acessado no dia 23/07/2014 em: https://www.youtube.com/watch?v=pSyE82yRaKU

NARLOCH, Leandro. Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil. São Paulo: Leya, 2009, 320p.



SCHIAVONE, Alexandre. História - Aulo 1: Período Colonial Brasileiro. Acessado no dia 01/09/2014, em: https://www.youtube.com/watch?v=ouq9tU5DUOc&list=PL-5888xShjYp6bkqJ9Ro5Z6h_LH8P4kkm&index=2


WOLOSKI, Rodrigo. História do Brasil - Aula 2 Período Pré-Colonial. Acessado no dia 01/09/2014, em: https://www.youtube.com/watch?v=iP99XK83Kzk&list=PLF2J-8QoLzYG93_TqdDCoJnPspo0ds7q3&index=21

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Franceses, Índios, Negros e Escravidão... alguns fenômenos do século XVI que não podem ser omitidos

[eis o pano de fundo onde os seguintes eventos se deram]

GUERRA DOS TAMOIOS E PROTESTANTISMO BRASILEIRO

Vimos que Tomé de Souza logo trouxe os jesuítas para evangelizar o Brasil e "o primeiro grupo era composto por seis missionários da recém-fundada Companhia de Jesus, entre os quais estava Manuel de Nóbrega" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 29). Os mesmos historiadores ainda nos contam da incumbência que tinham de aprender as línguas indígenas para evangelizá-los, a começar pelas crianças.
Ao mesmo tempo, ou melhor, pouco tempo depois, aportava no Brasil os primeiros protestantes. Nas palavras de César as informações correm graciosas: "Pouco mais de meio século depois da descoberta do Brasil, 38 anos depois da proclamação da reforma Protestante e apenas 6 anos depois da chegada dos jesuítas à Bahia, aportou no Brasil uma caravana ecumênica procedente da França. Eram nobres, artesãos, soldados, criminosos e agricultores, alguns católicos e outros protestantes, sob o comando do navegador e aventureiro Nicolau Durand de Villegaignon, de 45 anos, ora católico ora protestante" (CÉSAR, p. 37).

Que empreita é essa? Por que os franceses para cá vieram? Del Priori e Venancio nos contam que a França era um lugar perigoso para os protestantes, e, portanto, apoiados pelo influente Gaspar de Coligny, alguns franceses rumaram para as bandas de cá próximo a 1555: "quando chega à baía de Guanabara o vice-almirante francês Nicolau Durand de Villegaignon para fundar no hemisfério sul uma colônia, a França Antártica, com calvinistas (huguenotes) franceses, hostilizados em sua terra. [...] Com o auxílio de Gaspar de Coligny, nobre protetor dos huguenotes, Villegaignon estabeleceu-se na Guanabara com quatrocentos homens atraídos pela promessa de liberdade religiosa" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 37). César reforça os dizeres dos historiadores supramencionados: "Os franceses queriam construir aqui a França Antártica, por razões econômicas e religiosas. Em nenhum canto da França, então com 15 milhões de habitantes, havia segurança para os protestantes, lá chamados de huguenotes. Um deles, o almirante Gaspar de Coligny, de 36 anos, era muito influente e deu total apoio à empreitada de Villegaignon" (CÉSAR, p. 37). Portanto, aqui estavam alguns franceses que vieram para morar!
Ao que parece logo se associaram aos índios locais, os tamoios, e tudo corria bem. Mas Villegaignon se nos apresenta um tanto quanto paranóico, conforme descrição de Mary e Renato: "Suspeitas e insegurança, porém, logo perturbariam o governo da França Antártica. Villegaignon desconfiava de seus próprios homens e dos índios tamoios, seus aliados" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 37).
Piorando um pouco a situação, conturbando (mais ainda?) a mente de Villegaignon, acontece outro fenômeno: a vinda de pregadores, ministros calvinistas.  Há, contudo, aqui, uma divergência entre nossas fontes. Venancio e del Priori dizem que "aqui chegou um contingente de 238 religiosos calvinista vindos de Genebra, onde haviam sido ordenados. Ao que parece, os missionários recém-chegados traziam cartas de recomendação de importantes líderes religiosos e nobres, que fizeram Villegaignon temer por seu prestígio na França" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 37), ao passo que César diz "No dia 7 de março de 1557, um ano e três meses depois da primeira expedição, chegou a segunda leva de franceses: cerca de 3000 colonos católicos e sem religião em sua maioria. Com eles vieram quatorze huguenotes [...] de Genebra, enviados por João Calvino, a pedido do próprio Villegaignon. Entre estes estavam o doutor em teologia Pierre Richier, de 50 anos, o pastor Guillaume Chartier, o historiador Jean de Léry e dez aresãos" (CÉSAR, p. 38). 14 ou 238 religiosos? Seja como for, vieram pregadores e teólogos calvinistas para essas terras.
Venancio e del Priori nos conta sobre a recepção calorosa inicial que logo foi substituída por divergências doutrinárias."Na chegada, o líder os recebeu com gestos de obediência, passando, logo depois, a criticá-los por não usarem pão comum e vinho não misturado com água na celebração da Santa Ceia. As polêmicas se multiplicaram. Villegaignon questionava as posição calivnistas sobre a transubstanciação [...], a invocação dos santos, o Purgatório" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 37).
Aqui encontraremos nova divergência entre as fontes. Primeiro, Venancio e Del Priori nos contam que o ministro enviado por Calvino, Pierre Richier, foram proibido de pregar quando as controvérsias se intensificaram, e diz que ele, então, resolveu voltar para a Europa: "Por fim, proibiu Pierre Richier, um dos pastores credenciados por Calvino, de pregar. Diante de tantos conflitos, Richier partiu par a Europa com seus auxiliares" (DEL PRIORI, p. 37-38). Já César diz que, primeiro, os calvinistas foram exilados (o que é compatível com as informações dos historiadores) e depois foram expulsos: "O namoro do vice-almirante com os huguenotes durou muito pouco tempo. Em outubro de 1557, sete meses depois de ter tomado a Ceia do Senhor em duas espécies (pão e vinho), Villegaignon os expulsou da ilha para um local chamado La Briqueterie, hoje Olaria, no continente. Menos de três meses depois, em janeiro de 1558, Richier e outros genebrinos foram obrigados a voltar para a Europa e lá contaram o que havia acontecido e chamaram Villegaignon de 'o Caim da América'" (CÉSAR, p. 39), o que dá ares mais nobres a Richier, pois ele, dessa forma, não teria desistido do trabalho por conta das dificuldades.
Consenso também é o que aconteceu depois: "Devido às más condições de travessia marítima, alguns resolveram voltar. Foram recebidos por um desconfiado Viellegaigon que rejeitara publicamente o calvinismo. Obrigados a redigir uma declaração sobre algunspontos doutrinários - intitulada Confessio Fluminensis -, caíram numa armadilha: acusados de traição, foram condenados e executados. Tonaram-se os primeiros mártires do credo protestante na América" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 37-38) e César:
"Nesse mesmo ano, no dia 9 de fevereiro, o homem forte da França Antártica mandou estrangular e lançar ao mar os quatro signatários de uma confissão de fé reformada" (CÉSAR, p. 38), que foi a mencionada acima. O autor ainda menciona que um voltou atrás e foi poupado. Os demais huguenotes fugiram e há um relato de um deles, anos mais tarde, que foi para São Vicente, foi preso e levado para a Bahia e, depois, acabou sendo "enforcado no Rio de Janeiro por ordem de Mem de Sá e com a assistência de José de Anchieta" (CÉSAR, p. 39), em 1567.

Neste ínterim há outro evento que merece ser mencionado. É a Guerra dos Tamoios. O tupinambás, também conhecido como tamoios, logo se associaram aos franceses. Outros índos também se associaram. Claro, índios e estrangeiros unidos eram um terror para os portugueses. Se já eram indesejáveis em separado, quanto mais juntos e livres.
Del Priori e Venancio  mencionam uma guerra que ocorreu quando os franceses por aqui estiveram, na Guanabara, e relatam o evento como a primeira união entre os índios: "Em meados do século XVI, a Confederação dos Tamoios, primeiro movimento de resistência a reunir vários povos indígenas, como tupinambás, goitacases e aimorés, teve o apoio de huguenotes franceses, terminando com milhares de índios mortos e escravizados" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 26). Claro, coloca a coisa de modo a parecer um massacre exclusivamente lusitano, e ainda apoiado pelos malvados calvinistas. Mas Narloch está constantemente a contar o que foi omitido. Os portugueses aproveitaram que os índios tupiniquins e temiminós tinham rixas com os índios associados aos franceses e partiram para o que ficou conhecida como "Guerra dos Tamoios, entre 1556 e 1567. Os tupiniquins e os temiminós ajudaram os portugueses a expulsar os franceses do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, lutavam contra antigos inimigos: os tupinambás, também chamados de tamoios. Depois de vencerem, os nativos aliados dos portugueses ganharam terras e uma posição privilegiada de colaborados do reino português" (NARLOCH, p. 38). Portanto, era um conflito de interesses. Os portugueses queriam garantir suas terras, e os índios queriam apenas a cabeça dos índios das outras tribos. Talvez os outros índios tenham se unido para enfrentar seus inimigos indígenas em comum, e certamente para retirar os lusitanos escravizadores que tanto lhes agrediam. Parece-nos possível, também, concluir que os franceses não exploraram ou escravizaram os índios. De qualquer modo, "enfraquecido e já sem a proteção de Coligny, Villegaignon retornou à França em 1558, pouco antes de os portugueses recuperarem a Guanabara" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 38).
Elben Magalhães Lenz César conclui assim as considerações sobre este evento (e tomamos suas palavras para concluir): "Sob todos os pontos de vista, a França Antártica ou a invasão francesa foi um fracasso. A aventura de Villegaignon durou menos de 11 anos: no dia 20 de janeiro de 1567, os franceses foram expulsos do Rio de Janeiro por Mem de Sá. Villegaignon morreu em 1575, aos 67 anos, três anos depois de Coligny, que foi uma das vítimas da matança de São Bartolomeu, na França, em 24 de Agosto de 1572" (CÉSAR, p. 39).

ESCRAVIDÃO

Vejamos que a situação política mudou. Já notamos que nos primeiros momentos os brancos dependiam dos nativos para sobreviver, e acordos e alianças eram constantemente feitas. Mas "a partir de 1534, aproximadamente, tais relações começaram a se alterar. Chega ao fim a fase em que os brancos se mantiveram dependentes dos nativos. [...] Ao substituir o escambo pela agricultura, os portugueses começavam a virar o jogo. O indígena passou a ser, simultaneamente, o grande obstáculo para a ocupação da terra e a força de trabalho necessária para colonizá-la. Submetê-los, sujeitá-los, escravizá-los, negociá-los tonaram-se a grande preocupação" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 24). E assim se deu. Na verdade, a escravidão do indígena surge como uma necessidade econômica. Boris Fausto nota que era preciso trabalhadores para os canaviais, mas onde encontrá-los? Haviam condenados que acabaram vindo para o Brasil*, mas esses eram muito poucos. Sem precisar mais dos índio, passaram a usá-los na grande empresa açucareira, e logo vieram os negros: "Começava, assim, a rendosa empresa de caça ao indígena, e com ela o tráfico de negros da terra - termo utilizado para diferenciá-los dos negros africanos, que, aliás, começaram a chegar em profusão por volta de 1550 -, a fim de abastecer os núcleos de colonização" (DEL PRIORI, Venancio, P. 25).
 Portanto, negros até que haviam, mas eles começaram a vir de maneira mais volumosa em meados do século XVI, e é com Mem de Sá, como já vimos, que o tráfico negreiro é intensificado, compondo o quadro miscigenado de nossa nação*.
Mas, afinal de contas, por que raios os negros foram trazidos pra cá? Já não se tinham os índios? Não eram suficientes? Alguns fenômenos, entretanto, acabaram por minorar a quantidade de índios aptos para o trabalho, e os negros foram a alternativa: "A importação de africanos cobria a falta de mão de obra, uma vez que as epidemias e a mortalidade ligadas ao trabalho forçado, associadas à fuga de tribos inteiros para o interior, acabaram por inviabilizar o trabalho cativo dos índios. [...] a percentagem de escravos índios envolvidos na produção do açúcar foi [...] baixando à media que os senhores enriqueciam e podiam importar africanos. Isso começou a acontecer, principalmente na Bahia e em Pernambuco, a partir da segunda emtade do século XVI" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 51).
Temos de nos lembrar que o segundo Governador Geral, Duarte da Costa, enfrentou a fúria dos jesuítas contra a escravidão indígena. Dizem que os jesuítas recomendaram os negros, visto entenderem que estes não tinham alma, ao passo que os índios, sim, e, portanto, precisavam ser evangelizados e não tratados como animais*. Segundo Schiavone, a escravidão indígena perdurou até o século XVII, quando, pois, foi substituída pela escravidão do negro, que trabalharemos mais particularmente noutra oportunidade.
Incoerência à parte, a própria Igreja Católica tinha seus escravos, como nos conta Mary Del Priori e Renato Venancio: "Tratá-los como 'coisa' era natural, regra, aliás, seguida pela Igreja Católica, que os possuía às centenas em seus conventos e propriedades. O castigo físico exagerado era, contudo, condenado" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 51).

ÍNDIOS BONZINHOS?

Por um lado, ninguém duvida que houve muita chacina em relação aos índios. Temos de nos lembrar que eles eram um dos obstáculos para a falta de sucesso da empresa lusitana no Brasil. As Capitanias eram constantemente atacadas pelos dominadores portugueses. Então a ira da metrópole se acendeu contra eles, e, ouvido os relatos, Tomé de Souza é enviado para causar o caos entre os índios e Mem de Sá não fica atrás, conforme os historiadores Renato Venâncio e Mary del Priori: "Já em 1548, o regimento do governador Tomé de Souza instruía o governo para dobrar os índios hostis aos portugueses, dando-lhe carta branca para destruir aldeias, matar e punir rebeldes como castigo exemplar. A política de 'grande terror' recomendada por d. João III consistia, inclusive, em amarrar o índio que praticara algum delito à boca de um canhão, fando-o explodir. Mem de Sá que assumiu o governo-geral em 1557*, foi, sem dúvida, o campeão da violência" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 26). Entretanto, Norloch é, mais uma vez, bem sucedido em reformular as perspectivas tradicionais sobre o índio. Essa que mencionamos não é toda a história, e precisamos ter mais cautela antes de declarar 'pobres indiozinhos, inocentes, maltratados pelos gananciosos exploradores lusitanos'.
Temos de nos lembrar que os índios que aqui residiam tinham suas próprias 'políticas'. Viviam em guerra uns com os outros, e a guerra parecia seu apanágio*. A vinda dos Europeus foi vista por eles, a princípio, como um adendo a seus próprios 'movimentos políticos'. "Com a vinda dos europeus, que também gostavam de uma guerra, esse potencial bélico se multiplicou. Os índios travaram entre si guerras duríssimas na disputa pela aliança com os recém-chegados. Passaram a capituar muito mais inimigos para trocar por mercadorias. [...] Os portugueses, interessados em escravos, compravam os presos com o pretexto de que, se não fizessem isso, eles seriam mortos ou devorados pelos índios" (NARLOCH, p. 34-35). Portanto, ao adotar o sistema escravocrata, tal como sucede com os negros na África, os próprios índios eram, muitas vezes, os responsáveis pela escravidão de outro índio. Narloch colhe relatos de índios vendendo familiares a troco de quinquilharias, ou mesmo nas disputa entre tribos (se antes era importante capturar índio de maior 'qualidade social', agora quantidade estava na 'moda'). Isso, por si só, já nos faz ficar extremamente céticos quanto à figura bonitinha do índio amoroso e cordial que sempre ouvimos falar. Em outras palavras, resumindo a lição, "as tribos não apoiavam os colonos por alguma obediência cega. Seus líderes, que também particpavam das bandeiras e das batalhas, estavam interessados na pareceria para derrotar outras tribos" (NARLOCH, p. 38)*.

E quanto à questão da morte dos índios por conta das doenças transmitidas pelos portugueses (e, no ensino tradicional, a que Boris Fausto é fiel, dá-nos a impressão de que os portugueses quase que transmitiram intencionalmente essas doenças), Narloch é igualmente 'revolucionário'. Ele conta o que não nos contaram para manter a faxada de que os índios são o ápice da ética civilizatória humana: "Na verdade, quando chegaram ao Brasil, os portugueses pensavam que eles é que ficariam doentes. Era isso o que acontecia aos navegadores no resto do mundo. Os habitantes da África e da Ásia eram muito mais resistentes a doenças que os portugueses. [...] Para piorar, depois de meses de alimentação precária nas caravelas, o sistema imunológico ia para o chão. Quando voltavam das viagens novas doenças apareciam em Portugal" (NARLOCH, p. 57). Portanto, é mui certo que os índios também transmitiram muitas doenças para os portugueses, tanto os que aqui estavam quanto os que estavam em sua terra Natal, e o autor relata várias evidências.

Outro fator interessante de se relatar é o da miscigenação cultural (e posteriormente genética) entre índios e brancos. "Nas primeiras décadas do Brasil, tantos portugueses iam fazer festa nas aldeias que os representantes do reino português ficaram preocupados. Enquanto tentavam fazer os índios viver como cristãos, viam os cristão vestidos como índios, com várias mulheres e participando de festas no meio das tribos" (NARLOCH, p. 30). Portanto, os brancos adentravam-se às tribos e envolviam-se integralmente com os índios, aprendendo seus costumes e tomando suas índias por mulheres. Posteriormente, como havemos de ver, os índios também adentraram-se às cidades e aculturaram-se. Seja como for, há um fenômeno decorrente dessa inter-relação que merece destaque. Narloch nos conta sobre os índios logo adotarem o costume da bebedice com os portugueses, e tal fato é amplamente contado com propósito de denunciar a corrupção que os europeus causaram nos pobres e nobres índios. Entretanto, outro igualmente vexatório nos é encoberto: "É muito comum atribuir aos brancos a responsabilidade pelo alcoolismo entre índios. Em diversas tribos, os homens se tornam alcoólatras com muita facilidade, o que desestrutura a sociedade indígena. Ninguém, no entanto, culpa os índios por um hábito tão trágico quanto o álcool: fumar tabaco. Até os navegadores descobrirem a América, não havia cigarros na Europa nem o costume de tragar fumaça. Já os índios americanos fumavam, cheiravam e mascavam a folha de tabaco à vontade. A planta significava uma ligação com os espíritos e era usada em cerimônias religiosas. Entre os tupis, os caríbas ( um tipo de líderes espirituais) pregavam em transe, exaltados com o fumo muito intenso de tabaco. Em outras tribos, fumava-se antes de guerras, para aliviar dores e também por prazer" (NARLOCH, p. 60).
.Não é atoa que o Brasil logo tornou-se grande exportador de Tabaco! Novamente Leandro Norloch é nosso informante, e nos conta sobre possível e provavelmente ter sido feita no Brasil a primeira plantação em larga escala de tabaco no mundo: "Os primeiros carregamentos de tabaco consumidos entre os nobres europeus vieram do Brasil. É provável que a primeira plantação de tabaco para exportação do mundo tenha sido uma roça paulista de 1548. Por quase três séculos, a planta foi o segundo maior produto de exportação do Brasil, atrás apenas da cana-de-açúcar" (NARLOCH, p. 61).

Todos esses fatos, somado ao que já foi observado sobre os índios causarem incêndios nas matas, devem nos fazer repensar se devemos comemorar com tanto entusiasmo o 'dia do índio', para não falar nas políticas em prol dos mesmos...

[segunda tentativa do protestantismo brasileiro]
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* "Também vinham degredados, alguns condenados pela justiça secular, outros pela Inquisição, instituída em 1536. [...] Eram os 'indesejáveis do Reino', sobretudo bígamos e feiticeiras. Vir sentenciado para a América portuguesa era considerado pena árdua, era destino malfadado" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 25).
* "Deve-se lembrar que desde o século XV, no Sul de Portugal e posteriormente nas ilhas do Norte da África, a escravidão de negros em associação com engenhos de açúcar era comum. Intensificou-se ao longo dos séculos XVI e XVII, graças ao tráfico para o Brasil" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 51).
* Não conseguimos, em nossas fontes, identificar quem teria dito isso.
* Estamos seguindo as datas com aproximadamente um ano de diferença para mais.
* José de Anchieta notou algo em 1565. "Os tupinambás, tradicionais adversários dos colonos, de repente se mostraram dispostos a deixar de guerrear com os portugueses. O real motivo dessa aliança surpreendente era 'o desejo grande que têm de guerrear com seus inimigos tupis, que até agora foram nossos amigos, e há pouco se levantaram contra nós', acreditava o padre (NARLOCH, p. 38).
* Outra citação interessante, feita por Narloch, de Maria Regina Celestino de Almeida, é a seguinte: "Se os europeus se aproveitaram das dissidências indígenas para fazerem suas guerras de conquistas por território, também os índios lançaram mão desse expediente para conseguir seus próprios objetivos" (ALMEIDA apud NARLOCH, p. 38).


BIBLIOGRAFIA

CÉSAR, Elben M. Lenz. História da Evangelização do Brasil: dos jesuítas aos neopentecostais. Viçosa: Ultimato, 2000,  192p.

DEL PRIORI, Mary; VENANCIO, Renato. Uma Breve História do Brasil. São Paulo: Editora Planeta, 2010, 320p.

FAUSTO, Bóris. A História do Brasil por Bóris Fausto. Acessado no dia 23/07/2014 em: https://www.youtube.com/watch?v=pSyE82yRaKU

NARLOCH, Leandro. Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil. São Paulo: Leya, 2009, 320p.

SCHIAVONE, Alexandre. História - Aulo 1: Período Colonial Brasileiro. Acessado no dia 01/09/2014, em: https://www.youtube.com/watch?v=ouq9tU5DUOc&list=PL-5888xShjYp6bkqJ9Ro5Z6h_LH8P4kkm&index=2