Embora iremos
ensinar regras de interpretação um pouco mais profundas do que, provavelmente,
as que a maioria dos leitores estejam familiarizados, temos de antecipar nossas
lições observando que a Bíblia é, em matéria de assuntos relacionados à
salvação e aos princípios éticos gerais (via de regra), fácil de ser lida.
Ela mesma
reivindica isto para ela. Porém, ela também reivindica ter suas dificuldades.
Refletiremos sobre esta tensão neste estudo.
Bom, para
começar, vamos observar, com Charles Hodge, sobre a perspicuidade (clareza) das
Escrituras: "Paulo se alegrou que Timóteo fosse, desde a juventude,
conhecedor das Santas Escrituras, as quais tiveram o poder de fazê-lo sábio
para a salvação [2 Timóteo 3:14-15]. Disse ele aos Gálatas (1.8, 9): 'Mas,
ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do
que vos termos [sic.] pregado, seja anátema'. Isso implica duas coisas -
primeiro, que os cristão gálatas, o povo, tinham o direito de sentar-se no
tribunal para avaliar o ensino de um Apóstolo ou de um anjo celestial; e,
segundo, que tinham uma regra infalível pela qual esse juízo devia ser
determinado, isto é, uma revelação de Deus previamente autenticada"
(p.138-139). Portanto, é possível uma educação progressiva, desde a meninice,
para que alguém torne-se sábio para a salvação; e a Igreja foi considerada por
Paulo como apta para avaliar o ensino que lhe fosse trazido.
E, de fato, não é
nada difícil compreendermos certas porções das Escrituras. Não há grandes
dificuldades em olharmos, por exemplo, para as porções éticas no final das
epístolas de Paulo. Qualquer um pode, por exemplo, pegar o capítulo 12 de
Romanos e entender uma série de recomendações sobre como devemos viver. Também
não é preciso ser um exegeta ou filósofo analítico para olharmos para João 14:6
ou Atos 4:12 para percebermos que não se pode encontrar reconciliação com Deus
exceto por Cristo. Portanto, Berkhof observa com maestria que "as
Escrituras não se dirigem exclusivamente, nem primariamente, aos oficiais da
Igreja, mas ao povo que constitui a Igreja de Deus" (p.51). Fica, pois,
estabelecido que cada indivíduo é responsável por si diante de Deus.
"Examinais as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna, e
são elas que de mim testificam" (João 5:39).
Porém, seríamos
por demais levianos se parássemos nossa reflexão por aqui. Olhemos para o que
Pedro diz: "E tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor; como
também o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi
dada;falando disto, como em todas as suas epístolas, entre as quais há pontos
difíceis de entender, que os indoutos e inconstantes torcem, e igualmente as
outras Escrituras, para sua própria perdição" (2 Pedro 3:15-16). Pedro
admite que existem coisas difíceis de entender nas próprias Escrituras (e, é
interessante observar que eles já tinham em conta os escritos
neo-testamentários como sendo Escrituras também).
Roy B. Zuck, no
começo de sua obra sobre hermenêutica, trás-nos luz sobre este assunto. Ele
observa que o texto de Atos 8, versos 27 a 30 (sobre Filipe e o Etíope)
demonstram que, às vezes, é preciso que alguém ensine, explique, esclareça uma
porção das Escrituras (p.9-10). Outro exemplo pode ser visto nestas palavras:
"Vários meses depois que Neemias concluiu a reconstrução dos muros de
Jerusalém e os israelitas haviam-se instalado em suas cidades, o escriba Esdras
leu para a congregação no 'livro da lei de Moisés' (os cinco primeiros livros
da Bíblia). O povo havia-se reunido em frente à Porta das Águas (Ne 8.1). Esdras
leu na lei desde o amanhecer até ao meio-dia (v.3). Os levitas também leran na
lei em voz alta, 'claramente, dando explicações, de maneira que entendessem o
que se lia' (vv. 7,8). Em consequência, todos do povo se alegraram-se, 'porque
tinham entendido as palavras que lhes foram explicadas' (v.12)" (ZUCK,
p.10).
Assim, é óbvio
que existem, também, dificuldades para interpretar a Bíblia. É por isto que a
Igreja foi agraciada com mestres. O Espírito outorgou o dom de ensinar, e isto
está claro nas Escrituras (Romanos 12:7; 1 Coríntios 12:28; Efésios 4:11).
Não obstante, não
são dificuldades insolúveis ou imperceptíveis para o 'leigo'. Com as demais
reflexões, buscaremos desvendar-lhes os segredos da interpretação bíblica, e,
em partes, sanar este problema da semi-obscuridade bíblica, mas não antes de
lhes ensinar sobre como fazer uma devocional. Fiquem atentos, portanto, às
próximas reflexões.
Lucio A. de
Oliveira
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BIBLIOGRAFIA
BERKHOF, Louis.
Princípios de Interpretação Bíblica. . Tradução de Denise Meister. São Paulo:
Cultura Cristã, 2 ed., 2004, 144p.
HODGE, Charles.
Teologia Sistemática. Tradução de Valter Graciano Martins. São Paulo:Editora
Hagnos, 2001. 1777p.
ZUCK, Roy B. A
Interpretação Bíblica. Tradução de Cesar de F. A. Bueno Vieira. São Paulo: Vida
Nova, 1994, 360p.
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