sexta-feira, 12 de julho de 2013

Aprender a Ler a Bíblia (Parte 5)


Até aqui temos bagagem suficiente para já termos começado a ler a Bíblia. O que tratamos no primeiro, terceiro e quarto artigo sobre aprender a ler a Bíblia foram as noções básicas da hermenêutica. Noções estas que todo crente deveria e é capaz de reter. É imprescindível que a Igreja aproprie-se destas lições e comece, o quanto antes, a ler a Bíblia.
Seguiremos agora com regras mais técnicas, que aperfeiçoarão as habilidades dos leitores como intérpretes das Escrituras. Nesta lição, aprenderemos sobre o que Agostinho cunhou de 'Analogia da Fé'.

Na verdade, este item deveria ser tratado após traçarmos considerações sobre o método gramático-histórico*¹. Todavia, pode muito bem ser trazido à baila sem prejuízo à formação hermenêutica dos leitores. Antes, só tem a nos esclarecer, iluminar.
Este princípio, o da analogia da fé, deriva-se do fato de termos alguns pressupostos quanto as Escrituras. Entendemos que, embora sejam produção humana, são, também (e precipuamente), obra de Deus. Foram doadas pelo Espírito, que iluminou e inspirou a mente de seus autores, conferindo-lhes informações e garantindo precisão e fidelidade*². Sendo assim, toda a Bíblia é, ulteriormente, obra de um só autor, o Espírito de Deus. Como ele é infalível e inerrante, tal é sua produção. Um corolário, pois, é que há uma unidade intrínseca na Palavra de Deus. Todas as partes concordam umas com as outras, e o entendimento de um particular, de uma seção, deve se harmonizar com o todo das Escrituras.
Alguns pensadores cristãos ampliam o conceito para que compreendamos. Comecemos por Zuck: "A Bíblia não se contradiz. [...] As passagens que aparentemente contêm discrepâncias precisam ser interpretadas à luz da harmonia das Escrituras. [...] Como a Bíblia é  coerente, suas passagens obscuras e secundárias devem ser interpretadas com base em trechos claros e principais. [...] outra consequência da unidade das Escrituras é que muitas vezes, a Bíblia interpreta a si mesma" (Zuck, p.83-84). Ferreira e Myatt, bem como Zuck, reportam a Calvino e Lutero os méritos por enfatizar tal aspeco da interpretação bíblica, e, semelhantemente, afirmam: "A Escritura é sua própria intérprete, por isso os textos menos claros da Escritura devem ser interpretados à luz dos textos mais claros, sempre conferindo textos paralelos que tratam do mesmo assunto" (FERREIRA; MYATT, p.43).
Geisler e Howe, no elucidante 'Manual Popular de Dúvidas, Enigmas e 'Contradições' da Bíblia', no começo do livro, expõem alguns erros clássicos que encerram equívocos mortais em relação à perspectiva sobre as Escrituras. A nós cabe observar os erros 5 e 6, que são pertinentes à nossa presente reflexão.
O erro 5 é: "deixar de interpretar passagens difíceis à luz das que são claras", e o autor da exemplos de como harmonizar textos*³. O erro número 6 é: "basear um ensino numa passagem obscura". O autor menciona o fato de que há passagens difíceis de se entender por conta de palavras-chave do texto não aparecerem em outro lugar; ou por causa da distância cronológica e cultural que estamos do texto, de modo que não sabemos ao que o autor está se referindo. Portanto, quanto estivermos lendo um texto, e não compreendermos uma passagem em particular, ou ser ela de difícil entendimento, devemos nos precaver para não tirar conclusões precipitadas. Devemos olhar para o resto das Escrituras e, assim, formular doutrinas e ensinamentos.
Na medida em que formos lendo mais da Bíblia, devemos ir revisando nossas convicções doutrinárias. Certamente, é impossível ler as Escrituras sem algumas convicções básicas já formuladas. Porém, devemos ser fiéis à Bíblia, e, assim, temos de estar prontos a reformular nossos pensamentos à luz do que vamos descobrindo na medida que estudamos a Palavra. Tal consideração, também, nos torna mais humildes em relação ao que sabemos. Na medida em que conhecermos mais da Palavra teremos condições de afirmar com mais convicção as doutrinas que percebemos.
Meditem e apreendam esta lição, pois usaremos dela para esclarecer outras. No mais, a ilustração de Packer é excelente para finalizar este artigo:
"“A Bíblia assemelha-se a uma orquestra sinfônica, e o Espírito Santo é o maestro. Cada músico foi levado voluntária, espontânea e criativamente a tocar as notas como o grande maestro desejava, apesar de nenhum deles ser capaz de ouvir a música de forma integral... O valor de cada parte torna-se completamente evidente quando visto em relação a todo o restante” (PACKER apud MACARTHUR, p.120).

___________________________________
*¹ "Muitos escritores de Hermenêutica acham que as interpretações gramatical e histórica preenchem todos os requerimentos para a interpretação adequada da Bíblia. Eles não consideram o caráter teológico especial dessa disciplina. Há outros, no entanto, que são conscientes da necessidade de se reconhecer um terceiro elemento na interpretação da Escritura" (BERKHOF, p.101).
*² Os seguintes textos são importantes e suficientes: 2 Timóteo 3:16 diz que 'Toda Escritura é inspirada por Deus'; 2 Pedro 1:20-21 diz que "nenhuma profecia da Escritura provém de particular elucidação", e que não vieram de vontade humana, mas os homens falaram movidos pelo Espírito Santo; Judas 3 diz que a fé (e aqui fé se refere ao escopo, o conteúdo doutrinário) foi entregue, (ou seja, dada, doada), aos santos.
*³ Um exemplo digno de nota é a possível contradição entre Tiago e Paulo. "Tiago parece estar dizendo que a salvação é pelas obras (Tg 2:14-26), ao passo que Paulo ensinou com toda a clareza que é pela graça (Rm 4:5; Tt 3:5-7; Ef 2:8-9). Neste caso, Tiago não deve ser interpretado de maneira a contradizer Paulo. O apóstolo Paulo está falando da justificação perante Deus (o que é pela fé somente), ao passo que Tiago está se referindo à justificação perante os homens (que não têm como ver a nossa fé, mas somente as nossas obras" (GEISLER; HOWE, p.21).
------------
BIBLIOGRAFIA
BERKHOF, Louis. Princípios de Interpretação Bíblica. Tradução de Denise Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2 ed., 2004, 144p.
FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007, 1220p.
GEISLER; Norman; HOWE, Thomas. Manual Popular de Dúvidas, Enigmas e “Contradições” da Bíblia. Tradução de Milton Azevedo Andrade. São Paulo: Mundo Cristão, 1999, 582p.
MACARTHUR JR, John. F. O Caos Carismático. Tradução de Rogerio Portella. São José dos Campos: Editora Fiel. 395p.
ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica. Tradução de Cesar de F. A. Bueno Vieira. São Paulo: Vida Nova, 1994, 360p.

[PS: Agradecimento especial às correções ortográficas de Ronaldo Vasconcelos]

Nenhum comentário:

Postar um comentário