Antes de falarmos em
sofistas, Sócrates, Platão e Aristóteles temos que falar de Atenas e a história
da Grécia*. Essa era a cidade-estado modelo das polis gregas. Ela está no norte
da Grécia, na península da Ática, recortada, com possibilidades sugestivas de
envolver-se com empreitadas marítimas, o que aconteceu. Atenas desenvolve uma
importante atividade comercial via marítima.
A sociedade em
Atenas ainda é censitária, ou seja, dividida por condições financeiras. Mas sua
estrutura é um pouco mais complicada que a de Esparta. No topo temos os
eupátridas, ou seja, os latifundiários, grandes proprietários de terras, donos
das melhores terras, nas planícies de Atenas. Em seguida temos os ‘demiurgos’,
os comerciantes que não possuíam terras. Depois dos eupátridas e demiurgos
temos os Georgóis, que eram pequenos proprietários de terras. Em seguida
tínhamos os ‘Thetas’, os sem terras e, por fim, os escravos, oriundos de
dívidas ou prisioneiros de guerra.
Os Eupátridas
estavam nas planícies de Atenas, as melhores terras. Os Demiurgos estavam nos
litorais, trabalhando no comércio. Os Georgóis e Thetas viviam nas montanhas, em
regiões menos produtivas e com terras mais baratas.
Essa divisão
social-cartográfica também foi refletida no pensamento político. Os Eupátridas,
que viviam nas planícies, prezavam por conservar as coisas como estavam,
afinal, estavam no poder: portanto, conservadores. Os demiurgos, habitantes do
litoral ateniense, são moderados. Eles têm dinheiro, fazem parte deu uma elite
‘burguesa’. Apreciam certas mudanças. Já os Georgóis e os Thetas, residentes
nas montanhas, evidentemente os menos favorecidos, pleiteavam mudanças radicais
em prol de sua melhora de vida.
Evidentemente os
escravos não tinham qualquer direito, não faziam qualquer diferença no cenário
político ateniense.
Esses três partidos
políticos geram discussões e essas aumentam na medida que a população crescia.
Atenas passa por uma transição política, começando como uma monarquia, passando
a ser uma oligarquia e, por fim, tornando-se uma democracia. No século VII a.
C., na transição entre oligarquia e democracia é que esses partidos começam a
debater uma reforma legislativa em Atenas.
É importante
destacar que a democracia ateniense não surge por meio de uma revolução, mas
por uma reforma gradual que levou, paulatinamente, os cidadãos ao processo
político. Segundo Chalita, as cidades-Estados baseada na cidadania foram
inspiradas “em cidades de regime monárquico da ilha de Chipre e de estados da
Fenícia” (CHALITA, p. 16).
Para resumir essa
reforma política temos que observa a série de legisladores que haviam. O
primeiro legislador de Atenas foi Drácon, no final do século VII a.C., autor do
primeiro código de leis escritas, as leis draconianas. Até então as leis
atenienses eram faladas, transmitidas oralmente, o que dava a elas um caráter
muito volúvel. Como a cidade ia crescendo, a demanda por leis escritas, para
dar objetividade ao direito, fez-se necessária e Drácon cumpre esse papel. Era
um registro das leis faladas, leis conservadoras, e que foram impostas. Não
houve um debate legislativo. Isso não mudou o quadro político e forense de
Atenas, mas foi um avanço pelo fato de as leis estarem registradas.
Em 594, início do
século VI a.C., temos Sólon, um legislador reformista. Ele altera algumas
características importantes em Atenas. Mexeu na estrutura da escravidão por
dívidas. Normalmente o Georgol (pequeno proprietário de terras) pegava dinheiro
emprestado dos mais ricos. Quando não conseguia pagar, hipotecava suas terras
tornando-se um Theta. Como Theta, e ainda endividado, sem ter como pagar suas
dívidas, tornava-se um escravo. Sólon proíbe essa escravidão hipotecária.
Como a demanda de
escravos continuava, Atenas viu-se obrigada a expandir-se para conquistar
prisioneiros e torna-los escravos.
Os Georgóis ficaram
contentes com tal inovação política, mas o Eupátridas não e levantam uma
revolta em Atenas, desembocando na Tirania ou Ditadura, de 560 a 530 a.C. Os
governantes, nesse período, chegavam ao poder por golpes militares, ao invés de
eleição. Temos Psístrato, Hípias, Hiparco e, finalmente, o grande tirano
Clístenes que, em 512 a. C. começa uma reforma em Atenas que se conclui em 510
a.C.
Essa reforma criada
por Clístenes foi a criação de uma nova lei, conhecida como ‘Lei Democrática’.
Na nova lei a Polis foi dividida em Demos, ou seja, grupos de pessoas, que
teriam participação igualitária na política. Cada Demos elegeria seus
representantes que participariam de uma assembleia chamada Eclesia*.
As Demos governam as
cidades numa estrutura de ISONOMIA, i. é., igualdade (‘iso’ significa igual,
como acontece no triângulo isósceles; nomia, de nomos, é lei; portanto, lei
igual para todos). Ou seja, independente da origem e das condições econômicas,
todo cidadão seria igual perante a lei. Isso não quer dizer que todos são
cidadãos. Crianças, mulheres, estrangeiros (metecos) e escravos não eram
considerados cidadãos. Segundo Gabriel Chalita, era “considerado cidadão o
homem que possuísse alguma propriedade (uma casa, pelo menos), que tivesse
escravos, e que não fosse estrangeiro” (CHALITA, p. 44). Portanto, de 70 a 80
por cento da população ateniense não participava da política*. Entretanto, por
sua vez, havia uma participação direta na política por parte dos cidadãos, sem
representatividade. Como haviam poucos cidadãos, eles mesmos é quem elaboravam
e votavam nas leis*. “As propostas que os cidadãos atenienses defendiam
publicamente eram feitas por meio de discursos proferidos na ágora” (CHALITA,
p. 45). A ágora era uma espécie de praça pública, centro da vida política e
comercial dos cidadãos gregos, onde, além da discussão política, também se
praticava o comércio e celebrações religiosas.
No espírito
participativo ateniense vemos o espírito do debate, do consenso e da retórica
imperando. Era preciso desenvolver bons argumentos, modos de persuasão, para
que as ideias fossem assimiladas e aprovadas de modo a gerar o consenso. Antes
do consenso a democracia ateniense demandava um debate sobre qualquer assunto
ou proposta que apelava por aprovação.
Não sem motivos que
a arte mais apreciada na Grécia antiga era justamente o teatro, onde se
praticava a arte retórica. Chalita faz uma importante associação entre o
teatro, particularmente a tragédia, e a mentalidade filosófica democrática.
Primeiro, afirma que a democracia estava imersa na ideia de que “o homem tem
soberania sobre seu destino” (CHALITA, p. 44). E logo afirma que “esse gênero
dramático [as tragédias] tematizava acontecimentos terríveis, muitas vezes
míticos, e tinha a intenção de mostrar as consequências de atos imorais e
passionais dos homens. A tragédia também era uma reflexão sobre o conflito
entre a liberdade individual e o destino, tema que incomodava os cidadãos da
democracia: afinal de contas, até que ponto eles teriam poder sobre suas vidas?*”
(CHALITA, p.45). Essa mentalidade está intimamente ligada com as atividades
filosóficas do período, como veremos em artigo posterior.
É nesse contexto
democrático ateniense que florescem os sofistas.
O PERÍODO CLÁSSICO DA GRÉCIA
Esse período vai do
século VI ao século IV a. C. O professor Rodolfo começa explicando o que o
termo ‘clássico’ quer dizer. Em história, tal termo refere-se ao que é modelo,
arquétipo. Assim, quando nos referimos à civilização antiga na Grécia, se não
mencionarmos outro período, estamos nos referindo ao modelo de civilização
desenvolvida no período clássico. Muitos consideram esse momento o apogeu da
Grécia, embora, para ser mais preciso, é o apogeu ateniense, o período de ouro
da filosofia em Atenas. Assim, Rodolfo acha impertinente dizer que esse período
é clássico, arquetípico da civilização grega, visto que houve muitos outros momentos
importantes, apogeus, noutros momentos, fora de Atenas. Mas essa é a
terminologia padrão.
O período clássico
tem início e fim com guerra. Uma no início, que representa o apogeu desse
modelo grego ateniense; e um no seu fim, que marca o declínio do império grego,
com seus conflitos internos que tornaram vulnerável o reino.
GUERRAS MÉDICAS
Tudo começa com as
Guerras Médicas, de cerca de 490 a 470 a. C. Nela temos o conflito (ou uma
série de conflitos) da Grécia com o grande império Persa, que tinham uma
tradição expansionista desde Ciro I, unificador dos Persas, ou seja, em sua
formação.
Os Persas,
unificados, vivendo em uma região pobre em recursos hídricos, começa uma
expansão rumo ao Rio Tigres e Eufrates. Então Ciro conquista a Mesopotâmia. Em
seguida o imperador Cambises conquista o Egito em 525 a. C. Por fim, Dario I
parte para a conquista do Mar Egeu, o que inclui a Península Balcânica, e de
todo o comércio ali desenvolvido, onde surge o conflito com a Grécia.
Aqui temos de
acentuar as diferenças. A Grécia era composta por cidades-estados autônomos e,
portanto, não tinha um poder centralizado que pudesse requerer todo o poder
militar de toda a nação grega. Já os Persas eram um império organizado, com um
exército enorme, centrados na figura do seu Imperador.
No começo do
conflito os Persas, certos de seu sucesso, engendram uma estratégia equivocada.
Resolvem começar a invasão pelo norte, onde está Atenas, e pela via marítima.
Mas como Atenas já tinha uma tradição muito bem estabelecida no comércio
marítimo, tiveram vantagem na luta nas águas e conseguiram resistir à invasão.
Não eliminaram as forças persas, mas a península Ática, pelo menos, não foi
invadida*.
O próximo imperador,
Xerxes, resolve marchar com suas tropas mais para o sul, na Península do
Peloponeso, onde estavam os Espartanos, que não tinham tradição marítima. Foi
aqui que temos a ‘Batalha de Termópilas’, representada no filme 300. Bom, os
persas vencem a batalha, apesar da resistência heroica dos espartanos e seus
esparciatas, hoplitas guerreiros.
No povo do norte,
tal notícia certamente trouxe pavor pois os espartanos, o padrão e o auge do
poderio militar, foram derrotados. A frota de tri-remis construída por
Temístocles concedeu à Atenas a hegemonia marítima no mediterrâneo oriental.
Embora os persas tenham sido derrotados em Salamis, a ameaça de uma outra
invasão era sempre corrente. Atenas e as demais cidades-estados do Egeu
formaram a Liga de Delos (em 478 a. C, segundo o History Channel). Era um
conclave, uma união militar, e não política, entre as cidades gregas, liderada
por Atenas, para enfrentar os persas. As cidades livres do norte, portanto,
financiavam a formação de um exército (portanto os soldados eram assalariados).
A Confederação de Delos alcança êxito, e Atenas sai vitoriosa, derrotando os
Persas*.
O SÉCULO DE PÉRICLES
Após a vitória,
Atenas não liberta as cidades envolvidas na Confederação de Delos. Cerca de 450
a. C. Atenas era a líder incontestável da Liga de Delos. Ela toma algumas
atitudes que podemos considerar, no mínimo, tirânicas. Pra começar, Atenas
retira o tesouro que ficava localizado na cidade de Delos e o transfere para
si. Depois os impostos de guerra, para financiar o exército, continuam a ser
cobrados, mesmo que estivessem em tempos de paz. O exército de Delos passa a
ser o exército de Atenas. Detendo todo esse poder, com um imperador chamado
Péricles*, temos, de 460 a 430 a. C. o chamado ‘Imperialismo Ateniense’,
chamado também de ‘Século de Ouro de Atenas’ ou ‘Século de Péricles’. Nesse
período temos a Hegemonia Ateniense, dominando não só a Península Balcânica
como todo o Mar Egeu.
Quanto mais expandia
seu território, mais prisioneiros conseguia, e mais escravos possuía. A
sociedade sofre algumas alterações com tal empreitada. Acontece que, quanto
mais escravos haviam, mais tempo livre tinham os cidadãos atenienses, afinal,
porque pagariam para um trabalhador se podiam contar com os escravos? Tal tempo
livre proporciona aos cidadãos atenienses que se dedicassem com mais atenção à
atividade política. Assim, a atividade política tornou-se a principal atividade
do cidadão ateniense no período do Imperialismo Ateniense. Um paradoxo
interessante é levantado pelo professor Rodolfo: quanto mais Atenas se
expandia, conquistando territórios e tirando a liberdade de outros povos, mais
liberdade e mais democracia dava a seus cidadãos.
Entretanto, o cidadão
que não trabalhava tinha que angariar recursos. Não podia ficar envolvido na
atividade política sem qualquer granjear de renda. Então Péricles cria a
Mistoforia, ou seja, a remuneração do cidadão para sua atividade política.
Assim, todo cidadão ateniense, todo homem livre, nascido em Atenas, maior de
dezoito (18) anos, tem condições e exerce uma carreira política.
“Imperialismo e
Democracia são duas faces de uma mesma moeda na Atenas do século V a. C.” é uma
frase que resume bem o que se deu no ‘Século de Ouro’ de Atenas. Ou seja, o
‘Apogeu’ da Atenas democrática dependia de seu domínio sobre outras cidades.
É interessante notar
que nesse período de crescente ócio é que temos o florescer da filosofia
clássica de Sócrates e Platão, e Aristóteles no declínio desse período.
A GUERRA DO PELOPONESO
Esse progresso
ateniense incomoda as cidades que não compactuam de seu imperialismo e Esparta
foi uma dessas*. A cidade se recupera, após as guerras médicas, e também forma
uma confederação em 434 a.C., chamada Confederação do Peloponeso. Era um grupo
de cidades, uma aliança militar, liderada por Esparta, contrária ao
imperialismo ateniense. O conflito entre a Confederação de Delos, liderada por
Atenas, e a Confederação do Peloponeso, liderada por Esparta, seguiu-se
naturalmente.
Surge a guerra do
Peloponeso, de 431 a 404 a. C*. Não era apenas um conflito entre Atenas e
Esparta, mas um conflito interno da Grécia entre a Confederação de Delos e a
Confederação de Peloponeso. Como conflito interno, a Grécia é a maior
prejudicada, ficando enfraquecida.
Em 431 Esparta ataca
Atenas e a rodeia por 2 anos. Atenas resiste, mas sucumbe vítima de uma doença,
provavelmente oriental, conhecida como ‘A Grande Praga Ateniense’. Péricles,
com seus lá para os 60 anos, resistiu à peste, mas estava com a saúde
debilitada, bem como a psique, pois, imaginava-se culpado pela queda iminente
da cidade. Morre em 429 a. C.
Os Espartanos acabam
vencendo o conflito mas a situação apenas foi invertida. Agora é a Confederação
do Peloponeso, ou Esparta, que tenta dominar toda a Grécia*. Tebas fica
revoltada, faz uma liga tebana e também ataca Esparta. E assim, uma série de
conflitos internos na Grécia acaba enfraquecendo-a e tornando-a mais vulnerável
à invasão. Não precisamos, para os objetivos que visamos alcançar com essa
contextualização, dissertar sobre esses conflitos.
A invasão de fato
acontece, começando com o rei Macedônico Felipe II, e termina com seu filho
Alexandre, o Grande.
Tal quadro justifica
a afirmação de que ‘a Grécia não morreu de um assassinato, mas de suicídio’,
pois são os conflitos internos que a destruiu, tornando-a alvo fácil para
Felipe II e, posteriormente, Alexandre, o Grande, que inicia o período
helenístico.
Paremos por aqui. Já
temos o contexto para dissertar sobre os sofistas, Sócrates e Platão.
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* Nossa exposição
segue as informações obtidas nas aulas ‘Atenas Clássica’ e ‘Civilização Grega –
Período Clássico’ do professor Rodolfo Neves, e no documentário ‘Construindo um
Império: Grécia’, do History Channel. No mais, complementamos com as
introduções à história da filosofia que temos em mãos.
* “...dos
quatrocentos mil habitantes de Atenas 250 mil eram escravos, sem diretos
políticos de qualquer espécie, e dos 150 mil homens livres ou cidadãos, só um
pequeno número comparecia à Eclésia, ou assembleia geral, onde eram discutidas
e determinadas as diretrizes do Estado. No entanto, a democracia que tinham era
tão completa como nenhuma outra desde então. A assembleia geral era o poder
supremo; e o mais alto órgão oficial, o Dicastério, ou suprema corte, consistia
de mais de mil membros (a fim de tornar caro o suborno), selecionados
maquinalmente, em ordem alfabética, da lista de todos os cidadãos” (DURANT, p.
27).
* Alguns poderiam
replicar que isso, portanto, não seria uma democracia. Mas o professor Rodolfo
adverte-nos que a Democracia Grega não significava um governo de todos, mas um
governo do cidadão. Assim, não importa quantos cidadãos hajam, apenas que todo
cidadão tenha o mesmo direito. Esse conceito de democracia é um pouco diferente
do atual conceito, oriundo do final do século XVIII, um conceito iluminista,
que chegou à Revolução Francesa e trabalha com a ‘Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão’, que, por sua vez, afirma que todo homem nasce livre e
igual, o que não era afirmado na democracia ateniense.
* Evidentemente isso
seria impossível numa democracia como a do Brasil, com proporções enormes de
pessoas. Representantes se fazem necessários. Eles são eleitos e os votos dos
cidadãos são como contratos que fazem com o político para representa-los.
* Gaarder nos
fornece um contexto muito bom para essa discussão. Acontece que a crença no
destino traçado era típica dos gregos. Particularmente um oráculo, aquele tipo
de oficial religioso que podia ver o futuro, era consultado: o Oráculo de
Delfos, devoto de Apolo. Apolo “falava através de sua sacerdotisa, Pítia, que
ficava sentada num banquinho colocado sobre uma fenda na terra. Dessa fenda
subiam vapores inebriantes, que colocavam Pítia numa espécie de transe. E isto
era necessário para que ela se tornasse o meio pelo qual Apolo falava” (GAARDER,
p. 66-67).
Mesmo que a
mitologia tenha sofrido um baque enorme, a religião não fora extinta da Grécia.
Muitos ainda criam e consultavam o Oráculo de Delfos. Ela tinha sacerdotes que
intermediavam suas profecias e o povo. Ela geralmente falava de modo
misterioso, enigmático, e os sacerdotes geralmente interpretavam suas palavras.
No templo havia uma
inscrição célebre: ‘conhece-te a ti mesmo’, para que o homem reconhece-se como
mortal e que não podia fugir de seu destino. As tragédias, pois, refletiam essa
mentalidade oriunda de Delfos, com histórias em que as pessoas, mesmo tentando
fugir de seus destinos, acabavam correndo para abraça-los. Tanto Gaarder quanto
Chalita nos recomendam Édipo Rei, de Sófocles (497-406 a. C.).
Gaarder nos informa
que a naturalização (ou, alguns contemporâneos poderiam sugerir ‘secularização’
como termo mais apropriado) proposta pelos pré-socráticos chegava, também, à
negação do papel dos deuses não só na história dos indivíduos mas na história
da humanidade. Os gregos “achavam que todo o desenrolar da história do mundo
também era determinado pelo destino. Assim, os gregos acreditavam, por exemplo,
que o desfecho de uma guerra deveria ser atribuído a uma intervenção divina”
(GAARDER, p.67). Mas a mentalidade naturalista fez com que, aos poucos,
formasse “uma ciência da história, cujo objetivo também era encontrar causas
naturais para o curso da história universal. O fato de um Estado perder uma
guerra não mais era atribuído ao desejo de vingança dos deuses” (GAARDER, p. 68).
Novamente, tal
crítica, a despeito do que Gaarder propõe, não atinge de modo algum a teologia
cristã reformada. Primeiramente, a crítica era ao desenrolar da história
segundo caprichos dos deuses. Depois, ignoravam a causalidade dos fenômenos
naturais, o que a teologia cristã não faz. Entretanto, Deus está intimamente
ligado com as decisões e até com a competência dos guerreiros, comandantes e
príncipes de todas as épocas. Noutra oportunidade, discursando sobre a
providência, tangeremos o assunto com mais cautela.
* Aqui vale a pena
relatarmos a importante história de Temístocles, segundo consta no documentário
do History Channel denominado: “construindo um império: Grécia”. O
documentário, após a introdução, nos situa em Setembro de 480 a. C., em plena
Guerras Médicas, que vão de 490 a. C. a 470 a. C., na ilha de Salamis, uma ilha
próxima à Atenas. Seria o palco de uma sangrenta e decisiva batalha contra a
Pérsia.
A Pérsia era a
superpotência da época. Extremamente rica e autoconfiante. Foi o maior império
multicultural e multiétnico já visto.
700 navios com 150
mil guerreiros estavam ao horizonte, prontos para anexarem a Grécia aos
domínios do império Persa. Themistocles, um grego, entretanto, os aguardava.
Era um almirante e político ateniense, que se preparava para resistir aos
persas. Entretanto, a batalha não parecia nada animadora. A ‘desvantagem da
marinha grega era de um para dois’. Além disso, tinha um grupo de soldados
desorientados, provavelmente temendo os persas pelo grande número de seus
exércitos.
As cidades-estados
eram tanto um avanço quanto um problema para a Grécia diante dessa batalha.
Eram cidades superdesenvolvidas. Eram como países independentes e
autossuficientes dentro da própria Grécia, unidos apenas pelas raízes e pela
cultura. Mas não havia um poder centralizado que unisse a todos os exércitos
dessas cidades-estados. Elas, cada uma por si, se importavam apenas com suas
próprias agendas e não tinham relações umas com as outras, a não ser alguns
estranhamentos.
Temístocles tinha
que organizar esse exército sobre o comando de uma só voz. Ele não veio da
aristocracia, e não se envergonhava de que soubessem disso. Não sabia cantar ou
afinar uma lira, mas dizia que sabia ter uma cidade grande e livre. Já havia
enfrentado os persas em sua primeira invasão, com um exército menor, em 490 a.
C., ou seja, 10 anos atrás, na cidade de Maratona. Ele levaria sua experiência
para Salamis e concentraria suas forças na fraqueza que identificara nos
Persas: a marinha. Temístocles demandou a construção de um projeto marítimo
ousado. 200 tri-remis, o navio mais mortal do mundo antigo, seriam construídos
imediatamente.
O tri-reme era um
barco com 40 metros e que movia-se muito rápido, contendo uma quantidade enorme
de remadores (uns 170!).
Temístocles engendrou
o seguinte plano. Ele guiou os persas para o Estreito de Salamis para que
fossem afunilados e tivessem menos vantagens. Ele sabia que os persas gostavam
de vencer batalhas intimidando e por traidores. Então Temístocles envia alguém
aos exércitos persas supostamente para trair os gregos, dizendo que estavam
desorganizados e que deveriam ‘levantar velas’ de noite para surpreendê-los
pela manhã. Os persas morderam a isca. Para a sua surpresa, as frotas gregas
não estavam em fuga, mas em formação de batalha. Os 200 tri-remes colocaram-se
em linha para impedir a manobra das embarcações persas para nos estreitos.
Durante todo o dia os tri-remes cercavam os navios persas e os atacavam com as
vigas dianteiras. Foi uma batalha confusa, apavorante, e ao fim do dia os
gregos nem mesmo estavam certos se venceram, mas viram milhares de cadáveres
inimigos nas praias de Salamis e jugaram que venceram. Algumas fontes dizem que
os persas perderam 200 navios, ao passo que os gregos perderam apenas 40. Os
persas que não se afogaram eram mortos pelos soldados gregos que esperavam na
praia.
Um dos historiadores
do documentário observa que, se os gregos não tivessem vencido a batalha de
Salamis, a Grécia antiga, e, consequentemente os valores que temos hoje, a
nossa estrutura social, não existiriam.
Após a gloriosa
vitória em Salamis, Temístocles foi considerado um herói. Entretanto suas
ambições pessoais geraram ódio em seus inimigos políticos. Em pouco tempo a
cólera da Assembléia, a Eclesia, foi derramada. Os gregos faziam um debate
anual sobre a impopularidade, votando no político mais perigoso para o
progresso de Atenas, e o exilavam por 10 anos. Chamavam isso de ‘ostracismo’.
Assim, em 471 a. C., 9 anos após sua vitória em Salamis, foi vítima do
ostracismo. Ironicamente foi pedir abrigo aos persas, e nunca mais viu Atenas.
Terminou sua vida falando persa, trabalhando como administrador para o rei
persa, ajudando-o a cuidar da Ásia Menor.
Temístocles, ao
vencer a batalha da ilha de Salamis não salvou apenas uma cidade, mas salvou a
democracia, que nascera a cerca de 25 anos antes da batalha (portanto, c. 505
a. C, segundo o documentário, mas 510 a. C., segundo o professor Rodolfo).
* Durant, aqui, é
muito pertinente em suas observações. Ele notará como Atenas, após o término das
Guerras Médicas, conseguiu alavancar sua economia, ao passo que Esparta
regrediu. Permitam-nos citar todo o parágrafo: “De 490 a 470 a. C., Esparta e
Atenas, esquecendo os ciúmes e unindo forças, combateram e derrotaram os
esforços dos persas, sob Dario e Xerxes, de transformar a Grécia numa colônia
do império asiático. Nessa luta da jovem Europa contra o senil Oriente, Esparta
forneceu o exército, e Atenas, a marinha. Terminada a guerra, Esparta
desmobilizou suas tropas e sofreu as perturbações econômicas típicas desse
processo; enquanto que Atenas transformou sua marinha de guerra numa frota
mercante e se tornou uma das maiores cidades comerciais do mundo antigo.
Esparta voltou a cair no isolamento agrícola e na estagnação, enquanto Atenas
se tornava um movimentado mercado e porto, o local de encontro de muitas raças
de homens e de diversos cultos e costumes, cujo contato e cuja rivalidade
geraram comparações, análise e reflexão” (DURANT, p. 25-26). Esse intercâmbio
cultural, para Durant, como já fora notado no artigo sobre o contexto histórico
do surgimento da filosofia (nota 1), favoreceu o florescimento da filosofia em
Atenas.
* O documentário do
History Channel também tece detalhes interessantes sobre Péricles que achamos
por bem aqui registrar: Péricles levaria a promissora Atenas a seus anos de
glória. Péricles era um intelectual democrata que apoiava as artes. Veio da
aristocracia ateniense, e, portanto, uma carreira política ou militar era
esperada. Ele levou Atenas ao auge por meios não muito nobres, como suborno,
ameaças e força bruta.
Quando jovem foi
eleito a estrategos, um chefe de exército que determinava a política externa.
Como um político nato e bom orador, logo se tornou o estadista mais poderoso de
Atenas. Em 461 a. C. tornou-se o líder de Atenas (portanto, as Guerras Médicas
já havia terminado a poucos anos atrás, c. 470 a. C.). A liga de Delos detinha muito dinheiro, e
Péricles o usou criando obras magníficas para demonstrar o poder que detinha.
O Acrópole é um
exemplo. Reza a lenda que Poseidon e Atenas foram ao Acrópole para competir
quem seria o patrono da cidade, o que seria decidido pelo voto das pessoas.
Poseidon golpeou o chão e saiu água. Atenas fez o mesmo e saiu uma oliveira,
que significava não apenas sustento para os gregos, mas possibilidade de um
produto para comercialização, e Atenas caiu nas graças do povo. No decorrer dos
séculos muitos templos foram construídos para Atenas. Muitos foram destruídos.
Mas Péricles deu a Atenas o maior monumento de arquitetura grega do mundo
antigo: o Parthenon. Ele resolveu reconstruir o Partenon na Acrópole de Atenas
(a parte mais alta da cidade). Custou mais que qualquer outro edifício
construído pelos gregos: 30 milhões de dracmas, equivalente a bilhões de
dólares. Era um empreendimento estatal. Começou em 447 a. C. A principal função
do Partenon era dar abrigo â monumental Estátua de Atena.
Embora toda a glória
do Partenon, alguns o desprezavam, achando-o horrível e um monumento à própria
glória de Péricles. Platão, e.g., não gostava dos templos. Muitos achavam que
as inovações rompiam com o passado.
Os murmúrios em
Atenas não se restringiram ao Partenon. Péricles continuava a expandir o
império ateniense, e seus rivais e opositores começavam a conspirar contra ele.
Em breve começaram a atacar seus aliados, dentre as quais, no topo da lista,
estava Aspásia, uma mulher bonita e culta, importante oradora (Inclusive
influenciadora de Sócrates!), membra da elite da casta hetera. Heteras eram
cortesãs da alta corte, comparadas às gueixas da cultura japonesa. Circulavam
na alta sociedade e em ambientes de extrema cultura grega. Numa sociedade em
que as mulheres deviam submeter-se ao domínio dos homens, Aspásia era exceção à
regra. Péricles a tratava como igual, e até a beijava em público, para o escândalo
ateniense. Essas demonstrações públicas de afeto não eram esperadas em Atenas.
O Partenon foi
finalizado em 432 a. C., após quase 15 anos de construção. Tal homenagem a
Atenas surtiu o efeito que Péricles almejou: divulgar o poder de Atenas para o
mundo. Mas, ironicamente, a supremacia simbolizada pelo Partenon estava em
declínio, como veremos na história.
* Notem que o século
V a. C. foi um período de muitos conflitos na Grécia, a começar pelas Guerras
Médicas e seguir com a Guerra do Peloponeso.
* A introdução à
história da filosofia de Sproul, não muito rica em detalhes históricos, aponta
os impostos cobrados por Péricles como o motivo da insatisfação que gerou a
Guerra do Peloponeso: “Os anos dourados de Atenas, no entanto, duraram pouco. O
brilho do dourado foi sendo ofuscado pelo peso dos impostos arrecadados por
Péricles. E isso causou a guerra do Peloponeso em 431, que terminou em 404 com
a derrota de Atenas” (SPROUL, p. 29).
* Aqui acreditamos
ser pertinente relatar alguns conflitos políticos que pairavam sobre aquele
momento, o que Durant é excelente para elucidar. Primeiro, ele nos informa que
haviam sofistas que defendiam ser a aristocracia a forma de governo mais sábia
e mais natural. Então afirma “Sem dúvida, esse ataque à democracia refletia a
ascensão de uma minoria rica em Atenas, que se intitulava Partido Oligárquico e
denunciava a democracia como sendo uma impostura incompetente” (DURANT, p. 27).
Durante a Guerra do Peloponeso (que será vista no decorrer do texto), o Partido
Oligárquico, do discípulo de Sócrates e tio de Platão, Crítias, aproveitou o
momento de tensão para defender o abandono à democracia, com o argumento de que
era incompetente para a guerra, ao passo que cortejava a aristocracia
espartana. “Muitos líderes oligárquicos foram exilados, mas quando finalmente
Atenas se rendeu, uma das condições para a paz imposta por Esparta foi a
chamada volta daqueles aristocratas exilados. Mal haviam retornado, eles, com
Crítias à frente, declararam uma revolução dos ricos contra o partido
‘democrático’ que havia governado durante a desastrosa guerra. A revolução
fracassou, e Críticas morreu no campo de batalha” (DURANT, p. 27). Portanto, a
democracia prevaleceu em Atenas.
REFERÊNCIAS
CHALITA, Gabriel. Vivendo
Filosofia. São Paulo: Atual, 2002, p. 304.
DURANT, Will. A
História da Filosofia. Tradução de Luiz Carlos do Nascimento Silva.
Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record. 4ª ed., 2001, 406p.
GAARDER, Jostein. O
mundo de Sofia: romance da história da filosofia. Tradução de João Azenha
Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 560 p.
HISTORY CHANNEL. Construindo
um Império: Grécia. Acessado em 05/04/2014 em:
NEVES, Rodolfo. Atenas
Clássica. Acessado em 05/04/2014
em: https://www.youtube.com/watch?v=b83vPhrIBkI
NEVES, Rodolfo. Civilização
Grega – Período Clássico. Acessado em 05/04/2014 em:
SPROUL, R. C. Filosofia
para iniciantes. Tradução de Hans Udo Fuchs. São Paulo: Vida Nova, 2002,
208 p.
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