R. C. Sproul, famoso filósofo e teólogo cristão [e, diga-se de passagem, o pai filosófico do presente autor (embora tenhamos, hoje, algumas divergências para com o velhinho)], conta-nos que quando estava graduando-se em filosofia ouviu seu professor mencionar a mais famosa declaração de Parmênides: 'Tudo o que é, é". Aquilo soou, como acontece com todos os incultos, risório, um vexame. Em suas palavras "Eu ri e exclamei: 'E ele é famoso?' Com essa manifestação verbal eu me traí como um calouro de primeira. Imaginei que tuodo o que Parmênides fez foi gaguejar" (SPROUL, p. 22). Mas o tempo passou, Sproul amadureceu e nos deu a lição de que não se deve subestimar os clássicos, como Mortimer J. Adler tanto insiste, afinal, mentes brilhantes no decorrer das décadas, séculos, os reconheceram como geniais e se não o fazemos, certamente é porque somos burros demais (ADLER, 2010). Olavo de Carvalho, aliás, (substituindo o velho moto dirigido a Freud), explica: "Quanto menos você percebe, menos percebe que não percebe. Quase que invariavelmente, a perda vem por isso acompanhada de um sentimento de plenitude, de segurança, quase infalibilidade" (CARVALHO, p.431).
Sproul, claro, foi experto o suficiente para se retratar: "Agora que atingi o crepúsculo de minha vida, estando talvez na segunda metade do segundo tempo do jogo, perdi a onisciência que eu tinha no pouco tempo em que fui calouro. Depois desses anos todos, não consigo me lembrar de nenhum conceito que aprendi na filosofia que provocasse mais reflexão do que essa frase de Parmênides" (SPROUL, p.23).
Convidamos-lo pois, leitor, a buscar compreender um pouco da filosofia de Parmênides. Nesse primeiro artigo (talvez tenhamos que escrever mais que dois só para abordar com responsabilidade esse italiano), iremos trabalhar com as reflexões epistemológicas, linguísticas e lógicas do eleata para noutra(s?) oportunidade(s?) trabalhar com sua metafísica, que junto à de Heráclito, fundam a grande problemática que moveu a filosofia ocidental.
"Quase tudo o que sabemos sobre o pensamento de Parmênides provém do poema de sua autoria denominado Sobre a Natureza", notifica-nos Chalita (p. 39). Essa obra é composta de três partes*¹, mas as duas primeiras é que foram melhor preservadas, conta-nos Osborne (PRADEAU, p.23). A mesma autora nos conta que "A introdução descreve um jovem levado pelo encontro de uma deusa para além das portas da noite e do dia. No resto do pema, o jovem relata as palavras da deusa" (PRADEAU, p.24).
A segunda parte do poema é a mais célebre: O Caminho da Verdade. 'Verdade', aqui, corresponde à palavra grega 'aletheia', e quer dizer "desvelamento, descoberta, o movimento pelo qual algo se mostra ao nosso conhecimento plenamente" (CHALITA, p. 39), ou seja, o ato de tornar-se patente ao nosso intelecto.
O caminho da verdade é o caminho que diz que o que é, é (a famosa 'encrenca de Sproul'). A frase também diz que o que é não pode deixar de ser, mas deixaremos essa discussão para outro artigo.
Aqui é preciso muita atenção para perceber o que está sendo dito. As palavras são selecionadas a dedo para conceber a ideia.
Em suma, o ser é, e o não-ser não é. E o que não é nem mesmo pode ser concebido. Simples, não é? Não mesmo! Não se desespere (como fizemos) ao não compreender imediatamente essas complicadas proposições. Vamos tentar elucidá-las, se não for muita pretensão de nossa parte.
O 'ser' é aquilo que existe. Portanto ele 'é', e 'é' deriva-se do verbo 'ser'. Já o não-ser não possui existência. Se ele não possui existência, ele é nada. Perceba, ele É nada, e não 'ele NÃO É nada'. Permitam-nos.
Você tem uma última bala. Está você e seu amigo. Você, justo (ou, talvez, bondoso e misericordioso, visto que poderia ser justo você usufruir da bala... ok, sem conjecturar demais!), não quer comê-la e deixá-lo na vontade. Então resolve propor uma brincadeira clássica, porém muito simples. Você coloca suas mãos para trás e numa delas coloca a bala. Na outra, não. Você coloca as duas mãos pra frente, fechadas, e pede-o para escolher. A que ele escolher trará seu quinhão. Bom, independente de quem ganhe, na outra mão que não havia bala, o que podemos dizer que havia?
Se dissermos, como de costume, que 'não havia nada', então havia algo, pra não falar que a frase é completamente sem sentido. 'Nada' não é algo para que haja. O ato de 'haver' é peculiar ao ser. Mas dizer que 'havia nada' também não resolve a questão. Percebe? O 'nada' nem mesmo é concebível! Não podemos pensar no nada pelo simples fato de que, se pensarmos e concebermos algo, será alguma coisa, e não nada.
Assim, podemos, até aqui, concordar com Parmênides que para dizermos a verdade temos que dizer o que é, e não o que não é.
E quanto às coisas que realmente não existem, o que temos a dizer? Por exemplo, Papai Noel, fada, Saci, Curupira, neo-ateu que consegue entender o significado de uma proposição complexa... etc. Bom, nesse caso essas coisas são concebíveis. Existem, ao menos, na mente. Podemos dizer que elas 'são realidades apenas mentais', abstrações, ou que 'são ilusórias' (percebam a flexão numérica do verbo ser em 'são', ou seja, o plural de 'é').
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*¹ Chalita não nos informa sobre a primeira parte e nem que a última parte não foi bem preservada: "Basicamente, essa obra trata, em duas partes, do caminho da verdade (da altétheia) e do caminho da opinião (da doxa)" (p. 39).
REFERÊNCIA
ADLER, Mortimer J; VAN DOREN, Charles. Como Ler Livros.
Tradução de Edward Horst Wolff e Pedro Sette-Câmara. São Paulo: É Realizações,
2010, 432p.
CHALITA, Gabriel. Vivendo Filosofia. São Paulo:
Atual, 2002, p. 304.
OSBORNE, Catherine. O nascimento da filosofia _ PRADEAU, François. História
da Filosofia. Tradução de James Bastos Arêas e Noéli Correia de Melo
Sobrinho. Petrópolis: Vozes; Rio de Janeiro: PUC-Rio. 2ª ed., 2012, 624p.
SPROUL, R. C. Filosofia Para Iniciantes. Tradução de Hans Udo Fuchs. São Paulo: Vida Nova. 2002, 208p.
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